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Romagem pela Colúmbia Britânica revela
colonização portuguesa entre as Montanhas
Rochosas e a Costa do Pacífico
José Ferreira
Adiaspora.com
Ao contrário do habitual, este ano, as
férias de verão não foram passadas na ilha
azul, o Faial, a terra que me viu nascer. Resolvi dedicar o tempo
de ócio do verão à descoberta do país
que me deu o ser, o nosso bem amado Canadá. Como povo atlântico
que somos, existe em nós uma propensão quase inata
de nos virarmos, vezes sem fim, para o oceano que, ao longo dos
séculos, alimentou e engrandeceu o espírito do nosso
povo.
Vivemos o nosso quotidiano, sem, por vezes, nos debruçarmos
sobre a infinitude de riquezas que este vasto, mas ainda despovoado
país, nos oferece. Há que parar um pouco para reflectir
e valorizar os tesouros que esta terra, que nos deu o pão,
ainda tem para nos presentear.
Indubitavelmente, a concentração maior de imigração
lusa encontra-se na Província do Ontário e na sua
maior metrópole, Toronto, ponto de encontro de raças
e credos, votando ao esquecimento, por norma e mau hábito,
os nossos pioneiros que desbravaram para a lusitanidade as trilhas
da imensidão infindável da região ocidental,
e por lá ficaram, prestando o seu contributo, como nós,
para a multi-etnicidade que caracteriza as sociedades hodiernas
do Canadá.
Assim, fiz as malas, dobrei os calções, calcei as
sapatilhas, enchi os bolsos de rolos fotográficos e apanhei
o avião para Vancouver, na costa oeste do Canadá.
Dali, parti de automóvel para
Merritt
Merritt é uma pacata vila situada a nordeste
de Vancouver. Descobrimos que, em tempos mais fartos, trabalhou
ali grande número de compatriotas na indústria da
madeira. Mas com o decurso dos anos, muitas destas famílias
migraram para outros centros nos arredores em busca de melhor
vida. Contudo, ao passarmos pelas suas ruas, reparámos
que a imigração latina ficou assinalada na sua toponímia...Garcia
Street, Garcia Lake. Hoje, restam apenas uns quantos aglomerados
familiares portugueses em Merritt.
Kelowna
Cidade que tem sido alvo de muitas reportagens
televisivas nos últimos dias pelo grande fogo florestal
que aqui deflagrou, resultando em avultadas perdas materiais.
Ao aproximarmos da urbe, ainda na periferia ocidental, o denso
fumo que emanava dos montes dificultava o respirar do mais forte.
Mas lá avançámos, por entre a negra e pesada
fumaça, entrando logo no centro da cidade. Há que
o notar que o incêndio devastou cerca de 250 habitações,
algumas pertencentes aos nossos conterrâneos.
Kelowna é uma cidade vibrante com cerca
de 100,000 habitantes, sendo grande parte destes aposentados,
pois a cidade oferece óptimas e salutares condições
para o lazer e repouso. Circundada por montes, com estonteante
beleza paisagística, Kelowna hoje goza de uma florescente
economia, com os sectores do turismo e vinicultura marcando agressiva
presença nos mercados nacionais. O centro da cidade oferece
aprazíveis zonas comerciais, e animada actividade artística
e cultural.
Residem por cá cerca de 430 famílias portuguesas.
Os nossos compatriotas exercem profissões em quase todos
os sectores.
Summerland
Lá recuperámos o fôlego e
arredámos caminho em direcção a Summerland.
Esta povoação, situada nas margens do Rio Okanagan,
com uma população de 12,000 habitantes, possui uma
particularidade interessantíssima: o estilo arquitectónico
Tudor quinhentista, e ex-líbris oficial da cidade, transportam-nos
para uma outra dimensão espaço-temporal, a da velha
Europa em tempos de Henrique VIII e suas seis mulheres, e de sua
filha, a “rainha virgem” Isabel I.
De uma esplendorosa beleza cénica, Summerland oferece ao
veraneante magníficas trilhas, praias fluviais e, para
os que se inclinam para o campo das artes e letras, uma dinâmica
vida cultural. O turismo rural e a fruticultura são os
sectores predominantes neste pequeno éden.
Existe na vila uma pequeníssima, mais próspera,
comunidade portuguesa composta por cerca de uma dezena de famílias.
Penticton
Quem chega a Penticton nunca mais deseja partir!
