Falando com um Ministro


Por: Dr. Tomás Ferreira

Um leitor assíduo desta coluna, tendo lido neste jornal parte dum editorial do prestigioso jornal português, Diário de Notícias, que critica severamente a visita recente a Toronto feita pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Professor Freitas do Amaral, tendo verificado na Voice, que eu fora uma das pessoas que tivera a oportunidade de falar com o ministro, pediu-me para divulgar nesta coluna aquilo que eu dissera na minha entrevista.
Uma vez que eu fora recebido pelo ministro na minha qualidade de membro do Conselho das Comunidade, órgão criado pela lei nº 48/96 como “órgão consultivo do governo, para a nossa política de emigração”, pareceu-me pertinente escrever sobre o assunto. Claro que as opiniões expressas são as do autor desta coluna e não a dos outros conselheiros, nome como são designados os membros deste órgão consultivo. A propósito as críticas feitas publicamente pelo ministro forma dirigidas a alguns “conselheiros de imigração” pessoas que ganham a vida a aconselhar, alguns deles erradamente, as pessoas com problemas nesta área da jurisdição canadiana, e não aos “conselheiros” membros do Conselho das Comunidades.
Para aqueles que não tiveram possibilidades de ler o editorial, nele afirma-se que não existe discriminação contra os portugueses, excessos de zelo, ilegalidades ou desumanidade e põe-se em dúvida a necessidade de Freitas do Amaral ir ao Canadá com “estardalhaço”. Também, se esclarece que as deportações estavam planeadas há muito, não constituindo uma surpresa de última hora, concluindo com as palavras “o vexame canadiana” A propósito entre 1 de Abril de 2005 e 31 de Março de 2006 foram deportados 166 portugueses o que é menos da metade do ano anterior em que 400 compatriotas nossos foram obrigados a sair do Canadá.
Em primeiro lugar fiquei um pouco surpreendido com o encontro com o ministro, cujo formato me pareceu antiquado e paternalista, semelhante a um que tive a oportunidade de comparecer, há muitos anos, na antiga União Soviética. Assim, o Ministro falou primeiro, ouviu a opinião dos presentes, e voltou a ter a palavra, na minha opinião por muito tempo e acabou-se a entrevista. Tive a oportunidade, como Presidente do Congresso Nacional Luso Canadiano de ter estado em entrevistas semelhantes com o Primeiro Ministro do Canadá Brian Mulroney e o do Ontário Mike Harris e em ambas houve diálogo. O facto de o tempo ser limitado não é uma desculpa, tanto mais que o Ministro falou por muito tempo, e foi bastante repetitivo, afinal ele queria ouvir a nossa opinião...
Como de costume falei sem usar notas, nesta medida esta é uma descrição baseada na minha memória, e não uma acta de reunião.
Em primeiro lugar disse ao Senhor Ministro que há muitos anos que seguia a sua carreira política e que era para mim uma honra ter a oportunidade de falar com ele. Também fiz notar que infelizmente era muito raro que se pedissem conselhos aos conselheiros e que mesmo no momento presente, esse conselho era dado a posteriori, isto é depois de ele ter tomado a decisão de vir ao Canadá.
Seguidamente disse ao Sr. Ministro, que a sua visita era “inútil e prejudicial à comunidade luso-canadiana”, tendo apresentado as razões para a minha opinião.
Fiz notar ao Ministro que ele próprio reconhecera que as descrições dos factos tinham sido apresentadas num tom excessivamente dramático, que não havia um aumento nas deportações ou uma mudança radical nas leis que regem a imigração do Canadá, nem uma ira do governo canadiano com os imigrantes portugueses. Como disse um colega meu eu outro jornal, a lei de hoje é igual à lei de ontem. O ministro também não verificara que os imigrantes ilegais estavam a ser tratados duma maneira desumana e que afinal o Canadá como qualquer outro país, incluindo Portugal, tinha leis para regular a entrada de ilegais, as quais tinham que ser respeitadas. Também o ministro chamou a atenção para o facto de muitos imigrantes ilegais estarem a ser vitimas de consultores a quem tinham pago muitas vezes quantias elevadas, por informações erradas e prejudiciais.
Também o ministro declarou que tinha vindo ao Canadá investigar a situação. Outra coisa que me impressionou foi o Ministro estar muito satisfeito por ter sido recebidos pelos seus colegas canadiano e estar convencido que a sua visita iria de qualquer forma mudar uma situação, que afinal não era tão séria e dramática como parecia. Também admitiu que não estava bem informado, antes de sair de Portugal.

