O Mau Ar que Respiramos


Por: Dr. Tomás Ferreira

 

A má qualidade do ar na província do Ontário, especialmente nas zonas mais habitadas, tem ocupado durante as últimas semanas a atenção dos “media” deste país. A publicação dum documento pela OMA (Associação Médica do Ontário) sobre o problema, a existência de vários dias de “smog” e um estudo chamando a atenção para o papel da poluição do ar nos ataques cardíacos, têm sido amplamente divulgados e sujeitos a grande debate. Este é um assunto, do qual não podemos nos alhear. Canadianos ou não todos respiramos o mesmo ar.

Estava eu num café desta cidade, bebendo a minha bica e matutando qual dos três ou quatro assuntos, que me pareciam importantes, iriam ser objecto da coluna desta semana, quando um sujeito que eu conheço, há bastante anos entrou. Vinha de visitar dois hospitais, o “Sick Children” aonde o seu filho tinha sido admitido com um ataque de asma, e o Toronto Western, em que estava o paicom uma recaída da sua bronquite crónica. Ele vinha a lamentar-se da má qualidade do ar que, segundo os médicos lhe tinham dito, era responsável pela admissão do seu filho.
Como ele tinha votado pelo partido que está no Governo do Ontário e o conservador o qual é o responsável pelos cortes no Ministério do Ambiente e na criação de condições que têm facilitado o aumento da poluição e, além disso, tinha estacionado à porta do café, uma dessas carrinhas monstruosas, com um motor enorme, feitas mais para andar nas motanhas do Tibete do que nas ruas de Toronto, eu imediatamente resolvi escolher a poluição do ar, como assunto para esta semana. A propósito devo dizer que o sujeito a que me refiro mora próximo duma estação de metre (subway), ficando os locais do trabalho dele e da sua mulher, junto a outra estação. Este homem que tem apenas um filho e nem cão nem gato para transportar, é uma das tais pessoas que para ir comprar uma bilha de leite, à loja da esquina usa o seu veículo monstruoso e que se gaba que vive em Toronto há 20 anos e nunca andou de metro, carro eléctrico ou autocarro.

Smog no Ontario

Todos os que vivem no Sul desta província notaram que, em vários dias do mês passado, e até o que foi uma novidade este ano, uma vez em Maio, existiu um nevoeiro cinzento amarelado, e o ar era “pesado” e difícil de respirar. Tratava-se do chamado “smog” palavra inglesa que foi criada em 1905, no fim da revolução industrial, quando a Inglaterra estava cheia de fábricas a carvão cujo fumo poluía o ar. A palavra é uma combinação de “smoke” (fumo) e “fog” (nevoeiro) e hoje, como tantas outras, como “web” ou “marketing” é usada em todo o mundo. O “smog” é uma mistura de gases e partículas que dão ao ar uma cor cinzenta amarelada, comparada muitas vezes, neste país com a da “pea soup” (sopa de ervilhas).
Embora o “smog” seja a manifestação mais dramática da poluição da atmosfera, não nos devemos esquecer que ele aparece apensa quando existem condições de umidade propícia, mas que o problema da má qualidade do ar existe todo ano.
Sabe-se hoje que a poluição do ar é devido a uma mistura de gases tóxicos, derivados do ácido sulfúrico, enxofre e compostos de azoto, como o ácido nítrico e nitratos. A esses gases junta-se um outro chamado ozono, que é uma forma de oxigénio instável, formado pela reacção do ar com os poluentes. Além dos gases que existem no ar, formam-se pequenas partículas de poeira, outros aerosois (sprays) que são gotas microscópicas, provenientes da mistura dos gases nocivos com o vapor de água da atmosfera.
A propósito, não devemos confundir este ozono no ar, surgido da reacção do oxigénio com a poluição, com aquela camada de ozono que existe a grandes altitudes e que nos protege dos raios nocivos do sol. Devo acrescentar que esta camada de ozono, que tão útil é para nós, também está a ser destruída pela poluição. Tentei simplificar as coisas, o mais possível, mas se o leitor está confuso, basta lembrar-se que o ar está chei de lixo que nós produzimos e que esse lixo é mau para a saúde.

O Relatório da O.M.A.

O relatório da Associação Médica do Ontário (O.M.A.) chama a atenção para as origens da poluição do ar nesta província, fábricas que usam carvão, hoje na sua maioria centrais eléctricas e qualquer instalação industrial que produza gases ou fumos levam á poluição do ar. Fábricas de cimento, minas, poeiras das estradas, e qualquer forma de fogo, como as lareiras que muitas pessoas têm em casa,contribuem para a má qualidade do ar. No entanto, motores a gasolina são responsáveis por mais de 40% da poluição. De notar que as leis que regulam a gasolina na província do Ontario permitem que este produto tenha niveis de derivados do ácido sulfúrico, um dos grandes responsáveis pela poluição, que são os mais altos de todo o Canadá, e acima da maioria dos países desenvolvidos.
Por exemplo, enquanto o governo do Ontario não autoriza venda de gasolina com os compostos tóxicos a que me refiro, até um nível de 579 ppm (partes por milhão), o estado da Califórnia limita esses produtos a 30 ppm. Claro que mesmo que o leitor não saiba o que é um ppm, basta pensar que de 579 para 30 vai uma grande diferença.
É preciso não esquecer que, nos últimos anos, a Província do Ontário, devido às facilidades que o governo tem dado à indústria, está nos últimos lugares com o Texas, entra as 10 províncias do Canadá e os 50 estados que constituem os Estados Unidos, no que se refere à protecção do ambiente e ao grau de poluição.
Também é preciso não esquecer que uma parta da poluição, produzida por centrais eléctricas que usam carvão, vem dos Estados Unidos porque infelizmente os fumos nocivos e tóxicos não param na fronteira.