A origem do nome desta vila situada na pequena planície
entre os lagos Okanagan e Skaha é aborígene: (Pen-Tak-Tin)
lugar onde ficar para sempre. E foi quase o que me ocorreu pois,
logo ao entrar naquela localidade, o mapa parou de fazer sentido,
e eis-me perdido, pois buscava eu o Clube Português de Penticton
de que ouvira falar em Vancouver. Restou-me parar o automóvel
para solicitar ajuda, quando olhando para o lado se me deparou
a quinta dos "Furtados". Como acontece em qualquer parte
do mundo, não se anda muito sem dar de caras com um dos
nossos! Saí do automóvel e dirigi-me à casa
da quinta donde logo surgiu sorridente, a Dona Maria Furtado,
portuguesa de gema. Olhando para o meu rosto acalorado e roupas
empoeiradas, teve piedade e logo me convidou a entrar. De seguida,
o seu esposo, Humberto apareceu e, claro, como mandam as regras
da boa hospitalidade portuguesa, depressa tratou da fome do cansado
e aflito viajante ao ofertar-me uma bela caixa de pêssegos
sumarentos. Logo me proporcionou uma visita guiada da sua vasta
quinta onde se dedica à cultura de maçãs
e pêssegos. Humberto Furtado, um terceirense que ao emigrar
para o Canadá em 1969, ali construíra a sua vida.
Informou-nos que existem 250 famílias
portuguesas radicadas em Penticton que, na sua maior parte, se
dedicam à vini e fruticultura. Outros, todavia, estabeleceram-se
no ramo do comércio. Falou-me um pouco do Clube Português
de Penticton, indicando-me o seu local.
Após a nossa interessante conversa com
a família Furtado, dirigimo-nos ao centro da cidade em
busca de albergue para pernoitar. Passámos pelo Rotary
Park, onde nos ressaltou à vista a bandeira portuguesa
e uma placa honrando todos aqueles que contribuíram para
a salvaguarda da liberdade. Mas à frente, uma outra, onde
figuram alguns nomes portugueses, entre vários outros,
em reconhecimento dos que prestaram os seu contributo para a edificação
e manutenção do referido parque.
Oliver
Com as energias repostas por uma bela noite de
sono, foi tempo de enfrentarmos a manhã solarenga e a estrada.
A sul aguardava-nos a tranquilidade de vilazinha de Oliver, retiro
de aposentados e amantes da calma e paz. As terras do Lago Vaseux,
que se situa ali perto, albergam o pastorício de ovinos
de raça bighorn.
Também aqui se faz sentir a presença portuguesa,
representada por 300 famílias, que actuam nos sectores
do comércio e agricultura. O espírito comunitário
destas gentes também aqui se faz manifestar, tendo a comunidade
o seu próprio Clube, onde os portugueses locais se agregam
para conviver nas horas de lazer.
É de salientar, que, nos anos 1970-1990, a comunidade portuguesa
controlava 75% das fazendas frutícolas entre Oliver e Osoyoos.
Embora ainda muito visível, o elemento português
diminuiu nesta região, pois muitos agricultores, ao atingirem
a idade de aposentação, migraram para os centros
urbanos. Grande parte dos seus herdeiros decidiram não
dar continuidade à tradição agrícola
de seus pais, tendo optado por profissões liberais nas
grandes cidades.
Tivemos ocasião de parar numa quinta vinícola, Tinhorn
Wineries, para uma prova de vinhos, pois de português sedento
pouco se aproveita! Travando conversa com alguns anglófonos
locais, foi-me dito que estes nutriam grande apreço pelos
portugueses, pelo seu contributo ao desenvolvimento socio-económico
da região. Falaram da hospitalidade e riqueza gastronómica
da cozinha portuguesa que conheciam ao frequentarem os casamentos
portugueses, os quais, segundo estes, proporcionam sempre festa
rija, boa pinga e fartos manjares!
Na borda da estrada para Osoyoos, ainda visíveis as placas
coloridas com nomes portugueses, tais como Ávila, Souto,
Fernandes, Fortunato, Quintal, Martins, Ferreira Fruit Stand,
Hilários, Silva, Tavares e outros, assinalando a origem
lusa dos proprietários destas quintas.
Mais uma paragem. Desta feita, na quinta do Sr.
João Tavares, um fruticultor natural de Castelo de Branco.
Com produção própria, João Tavares,
e seu filho John, dispõem de uma linha industrial de embalagem
de frutas, com distribuição por toda a Província
da Colúmbia Britânica.
Mais adiante esperava-nos Osoyoos.