Clarificando

Informei o ministro que na minha opinião a situação era resultado da convergência de vários factores, alguns deles completamente diferentes.
Tudo começou quando na indústria de construção, neste momento em grande expansão e usando certo número de trabalhadores que estão ilegalmente no Canadá, começou a surgir a preocupação com o facto que estavam a depender duma mão de obra instável que podia desaparecer a qualquer hora. Isto levou a várias iniciativas destinadas a legalizar esses trabalhadores ilegais. O próprio Ministro liberal Joe Volpe, nessa altura ao que parece com aspirações à liderança do partido e portanto interessado no apoio dos étnicos, interessou-se pelo assunto, embora os seus colegas de gabinete tivessem vetado a dotação orçamental para esse projecto, talvez para cercearem as suas ambições políticas.
Entretanto, a agência noticiosa Lusa divulgou a famosa notícia que foi interpretada por muita gente como uma declaração que os imigrantes ilegais portugueses seriam todos deportados. Na realidade a carta que um “deputy minister” (director geral) do departamento de imigração enviara ao embaixador português dizia que pessoas (em inglês no texto “persons”) que fossem encontradas sem documentos seriam expulsas do país, o que é o equivalente do Ministério dos Transportes afirmar que os que guiarem com velocidade excessiva, serão multados. Enfim não se tratava do anúncio duma caça aos portugueses, mas duma afirmação geral. Alias dos últimos 11.845 indivíduos deportados do Canadá, 2.122 eram americanos, 1.390 mexicanos, 687 da Costa Rica, 517 da Hungria e 409 de Portugal. Calculo que nenhum dos ministros dos Negócios Estrangeiros das 4 nações à frente de Portugal nesta lista, tenha visitado o Canadá.
Os nossos compatriotas em Portugal, com o seu prazer quase mórbido por descobrirem desgraças no Canadá, sejam elas o “SARS”, o frio, as tempestades de neve ou a eleição do Sr. Stephen Harpen, aproveitaram imediatamente a notícia da Lusa, a ponto de alguns medias nacionais que tinham em tempos dados notícias duma população aterrorizada, usando máscaras, como hospitais e morgues repletas de vítimas, começaram a criar uma imagem de centenas ou milhares de ilegais a serem perseguidos pela polícia e colocados em aviões e enviados para Portugal.
Calcula-se que certos media em Portugal, noticiaram que um centro comercial, a Dufferin Plaza, tinha dito cercada pela polícia à procura de imigrantes ilegais, quando afinal estavam à procura dos ladrões que tinham roubado uma loja, ao que penso uma ourivesaria.
Entretanto, dois deputados da oposição, amigos meus de longa data, um há cerca de dez anos e outro há mais de 20, aproveitaram a oportunidade para criticar o governo conservador do Sr. Harper, dizendo que os conservadores eram contra os imigrantes, infelizmente, muitos grupos políticos e organizações sociais, que afinal têm tantas razões justas para criticarem os conservadores resolveram usar os imigrantes ilegais como um assunto fácil e eficaz para atacarem o governo.
Eu disse ao ministro que não precisava ter saído de Portugal, para se informar dos acontecimentos, uma vez que tem cá pessoal diplomático e até poderia ter ido a minha coluna no Voice, que é recebida como todas as publicações luso canadianas, nos consulados e na embaixada. Também existe um Secretário de Estado, para as comunidades, que poderia e devia, se ter envolvido no assunto, em vez do ministro que afinal como ele reconheceu estava mal informado. Aliás sempre me irritou, que seja o Ministro dos Negócios Estrangeiros quem é o responsável pelos portugueses da diáspora.

Uma visita inútil

Tive o cuidado de lembrar ao Ministro que afinal se tratava duma tempestade num copo de água, criada por certo sensacionalismo nos media e explorada por várias pessoas e entidades com interesses económicos ou políticos.
A visita dum ministro é uma coisa tão importante, que não deve ser usada para aumentar um acontecimento, já de si exagerado tanto no Canadá como em Portugal.
Também disse ao Ministro que ele embora esteja muito feliz com a sua visita a Otava, terá de compreender que é da tradição canadiana receber toda a gente com gentileza e no fim tomar a decisão que desejavam. Estive quase tentado a dizer ao Ministro, que se ele era suficiente ingénuo para acreditar que iria influenciar o governo do Sr. Harper, também teria de ter cuidado e não aceitar alguma oferta para comprar a torre de Toronto, a preço de saldo.

Uma visita prejudicial

Um Ministro que vem do outro lado do Atlântico para tentar influenciar as autoridades canadianas, na aplicação das leis que regem a nação, é na realidade pouco prestigiante para os portugueses. Será que em Portugal estamos tão pobres que temos que mendigar, para que algumas centenas de portugueses ilegais sejam admitidos no Canadá. A propósito a oportunidade para lembrar, que muitos dos imigrantes ilegais e isto aplica-se a todos os grupos étnicos acabam por ser explorados no Canadá, por patrões que lhes pagam salários mais baixos que os seus colegas em situação legal no Canadá.
Não é a minha intenção, de forma alguma criticar os que estão ilegais no Canadá. Conheço muitos, alguns deles meus amigos, que entraram no Canadá ilegalmente e hoje são elementos preponderantes na nossa sociedade. Temos porém que fazer notar, que quem corre voluntariamente um risco, deve saber o que espera se for apanhado. Há tempos, eu que sempre cumpri as regras de trânsito, deixei meu carro numa zona proibida. Quando lá cheguei, o carro tinha sido rebocado, o que me custou dinheiro, tempo e trabalho.