Nesta trepidante sociedade em que vivemos, da agitação
e do barulho, gostar de sossego e apreciar a música do
silêncio é uma completa excentricidade.
O normal é ser activo, estar sempre informado e ter uma
agenda cada vez mais cheia de compromissos como desculpa para
não cumprirmos o nosso dever. O importante é mesmo
parecer que se é, se se é mesmo, não interessa,
pois ninguém dará por isso.
Ficar sossegado é que é perigoso: pode parecer
doença ou uma apatia qualquer cujo resultado é
afastar os outros de nós e isso, claro, não convém.
Hoje em dia estar sozinho é sinónimo de uma grande
humilhação, embora encarada de forma diferente
consoante o sexo: para o homem pode até ser libertário
- enfim, livre! Não ter ninguém pendurado nele
para exigir, para controlar ou ser destinatário de lamúrias…Mas
para a mulher, tendo por base a nossa mente preconceituosa,
o panorama é completamente diferente: “coitada,
ninguém a quer!”. E é dessa forma que nos
sentimos com a consciência tranquila, pois ainda somos
capazes de ter compaixão pelos outros; como se com esse
sentimento de pena (completamente dispensável!), estivéssemos
a contribuir para a felicidade dessas pessoas. A arrogância
é tal que nos faz pensar que verdadeiros sentimentos
como a AMIZADE ou o AMOR são possíveis de “comprar”
numa loja qualquer.
Além do desgosto pela solidão, temos horror à
quietude. Recolher-se em casa ou dentro de si mesmo é
ameaçador para quem adia o confronto com a sua alma sem
máscaras. O silêncio assusta-nos por ressoar no
vazio dentro de nós. O silêncio faz pensar, remexe
águas paradas, trazendo à tona sabe Deus que desconcerto
nosso. O silêncio puxa para fora de água a nossa
consciência e fá-la ecoar dentro de nós
com um som ensurdecedor. Por isso, tentamos imediatamente substituir
este som por outro: o ruído ou os ruídos que accionamos
cada vez que entramos no carro, ou em casa quando logo à
entrada ligamos a televisão, mesmo sem prestar atenção
a nenhum programa; queremos algo que nos distraia e nos impossibilite
de pensar.
No entanto, se aprendermos a gostar de um pouco de sossego,
descobrimos em nós e no outro coisas inimagináveis,
que nos fazem sentir cada vez mais únicos no universo,
e passamos a gostar muito mais de nós como essência
e não apenas como corpo - este sim, um dia será
completamente destruído e consumido pela natureza. Temos
de aprender a ouvir a música do silêncio, aquela
que nos permite compreender que não somos apenas aquele
que trabalha, ganha dinheiro, faz compras, viaja, seduz, faz
amor… Não! Nós somos muito mais do que isso!
Nós somos espírito, nós somos Luz dentro
de um corpo que passa pela terra com uma missão específica.
Tenhamos consciência disso, pois só assim conseguiremos
nos identificar com esta missão e seremos capazes de
desempenhá-la até ao fim. Tentemos nos reencontrar
cada vez mais com o nosso eu para percebermos quais são
os seus desejos e medos, os seus projectos e sonhos. Tenhamos
a coragem de fazer desta caminhada física uma outra,
muito mais profunda no interior de nós mesmos, a caminhada
/ viagem metafísica, aquela que nos permite sonhar e
rejuvenescer constantemente o pensamento, só assim conheceremos
verdadeiramente aquele que mora dentro de nós; logo,
será meio caminho andado para arranjarmos as possíveis
soluções para todos os nossos problemas, aspirações
e desejos.
Como dizia Jacques Salomé, as nossas errâncias
oscilam entre expansão para os outros e regresso, desdobramento
ou recolhimento sobre si mesmo. (…) A busca sem fim do
melhor de si move-se no enclave de liberdade que se oferece
a cada um entre dívida e confiança, alívio
e autonomia, na fronteira do definido e do indefinido, do passado
e do futuro, entre o oriente e o poente de cada ser. Por mais
que estejamos com os outros e partilhemos com eles as nossas
alegrias e emoções, seremos sempre incompletos
enquanto não deixarmos um espaço, não para
estarmos sós, mas para estarmos connosco, nos redescobrindo
a cada momento e traçando novas metas a seguir. Metas
que dependam de nós como ser humano que se respeita a
si mesmo e não de uma sociedade cujo único objectivo
é escravizar-nos a cada minuto que passa.
Então, por favor, dêem-me isto: um pouco de silêncio
bom para que eu escute o vento nas folhas, a chuva nas pedras
da calçada, o sol que chama por mim para me aquecer a
pele, o trinar dos grilos em noites de lua cheia e tudo o que
fala muito para além das palavras de todos os textos
e da música de todos os sentimentos.
Célia Carmen Cordeiro
DEZ. 2005