Novidades da Senhora do Desterro (1)


Por: Ferreira Moreno

A origem do título Nossa Senhora do Desterro traz-nos à lembrança o período de exílio a que, segundo a narração evangélica, Maria se submeteu juntamente com o sagrado esposo José e divino filho Jesus, emigrando p'ró Egipto a fim de livrar o Deus-Menino do assassinato decretado pelo rei Herodes. Daí originou igualmente a invocação de Nossa Senhora do Egipto, recordando a estadia da Sagrada Família em terra estranha.

Ao descrever a micaelense Vila Franca do Campo, Gaspar Frutuoso nas "Saudades" e António Cordeiro na "História Insulana" mencionam as "seis devotas e bem ornadas ermidas", ali estabelecidas, entre as quais se encontra a de N. S. do Desterro localizado no pomar de João da Grãa.

No décimo volume "Santuário Mariano & História das Imagens Milagrosas de Nossa Senhora", Frei Agostinho de Santa Maria (1642-1728) faz dupla referência, nos termos seguintes, à imagem da Senhora venerada na ermida vilafranquense:

"É esta santíssima imagem de escultura de madeira, e está como de jornada com o santíssimo filho pela mão, e S. José da outra parte (…) É esta Senhora de escultura de Madeira estofada de ouro, assim a Senhora como a imagem de S. José e o Menino Jesus, estão colocadas no altar-mor, que é único, e ali se vê a Senhora coroada de prata, e o Senhor Menino e S. José com resplendores de prata."

Na sua " História dos Açores", publicada em 1924, o dr. Urbano de Mendonça Dias informa-nos que em Vila Franca existiu a ermida de Nossa Senhora do Egipto, " também conhecida por N. S. do Desterro, junto ás casas que foram de João da Gran, Cavaleiro do Hábito d'Aviz e sua mulher Leonor Vaz, remontando a 1551." Na informação transmitida, diz-se que a ermida está hoje destruída, mas não é apresentada a data da ocorrência.

Em Ponta Delgada, "num arruamento ainda de poucas casas, o dr. João Gonçalves Homem, médico por Coimbra e vereador da Câmara Municipal de Ponta Delgada, ergueu em 1629 a Ermida de N. S. do Desterro, com seu belo altar consagrado à fuga da Sagrada Família p'ró Egipto. Aqui jaz sepultado com sua mulher e familiares." (Manuel Ferreira, Ponta Delgada, História & Armorial, 1992).

No terceiro volume "História das Igrejas, Conventos & Ermidas Micaelenses", edição de 1950, o saudoso dr. Urbano fornece-nos uma perspectiva histórica, mais detalhada, àcerca desta ermida situada "na rua que tem hoje o nome de Coronel Silva Leal, e anteriormente tinha o da invocação da mesma - Rua do Desterro."

Se bem que fosse o aludido dr. João Gonçalves Homem quem levantasse esta ermida à custa da sua fazenda, no entanto quem a dotou de trigo de renda, por escritura de 5 de Março de 1629, foi o licenciado Francisco Nunes Bago, que era devotíssimo de N. S. do Desterro, conjuntamente com sua mulher Isabel da Costa d'Arruda.

Por mais estranho que pareça, Francisco Nunes Bago era irmão de Gonçalves Homem. Eram ambos de naturalidade micaelense e filhos de Nuno Gonçalves e Catarina d'Almeida, tendo frequentado a Universidade de Coimbra. Francisco formou-se em Cânones (1582-86), e João em Medicina (1598-1606), conforme está devidamente registado nas páginas 150-151 do volume XIV do "Arquivo dos Açores."

O dr. João Gonçalves exerceu a profissão de medico em Ponta Delgada, onde havia fixado residência e contraído matrimónio. Na página 135 do supracitado volume do "Arquivo", descobrimos o seu nome entre os membros da vereação camarária (1632) de Ponta Delgada. O licenciado Francisco Bago, além de advogado em Ponta Delgada, exerceu também as funções de vereador e de juiz da Câmara Municipal em 1624. Salvo erro, ainda hoje existe a Rua da Fonte do Bago em Vila Franca, topónimo derivado do prédio que o ilustre Bago havia comprado ao fidalgo Rui Tavares da Costa.

Na opinião de Nestor de Sousa, (A Arquitectura Religiosa de Ponta Delgada nos Séculos XVI a XVIII), a actual fachada da ermida seiscentista dedicada à Senhora do Desterro foi possivelmente reconstruída em fins do século 18. O frontispício é precedido de amplo pátio, a que um arco joanino central dá acesso, fechado por portões de ferro forjado, indicando uma feitura muito posterior à construção da ermida, à qual anexaram um campanário com balaústres ao lado sul e a parede duma sineira no lado oposto.

O retábulo do altar-mor consta dum grande e lindo baixo-relevo com Jesus, Maria e José, fugindo a pé p'ró Egipto, a que se juntou (no século passado, evidentemente) uma imagem de N. S. de Fátima. Na frontaria da ermida, ao lado de uma das portas, escrita em azulejo, lê-se esta quadra: "Nossa Senhora de Fátima / Virgem Mãe do Redentor / Espalhai por toda a Ilha / As vossas bênção d'amor."

A pequena imagem de N. S. de Fátima, colocada em frente do baixo-relevo, foi ofertada por D. Eduarda da Cunha Miranda e aparentemente é considerada a mais antiga de todas quantas chegaram a S. Miguel. Remonta precisamente a esse tempo a piedosa tradição, que ainda hoje se observa, de em cada dia 13 de cada mês ficar a ermida aberta ao público e aí celebrar-se o Santo Sacrifício da Missa.

Foi, pois, com o maior agrado que, recentemente, li no "Diário dos Açores" o excelente artigo do bom amigo Manuel Moniz recordando esta manifestação da religiosidade insular. Por sinal, despertou-me muitas outras "novidades" àcerca da Senhora do Desterro, que tenciono incluir na próxima crónica a par com a narrativa dum episódio deveras romântico, ocorrido na ilha Terceira.