Falar do Tempo estando aqui no meio do Atlântico, em pleno
arquipélago dos Açores, poderá ser uma
ironia, pois como se diz por cá: em cada dia, temos as
quatro estações do ano. Neste momento, na praia
das Milícias está um sol radiante, mas nas Furnas
ou em Nordeste poderá estar a chover torrencialmente.
Se de manhã cai uma chuva primaveril; à tarde,
poderá estar um sol de Verão; ao entardecer, um
frio de Outono e à noite, umas rajadas de vento e chuva
a lembrar o Inverno. Quem poderá prever isto?! No entanto,
se a nossa vida dependesse apenas do tempo meteorológico,
estaríamos bem, apesar de nos ser um pouco inconveniente,
por vezes…
Todavia, o Tempo afecta-nos muito mais do que isso… Ele
consegue ser o motor das nossas vidas, quer para o bem quer
para o mal. Como dizem os americanos: “Time is money”,
pois para eles o Tempo é algo muito importante e eles
têm consciência do seu valor. Em segundos, podem
perder-se milhões de dólares, daí que a
sua política seja feita de modo a não perder tempo
com banalidades; pelo contrário, a estratégia
é produzir o máximo no mínimo de Tempo
possível.
Nos dias de hoje, entra-se em stress quando temos mais de duas
ou três coisas na agenda para fazer naquele dia e esta
atitude é tão usual que até se torna chique
dizer-se que se sofre de stress. Faz parte do facto de querermos
mostrar que somos cidadãos responsáveis e que
estamos empenhados em contribuir para a evolução
de um país que se encontra permanentemente em crise,
em plena cauda da Europa.
O Tempo é algo que pode corroer-nos por dentro se, eventualmente,
não aprendermos a estabelecer uma relação
cordial com ele. Cada ser humano possui o seu próprio
ritmo, isto é, o seu próprio timing para fazer
as coisas. Não podemos exigir que uma pessoa realize
uma determinada tarefa no mesmo espaço de tempo que outra
ou que tome uma determinada decisão num mesmo período
de tempo, uma vez que isto depende da personalidade de cada
um e do tempo que cada um necessita para interiorizar conceitos
e aderir ou não às mudanças exigidas pela
própria vida. Para muitas pessoas, este tempo banal está
pré-definido; para outras, nem elas próprias sabem
definir o tempo que precisam para si, para se decidirem acerca
de determinado assunto ou para darem a si mesmas a oportunidade
de transitarem para uma outra etapa da sua existência.
É por isso que eu defendo que existe um Tempo que não
só passa por nós, como também vive em nós:
um Tempo interior, que nos ajuda a adaptar a novas situações
e, também, nos avisa que os ventos da nossa vida estão
a mudar e nos encaminham para outras direcções.
Este Tempo interior intui-nos o caminho a seguir, aquele que
há muito o nosso coração nos antecipava,
mas a nossa razão jamais lhe atribuía qualquer
crédito, pois o receio de que determinadas atitudes não
sejam bem aceites pela sociedade inibe-nos de viver a vida a
cem por cento e, então, vamos tentando sobreviver a cada
dia que passa, um igual ao outro…
Muitas vezes, a tendência da sociedade é estabelecer
uma correspondência entre o Tempo cronológico e
o Tempo interior de cada ser humano, não esquecendo a
idade de cada um como ponto de referência para tal. Ora,
o Tempo interior de cada pessoa não tem necessariamente
que corresponder à idade cronológica de cada um.
O importante é a pessoa ser fiel a si própria,
às suas ideias e aos seus sentimentos seja em que idade
for. Não temos obrigatoriamente de estabelecer uma idade
padrão para tudo só porque esta ou aquela pessoa
se sente desta ou daquela forma aos 50 ou aos 60 anos e fez
isto e aquilo…Eu não tenho de fazer o mesmo, se
não sentir dentro de mim uma força que me impele
para ter o mesmo comportamento ou a mesma atitude perante a
vida. O essencial é respeitar-me a mim própria,
as minhas vontades e a minha forma muito pessoal de encarar
o mundo que me rodeia. Assim, serei capaz de apresentar uma
postura digna perante aqueles que eu amo e respeito mais que
tudo, exigindo o mesmo respeito da sociedade na qual estou integrada.