Osoyoos
Situada na zona limítrofe da Região
de Okanagan, a vila de Osoyoos é um verdadeiro oásis
no deserto. Esta zona constitui um micro ecossistema, denominado
de Osoyoos Arid Biotic Zone (Zona biótica árida
de Osoyoos), sendo o prolongamento do Deserto Sonoran do Norte,
que se estende para norte do México. Com um índice
de precipitação menor do que nas zonas circundantes,
o seu clima único favorece a viticultura. Contudo, a fruticultura,
sector onde se insere muitos portugueses, tem vindo a registar
grande produção. Segundo Maria Agostinho, co-proprietária
de Jack and Maria Agostinho's Fruit Stand: * "A fruta este
ano é soberba, dá para todos, assim, ninguém
pode queixar-se."
Dona Maria Agostinho, como boa portuguesa que
é, não nos deixou prosseguir viagem sem nos providenciar
um grande saco de bela fruta, não fosse a fome nos apoquentar
pelo caminho. Natural de Silvares, na Beira Baixa, D. Maria reside
em Osoyoos com o seu esposo Jack há trinta anos. Quer-nos
parecer que o seu sorriso aberto e contagiante é o segredo
do seu sucesso e da sua muita clientela.
Na “baixa” de Osoyoos encontrámos indícios
de uma próspera comunidade lusa nas diversas lojas e comércios
portugueses. Também aqui a comunidade dispõe de
clube próprio.
Tivemos ainda a oportunidade de travar conhecimento com o Sr.
António José Pires e sua esposa francesa, Marie-Lou,
cuja eloquência na língua de Camões muito
nos surpreendeu. São o Senhor e Senhora Pires os proprietários
de uma loja de curiosidades de nome "Portuguese Reflections".
Radicados em Osoyoos há cerca de trinta anos, o casal Pires
e suas 3 filhas encontraram, nesta sonolenta e pacata localidade,
o sentido de suas vidas.
O simpático casal facultou-nos um breve
historial do sítio, informando-nos que ali existem por
volta de 320 famílias e 30 estabelecimentos lusos. Segundo
estes, a população portuguesa de Oliver e Osoyoos
consiste de 50% de continentais e 50% açorianos
Keremeos
Munidos de vários sacos de deliciosa fruta
dirigimo-nos para noroeste, tomando a rota de regresso para Vancouver.
Após uma hora e tal de viagem por terreno montanhoso e
estrada tortuosa, deparámo-nos com a pequena aldeia de
Keremeos, anichada como uma criança adormecida no Vale
Similkameen.
Sede de uma crescente comunidade de agricultores, tem vindo a
angariar reputação nos sectores da fruti e horticultura.
Foi pioneira na província da Colúmbia Britânica
no campo dos produtos orgânicos certificados. O local tem
vindo a atrair gente que busca a calma e pacatez nos últimos
anos de suas vidas. A alguns quilómetros da aldeia, um
dos poucos moinhos de grão existentes no país, vestígio
de uma comunidade que floresceu noutros tempos.
Aqui residem cerca de 6 famílias portuguesas. Encontrámos
uma loja de conveniência, mesmo à beira da estrada,
que ostentava, no seu exterior, pilhas de caixas de fruta, algumas
das quais com nomes bem portugueses como Fernandes e Ferreira,
entre outros. Pois até nesta remota e isolada povoação,
a diáspora lusa marca presença.
Princeton
Princeton
Mais adiante Princeton, povoação com uma população
de cerca de 5,000, sendo o maior empregador da zona a Weyerhauser,
uma grande serração de madeiras. Nesta lindo local,
cercado por belos rios, lagos e montanhas, residem cerca de 10
famílias portuguesas.
Hope
O Condado de Hope situa-se na zona leste do Vale
do Rio Fraser. Intersecção das quatro auto-estradas
de acesso às terras mais baixas da Província, Hope
é hoje uma comunidade de 7,000 almas que se dedica principalmente
à agricultora, turismo, construção, silvicultura
e serviços. O elemento português desta interessante
vila é de cerca 10 famílias.
Em 1965, Hope foi palco de um grande e devastador cataclismo natural,
o chamado Hope Slide. O movimento das placas tectónicas
da Cordilheira Canadiana provocou um desabamento de terras, de
tal dimensão que não foi possível recuperar
os corpos das vítimas nem dos veículos soterrados.
Assim, prosseguimos caminho, por entre vales
e verdejantes encostas, em direcção a Vancouver,
deixando para trás os hospitaleiros compatriotas que ali
vivem entre as maravilhas naturais do Vale do Rio Okanagan.
* Tradução de citação
retirada do artigo Fruit Industry booms this year, –
Osoyoos Times, Edição de 20 de Agosto de 2002
***
Adiaspora.com deseja agradecer a todos os nossos
conterrâneos que, por aquelas terras, mostraram grande e
generosa disponibilidade, facultando-nos dados e informação
valiosa a respeito das nossas gentes que ali se radicaram.
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