Consequências para a saúde

O relatório da Associação Médica do Ontário chama mais uma vez a atenção para os perigos da poluição do ar para a saúde. Nesta província, está calculado que 1800 pessoas morrem e 1.400 são admitidas no hospital, devido à má qualidade do ar. O relatório chama a atenção para o facto de que quando a qualidade do ar piora o número de visitas aos serviços de emergência,consultórios e admissões nos hospitais aumentam. Os mais sensíveis são as pessoas com asma, bronquite crónica e outros problemas respiratórios. As crianças porque respiram mais rapidamente e estão mais ao ar livre, os velhos e aqueles que estão debilitados por outras doenças são como seria de esperar mais vulneráveis á poluição do ar.

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No dia 12de Junho, os “medias” deste país divulgaram um artigo publicado no jornal “Circulation” editado pela Americam Heart Association (Associação Americana de Cardiologia), apresentado pelo Dr. Murray Mitland e um grupo de investigadores da prestigiosa Universidade de Harvard. Nesse trabalho, demonstraram que há uma relação entro o aumento da poluição no ar e o número de enfartos do miocárdio (ataques do coração) Segundo o seu estudo, as partículas carregadas de poluentes com menos de 2,5 micras (várias dezenas delas são mais pequenas que a espessura dum cabelo) entram nos pulmões e devido ao seu tamanho passam as defesas naturais do corpo e penetram nas células alveolares que formam o forro do pulmão. A entrada dessa poluição produz uma espécia de reacção alérgica que origina uma substância chamada “proteína C” que hoje se sabe ser um dos responsáveis pelo enfarto do miocárdio (ataques do coração).
Como se já não bastassem os efeitos nocivos sobre o aparelho respiratório, a poluição do ar também ataca o coração!

Que fazer?

Este é mais um caso em que problemas de saúde, sociais e políticos estão relacionados. A O.M.A. no seu documento faz, várias propostas que merecem a nossa atenção.
Uma vez que uma parte da poluição vem dos Estados Unidos, é necessário que o seu controle seja uma esforço conjunto dos dois países. Pessoalmente sou de opinião que o governo do Ontário e do Canadá deveriam acabar com a sua posição pusilânime em relação aos Estados Unidos e, seguindo o exemplo de Trudeau, terem coragem de fazer face aos Estados Unidos. Afinal o Sr. Jean Chrétien intitula-se um discípulo de Pierre Trudeau...
É necessário que se faça, nesta província, um esforço sério para diminuir a emissão de fumos e gases que vão poluir o ar, sejam eles causados por fábricas ou outras indústrias, e que seja icentivado o uso de formas de energia que produzam menos poluição, como centrais hidro-eléctricas e o uso do vento.
Também seria necessário que a gasolina vendida no Ontário produzisse menos poluição e que existisse normas mais rigorosas para diminuir a produção desses gases poluentes por parte dos autmóveis, camiões e outros motores, como sucede na Califórnia, hoje um líder na luta contra a poluição. Como é óbvio, o uso de transportes públicos é uma forma de reduzir a poluição. Nessa medida, a O.M.A. sugere e eu estou absolutamente de acordo, que se estabeleça um plano para os transportes públicos na região de Toronto. Pessoalmente sugeria que o governo da província aumentasse os subsídios para os transportes públicos, em vez de os estar a cortar, como tem feito.
A O.M.A. também recomenda que a classe médica se envolva mais no problema da poluição do ar, não só no tratamento dos seus doentes, mas ao nível das comunidades, governo e outras instituições, que é afinal o que eu tenho feito nos últimos 20 anos e estou a fazer ao escrever este artigo. Nos últimos tempos as autoridades de saúde pública têm lançado “smog advisories” (avisos de smog) quando os níveis de poluição atingem um certo nível. A O.M.A. recomenda que esses avisos sobre o “smog” sejam, não só divulgados, mas que haja programas de divulgação sobre o seu significado. Não só junto do público em geral, como dos pais, professores, atletas, treinadores e pessoal da saúde.

E nós?

A solução deste problema deve começar por nós próprios. Voltando ao sujeito que eu encontrei no café, é preciso lembrar uma coisa a que a O.M.A. no seu documento não deu a importância que merecia talvez porque muitos médicos guiam automóveis de grande cilindragem. É necessário que usemos menos o automóvel. Guiar menos, levar mais que uma pessoa no carro, usar transportes públicos ou bicicleta, andar à pé, se o governo não tomar medidas sérias para evitar a poluição feita pela indústria e a venda de gasolina menos tóxica, o problema não terá solução.
O sujeito a que me referi, no princípio do artigo, protestava contra a poluição do ar que tinha posto o filho e o pai no hospital, mas além, de guiar um carro monstruoso, tinha votado por um governo que tem contribuído para a destruição do ambiente e para o aumento da poluição.
É necessário que, quando vierem as eleições, e até antes disso, nos nossos contactos com os políticos, manifestamos a nossa preocupação com o ambiente e como estamos dispostos a negar o voto a quem não o proteger. Claro que para fazer isso, é preciso ter dinheiro a voto, e para ter esse direito, ser canadiano, mas isso é outra história...
Quem estiver interessado em ler o documento da O.M.A. na Internet, poderá obtê-lo através da http://www.oma.org