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Por Ferreira Moreno
João Gonçalves, o primeiro povoador da Madeira,
aparentemente tinha ZARCO de alcunha, "por ser torto dum
olho, ou por haver morto em África um mouro com esse nome"
... pormenor que certamente ficou "salmoirado" quando
D. Afonso V (1438-81) o elevou à classe da nobreza "com
brasão d'armas"
As insígnias desta fidalguia ficaram estampadas
em "um escudo preto e ao pé uma montanha verde sobre
a qual está firmada e situada uma torre de prata, entre
dois lobos de oiro" No entanto, se por um lado João
Gonçalves perdeu a alcunha de Zargo, por outro ganhou o
sobrenome de Câmara de Lobos, facto que se reveste
de certa curiosidade e intriga, remontando a um episódio
ocorrido na sua primeira viagem (1419) e transmitido por Gaspar
Frutuoso nos seguintes termos:
"Onde a natureza fez uma grande lapa, a
modo de câmara de pedra e rocha viva (...) onde acharam
tantos lobos marinhos (...) pelo que deu nome a este remanso Câmara
de Lobos, donde este capitão João Gonçalves
tomou a apelido (...) e deste lugar tomou suas armas, que el-Rei
lhe deu." (Saudades da Terra, Lv. II, cap.7, Pg.19,
Ed. 1998).
Mas a curiosidade avoluma-se e a intriga justifica-se,
pois que na segunda viagem (1420) à Madeira, Zargo decidiu
fixar residência no sítio de Câmara de Lobos.
Aí viveu até 1424, data em que se transferiu pr'ó
Funchal. Consequentemente, Câmara de Lobos pode e deve considerar-se
a primeira e mais antiga povoação criada na ilha
da Madeira!
Churchill na Câmara de Lobos
(Foto Perestrello)
O primeiro-ministro britânico Sir Winston Churchill (1874-1965),
na sua passagem por esta ilha em Janeiro de 1950, ficou tão
enamorado com a beleza de Câmara de Lobos que aqui estacionou
alguns dias, a fim de se entregar à pintura de quadros
captando vistas panorâmicas daquela janela aberta a um mar
anichado em rendilhas aniladas.
Há tempos atrás, lembro-me de ter
confessado o meu "desgosto" por não ter encontrado,
em parte alguma, os nomes dos barcos transportando os primeiros
exploradores e povoadores das nossas ilhas. Mas agora apraz-me
revelar que, na primeira travessia p'rá Madeira, Zargo
viajou a bordo do "São Lourenço",conforme
o testemunho de Frutuoso: "Porque o navio em que ia o capitã
se chamava São Lourenço (...) pelo que ficou
o nome à ponta que se chama de São Lourenço."
(Saudades, Lv. II, Cap. 6, Pg.17, Ed. 1998).
E, 1485 chegava à Câmara de Lobos o franciscano
Frei Pedro da Guarda (1435-1505), natural da Guarda, passando
a residir no Convento de São Bernardino, onde viria a falecer
e jaz sepultado e que ainda hoje é recordado pela designação
de "Santo Servo de Deus."
No seu livro Ilhas de Zargo, o distinto historiador Padre Eduardo
Clemente Nunes Pereira (1887-1976), natural de Câmara de
Lobos, informa-nos que se contam às centenas os milagres
atribuídos à intercessão de Frei Pedro da
Guarda, e a fama da sua santidade era tanta que o povo, sem esperar
pela decisão de Roma, erigiu-lhe capelas e imagens em todas
as igrejas da ilha.
Apesar da oposição movida pela
hierarquia eclesiástica, o povo continuou nas suas romarias
à sepultura do santo Frei Pedro, demonstrando uma
arreigada fé nas virtudes do modesto frade franciscano,
cuja missão no convento consistira em trabalhar na cozinha.
Mas (que se saiba) a sua beatificação estagia em
"banho-maria"
Consta-me que o Curral das Freiras é um dos mais típicos
lugares da Madeira, e muito possivelmente aquele ponto onde a
natureza, pela grande elevação e forma caprichosa
dos montes, apresenta-se-nos mais notavelmente grandiosa e de
aspectos mais surpreendentes.
Situado no interior da ilha e assente no fundo da cratera dum
extinto vulcão, o Curral das Freiras oferece uma panorâmica
extraordinária, visto encontrar-se num vale profundo, sobraçado
por picos altaneiros e enroupado em farripas de nevoeiro.
Primitivamente, por ser terra de criação de gado,
o local tinha apenas o nome de CURRAL, mas a partir do ano de
1497 passou a chamar-se Curral das Freiras, quando João
Gonçalves da Câmara, (segundo do nome e segundo capitão-donatário
do Funchal, cognominado o Porrinha), após ter adquirido
esses terrenos em 1480, doou-os às suas filhas (Elvira
e Joana), freiras no Convento de Santa Clara.
O Curral das Freira viria a ser elevado a freguesia
em 1790, elegendo como padroeira Nossa Senhora do Livramento.
Por ser um sítio escondido e de difícil acesso,
serviu de refúgio às freiras de Santa Clara (Funchal)
ao tempo da invasão da Madeira por corsários franceses
em Outubro de 1566. Sendo exclusivamente terra de pastagens, nos
primórdios do povoamento da ilha, depressa se tornou sítio
ideal pr'á plantação de várias culturas.
E hoje, risonho de verdura num roda-pé
de penedos, com o seu casario disperso, o Curral das Freiras lembra
um brinquedo de criança sobre a relva dum jardim.
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