Por Ferreira Moreno
Em complemento à recente reportagem ilustrada
de Andreia Fernandes, publicada no "Diário Insular"
(9/Março/03), acerca do terceirense José Lobão,
"artesão de instrumentos musicais", apraz-me
registar as referências dedicadas à Família
Lobão por José Alfredo Ferreira Almeida, e insertas
no seu livro "A viola de Arame nos Açores" publicado
em 1990.
E assim temos, na página 83, a foto do próprio
José Lobão, bem como a foto do pai, Manuel Augusto
Lobão, na página 176. Os nomes de ambos encontram-se
na lista dos violeiros da ilha Terceira (página 118), e
pelo endereço indicado (página 182) fiquei a saber
que José Lobão é vizinho do meu bom amigo
José Macide, pois reside na Rua dos Canos Verdes.
Como criteriosamente acentuou Andreia Fernandes, "a arte
de construir violas faz-se na Terceira apenas pelas mãos
de José Lobão. Um ofício condenado à
extinção se entretanto não surgir quem se
interesse pelo trabalho que dá musica à terra. O
artesão continua enquanto puder e não pára
no tempo; vai evoluindo na sua arte, valorizando-a com recurso
a conhecimentos, tecnologias e melhores materiais."
José Lobão, que presentemente conta 65 anos d'idade,
mantém vivo o seu amor pela arte de construir instrumentos
musicais desde os tempos da instrução primária
quando, aos 10 anos, começou a trabalhar com o pai que
já se dedicava à actividade.
Considero bastante curioso o facto de não serem estranhos
ao nosso Gaspar Frutuoso os nomes de antigos tocadores de viola,
os quais se encontram espalhados nas páginas do Livro IV
das "saudades", (Edição do Instituto Cultural
de Ponta Delgada 1998), a saber: André Gago, que faleceu
no dilúvio de Vila Franca, "Estando já no estudo,
aprendendo para clérigo, sendo muito musico, bom cantor
e tangedor."(Pág. 55).
Rui Martins, morador no lugar Rosto de Cão, "foi
grande músico e tangedor de viola." (Pág. 70).
João Gonçalves, natural de Biscais, que "por
ser grande musico e tanger bem viola". Ficou com o apelido
de Tangedor. (Pág. 55).
Porém, o mais engraçado episódio é-nos
narrado na página 219, onde se diz que o avô de Adão
da Silva, a quem tinha sido entregue "por repartição
a lomba chamada a Grota Grande", acabou por vendê-la
"por quatro carneiros e uma viola."
Destas ligeiras referências, colhidas na ilha de S. Miguel,
é fácil deduzir que já então a viola
era um objecto precioso e os seus tocadores muito populares!
O incansável jornalista-investigador e prolífico
autor Manuel Ferreira, no seu livro "A Viola de Dois Corações".
Publicado em 1990, diz-nos que a Crónica de El-Rei D.
Sebastião, atribuída a Frei Bernardo da Cruz,
"regista-se por igual que Domingos Madeira, musico da câmara
do Rei, cantava à viola durante a travessia p'ra África,
quebrando a monotonia das noites e entretendo o espírito
e os ardores bélicos do aguerrido soberano."
E Manuel Ferreira prossegue: "O facto da enorme expansão
do popular instrumento, mesmo com todo o exagero dos números,
está na perdurável tradição de que
teriam sido encontradas dez mil guitarras (as conhecidas violas
da época) abandonadas pelos portugueses nos destroçados
campos de Alcácer Quibir, como se a aventura africana de
D. Sebastião não passasse duma fantasiosa e monumental
serenata em noite de luar."
No exemplar que eu tenho de: "As Crónicas de Fernão
Lopes", seleccionadas e transpostas em português moderno
por António José Saraiva, numa edição
da Portugália Editora e nas páginas 38-39, li a
seguinte narrativa que passo a transcrever sucintamente...
Trata-se de Afonso Madeira, escudeiro predilecto de El-Rei D.
Pedro, que tocava e cantava, mas enamorou-se duma mulher
casada, "briosa e louçã, muito elegante e de
graciosas prendas."E como quer que El-Rei muito amasse o
escudeiro, mais do que se deve aqui dizer, (nas palavras
do próprio Fernão Lopes), D. Pedro obliterou toda
a benquerença e mandou "cortar-lhe aqueles membros
que os homens em maior apreço têm."
Embora lhe tivessem aplicado uns curativos nas feridas, o pobre
escudeiro engrossou nas pernas e no corpo, tendo vivido alguns
anos com o rosto engelhado e sem barba. Depois morreu de sua morte
natural!
O tocador de viola
Vai a tocar descuidado;
Ninguém o deve estranhar,
Porque tem a rosa ao lado.
O tocador de viola
Toca com grande primor;
Por isso muito lhe quero:
É o meu primeiro amor.
O tocador de viola
Bem merece uma gravata;
Hei-de mandá-la fazer
Do rabo da minha gata.
Senhor mestre da viola,
Diga-me se quer ou não
Que eu cante uma cantiga
Ao toque da sua mão.
Senhor mestre da viola,
Aqui cheira a violetas;
Será de uns olhos azuis,
Por trás de cravelhas pretas.
Quando vou p'ra minha casa,
E a mulher não tem p'rá ceia,
Pego na minha viola:
Já minha casa está cheia.
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