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Por: Ferreira Moreno
Com base no testemunho de Gaspar Frutoso, (Saudades
da Terra, Livro II, Capítulo 20), somos informados que
o infante D. Henrique mandou plantar canas-de-açúcar
na ilha da Madeira. Seguindo a descrição de Frutoso,
essas canas haviam sido importadas da Sicília e plantadas
no Funchal, donde passariam p’rá vila de Machico.
O primeiro açúcar, que se vendeu na ilha, foi precisamente
em Machico, “onde recolheram treze arrobas dele, que se
vendeu cada arroba por cinco cruzados, e mais se comprou por mostra,
para se ver a formosura dele, que por mercadoria.”
Frutoso, no entanto, não fornece a data da introdução
da cana de açúcar na Madeira.
Eduardo Pereira (Ilhas de Zargo, Primeiro volume, Edição
1939) diz ter sido em 1425 num viveiro situado no Campo do Duque,
“onde hoje assenta a Sé Catedral do Funchal, fazendo
parte do mesmo as ruas circunvizinhas.”
É certo que Eduardo Pereira não esclarece o curioso
topónimo “Campo do Duque, que (por minha conta e
risco) julgo tratar-se duma simbólica homenagem à
memória do infante D. Henrique, que tinha o título
de Duque de Viseu. Frutoso apenas diz que, ao redor da Sé,
havia um campo tão grande, “que correm nele touros
e cavalos, jogam as canas e fazem outras festas.”
O desenvolvimento da cultura e o sucesso da produção
da cana sacarina devem-se exclusivamente ao trabalho e ciência
dos escravos. Eduardo Pereira é bastante explícito
neste assunto. Por seu turno, Frutoso menciona um João
Esmeraldo que possuía oitenta escravos e arrecadava (anualmente)
vinte mil arrobas de açúcar.
No volumoso livro (ultrapassando mil páginas) ao título
Caribbean Slavery in the Atlantic World, deparei com um artigo
da autoria de Sidney Greenfield apontando que, 1452, o infante
D. Henrique havia contratado Diogo de Tieve p’ra construir
um “water-driven mill”(moinho de água) a fim
de facilitar a produção do açúcar,
e bem assim substituir os primitivos e rudimentares engenhos chamados
“alçapremas.”
Curioso que esta data (1452) é confirmada por Eduardo Pereira;
no entanto, nada nos diz acerca de Diogo de Tieve, a quem o infante
D. Henrique ofereceu o monopólio da empresa.
Frutoso somente espiaçou a minha curiosidade ao mencionar
um engenho de açúcar, localizado na fazenda das
Moças, “filhas dum João de Teives, que assim
se chamaram estas nobres fêmeas, ainda que velhas morreram,
por permanecerem sempre sem casar, com muita honra e virtude e
santo exemplo.” (Saudades, Livro II, Capítulo 15).
Sidney Greenfield, acima citado, adianta ainda a pertinente informação
que a mão-de-obra estava reservada aos escravos, visto
que os “fidalgos”da Madeira não estavam dispostos
a “gastar tempo sujando as mãos ou partindo as costas
no cultivo e produção da cana do açúcar.
“P‘ra fidalguia desse tempo, era mais recreativo entreter-se
em conquistas e descobertas, criando por estas vias mais fama
p’rá ilha e seus povoadores.
A par com os produtos sacarinos, e novamente na companhia de Eduardo
Pereira, compete-me informar que esta cultura desenvolveu-se em
1846 com o fabrico de aguardente, “que se generalizou em
toda a Ilha, tendo-se montado fábricas em quase todas as
povoações.”
A intensificação do fabrico do açúcar
e aguardente deram um novo período áureo à
cultura sacarina até que, em 1918, “como medida preventiva
contra o perigo do alcoolismo” muitas fabricas foram reduzidas
ou encerradas.
Claro que o álcool não desapareceu por completo.
Então, que aconteceu? Simplesmente isto: a sua utilização
passou a ser fiscalizada pessoalmente por um agente da autoridade!
Nas palavras de Eduardo Pereira, “esta medida é efeito
da legislação do Estado Novo, pondo termo a abusos
que afectavam não só a economia geral do arquipélago,
como a saúde da população.”
Ora não é isto, precisamente, que toda a gente conhece
e chama monopólio?
Vejam lá: O governo encerrou as fábricas de toda
a ilha, e concedeu a venda exclusiva a uma empresa (Companhia
da Aguardente da Madeira), que armazenou toda a aguardente existente
nas fábricas e em casas particulares.
E Eduardo Pereira conclui: “Desde então não
mais se fabricou aguardente na Madeira, a não ser clandestinamente
de vinho, em alambiques rudimentares e em sítios ermos
das serras, por processos aprendidos na América do Norte
por emigrantes madeirenses. Têm sido apreendidos alguns
destes curiosos alambiques e presos os respectivos fabricantes.”
Aguardente é mulher branca
Filha dum homem trigueiro;
Quem gosta de aguardente
Não gasta senão dinheiro.
Ó senhor dono da casa
Isto está bem arranjado;
A aguardente não é boa
Sem o figuinho passado.
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