|
Por Ferreira Moreno
De uma ponta a outra desta vasta Califorlândia estão
a decorrer as tradicionais festas em honra do Senhor Divino Espírito
Santo ...
É irrevogavelmente certo que estas festividades tivera,
raízes de origem no Continente, mas foi nas Ilhas dos Açores
que elas conheceram a respectiva sobrevivência, alcançando
até um cunho deveras característico que, ainda hoje,
as distingue adentro e fora do Arquipélago.
Inquestionavelmente foram os emigrantes ilhéus que para
aqui transplantaram estes festejos que, ainda agora, constituem
indubitavelmente um dos mais coloridos cenários litúrgicos
e cortejos cívicos enganalando anualmente a existência
da Califorlândia.
O ilustre Dr. Jaime de Figueiredo (Impérios Marienses,
1957) deixou apontado que "Entre os costumes
e as tradições, que vinculam a grei açoriana
ao nosso histórico, está sem dúvida a celebração,
bem arreigada em todo o arquipélago, do Divino Espírito
Santo. Ainda é a sua festa mais típica e curiosa,
a que se manteve no decorrer dos séculos, com o mesmo sabor
antigo, o mesmo fundo medieval, conforme a soube idealizar a alma
gentil dos séculos, com o mesmo sabor antigo, o mesmo fundo
medieval, conforme a soube idealizar a alma gentil da Rainha Santa
Isabel."
Jaime de Figueiredo mais ainda apontou que "O Infante D.
Henrique chegou mesmo a recomendar aos seus capitães, ao
iniciar o povoamento da Madeira e dos Açores, que não
se esquecessem de exaltar os velhinhos necessitados, ou seja,
a forma digna de festejar o Espírito Santo. Por sinal,
os fidalgos que os vieram povoar trouxeram consigo alguns dos
emblemas, ali começando a celebrar-se os impérios
(...) Nessa época, já teria sido edificada a primeira
igreja, com a inovação do Espírito Santo,
ou seja, a paroquial da freguesia de Santo Espírito."
Evidentemente que esta inferência deve-se às palavras
de Gaspar frutuoso: "Chama-se ali Santo Espírito,
onde dizem os antigos que na ilha de Santa Maria se disse a primeira
missa do Espírito santo, quando entrarem nela, e dali ficou
nomear-se ainda hoje em dia esta freguesia de Santo espírito,
sendo ela depois edificada, como agora está, da invocação
da Purificação de Nossa Senhora, sem perder aquele
nome antigo." (Saudades da Terra, Lv. III,
Cap. V, Pág. 27, Ed. 1998).
Nova referência é feita por Frutuoso no capítulo
oitavo e página 38, registando a particularidade de que
"Esta foi a primeira freguesia, que era da Purificação
de Nossa senhora e, quando se mudou a igreja, lançaram
sortes que santo ficaria, e saiu santo António (...) Mais
acima está a igreja de Nossa Senhora da Purificação
com uma capela de São Pedro."
Como nos elucida o erudito investigador mariense Dr. Manuel Monteiro
Velho Arruda, a freguesia vulgarmente chamada de Santo Espírito
tem por orago N. S. da Purificação e também,
oficialmente, assim se denomina, ou seja, ao local onde está
hoje colocada a Igreja se chama Santo Espírito. Mas a sede
da freguesia de N. S. da Purificação foi primeiramente
na ermida de Santo António. A actual igreja foi construída
mais tarde e, depois de completa, para ela se mudou a paróquia
e, deitando sortes a que Santo ficaria a ermida, caiu a sorte
em Santo António.
Consta-me que, presentemente, no dia de Santo António
da sua ermida p'ra igreja paroquial, onde tem lugar uma festa
solene, "a maior da freguesia." (Apontamento Histórico
& Etnográfico, IV Volume, Direcção
Escolar de Ponta Delgada).
As modalidades através das quais o culto do Espírito
Santo se manifestou durante os cinco séculos de vida insular,
embora aparentemente seguindo os moldes originados no Continente,
revelam entretanto feições bem distintas e diversas.
É lícito e obrigatório recordámo-nos
sempre de que a religiosidade do povo açoriano constitui
o produto duma herança adquirida dos primeiros povoadores,
que se fixaram nos Açores... mas as condições
peculiares do meio insular certamente imprimiram um carácter
especial no desenvolvimento anímico e etnográfico
do arquipélago.
Bastará por ora relembrar o facto das populações
insulares terem sido acometidas, com certa frequência, por
fomes e pestes, terramotos e cataclismos vulcânicos, p'ra
não falar ainda do isolamento no Mar Atlântico. Tudo
isto - e não só! - contribuiu profundamente
p'ra inculcar um espírito acentuadamente religioso na gente
das ilhas.
A fim de captar esta extraordinária devoção
houve quem a descrevesse em termos algo exagerados, como é
o caso de um sacerdote jorgense, mas residente em Lisboa, de nome
Alberto Pereira Rei que, em 1758, publicou "Breve Notícia
das Festas do Imperador e Bodo que em honra e louvor do Divino
Espírito Santo costumam fazer muitas cidades, vilas ou
lugares deste Reino de Portugal e Ilhas Adjacentes, e do princípio
também da sua Irmandade."
Esta "Breve Notícia", que se encontra transcrita
no terceiro volume do "arquivo dos Açores", contem
determinadas passagens revelando uma demasiada credulidade, quiçá
honesta, nos milagres e castigos transmitidos pela tradição
popular e atribuídos à intervenção
do espírito Santo.
Por exemplo, numa referência a D. António Vieira
Leitão, décimo-sétimo bispo dos Açores
(1694-1714), somos informados que "Este sujeito de grandes
letras e virtudes, vendo os muitos gastos que se faziam em todas
aquelas ilhas no Bodo do Espírito Santo com o comer e beber
com os pobres e devotos daquele festejo em que estavam criados,
não lhe aprovando a devoção de servirem o
Divino Espírito Santo daquele modo costumado, se determinou
proibir-lhes e extinguir o tal festejo; mas não sendo obedecido
e só sim desprezado o preceito do Prelado, continuaram
no seu devoto modo de festejar, vendo ele assim a teima da devoção
do seu povo, e excrupulizando na matéria, recorreu a Deus
Nosso senhor, rogando lhe fosse servido manifestar-lhe se era
do seu divino agrado a proibição, que intentava
do Bodo, que aqueles povos faziam em seu louvor com comer e beber;
a cujas devotas súplicas de um Prelado tão santo,
que em sua vida e morte fez muitos milagres, se dignou o Senhor
revelar-lhe (ainda com ameaças de castigo) lhes não
proibisse os festejos, que faziam em honra sua; pelo que mandou
logo continuassem sempre na sua devoção, sendo ele
depois o mais devoto e crente no festejo do Divino Espírito
Santo."
Afinal de contas o Bispo Leitão nunca fez tal proibição;
o que ele proibiu realmente, e sob pena de excomunhão maior
"ipso facto incurrenda", tem a ver com os chamados
IMPÉRIOS DE MULHERES ... assunto duma narrativa com mais
tempo e vagar!
Esta festa começou
Como lá diz o papel:
Na Corte um velho coroou
A nossa Santa Isabel.
A Princesa de Aragão
Deixou-nos esta luzinha,
Que já fez a salvação
Daquela Santa Rainha.
|