Tempo… é uma palavra tão pequena, aparentemente
insignificante, contudo, extremamente abrangente e poderosa.
Circunda-nos e preenche-nos em cada segundo da nossa existência
e cabe a nós ter a responsabilidade de lhe atribuirmos
um significado muito especial, pois só assim o conseguiremos
preencher com algo pelo qual sejamos capazes de lutar, no sentido
de conseguirmos ser mais felizes ou, pelo menos, encontrarmos
com confiança o caminho a seguir. O Tempo é algo
que molda e constrói a nossa personalidade. Esta vai
crescendo e amadurecendo em função do Tempo (cronológico)
em que vive e do Tempo interior que vive em nós, por
isso é que o ser humano tem a capacidade de evoluir ao
longo dos tempos, mudando as suas opiniões e as suas
atitudes para conseguir alargar horizontes e mudar a sua mentalidade,
adaptando-se, assim, aos tempos modernos e vivendo de acordo
com a sua própria era. Resta-nos, deste modo, uma luz
de esperança ao fundo do túnel de que dias melhores
virão, em que teremos o privilégio de viver numa
sociedade onde o “socialmente incorrecto” seja aceite
e tenha um espaço próprio, onde as pessoas se
sintam integradas numa democracia plena de direitos e deveres
e, acima de tudo, numa sociedade que prima pelo respeito pela
diferença.
É de enfatizar o velho ditado: “atrás de
tempo, tempo vem” ou como dizia o poeta: “mudam-se
os tempos, mudam-se as vontades”. Em relação
ao primeiro, todos nós temos consciência que a
vida dá muitas voltas e é o Tempo que se encarrega
de dar uma volta de 90, 180 ou mesmo 360 graus à nossa
vida. Tudo pode estar a correr bem e, de repente, mudar completamente.
Daí que nunca se possa dizer “desta água
não beberei”, até porque as nossas vontades/
desejos mudam constantemente como nos evidencia o verso mencionado.
Então, acreditemos nas gerações do futuro
com maior convicção, dando-lhes o benefício
da dúvida de que serão capazes de construir uma
sociedade mais aberta e mais justa do que a actual.
Com toda esta reflexão sobre a entidade abstracta “Tempo”,
temos de nos consciencializar de que este pode ser um aliado
e/ou um inimigo. Por exemplo, quando alguém nos magoa
seriamente e abre demasiado as nossas feridas, só mesmo
o Tempo é que poderá ser nosso aliado, tendo a
difícil missão de as sarar. Por outro lado, quem
já não esteve apaixonado e a contar os minutos
para ouvir o telefone tocar e a voz do seu amado/a do lado de
lá a apaziguar a nossa ansiedade e o pulsar do nosso
coração? Ou, nos tempos actuais, a abrir vezes
sem conta, diariariamente, o nosso correio electrónico
à espera de uma mensagem de alguém a dizer que
sente saudades nossas e que, pelos menos, enquanto escreveu
aquelas linhas, terá pensado em nós por alguns
minutos. (Ou somos nós que nos iludimos a pensar que
o outro pensou em nós?! Quem sabe o que terá acontecido?
As tecnologias ainda não permitem testar em simultâneo
os sentimentos das outras pessoas por nós ou por quem
quer que seja…). O Tempo de espera nesses momentos poderá
ser um inimigo gigante!
Como diz Paulo Coelho, o Amor é uma questão de
Tempo. Quem poderá entender isto? Mas quem disse que
o Amor deve ser entendido? O Amor sente-se e quando amamos alguém
verdadeiramente, não se trata de um acto racional, pois
naquele momento pensamos com o coração e nunca
com a cabeça. O Tempo intervém, logo o verbo esperar
torna-se tão imperativo como o verbo respirar e o Amor
na espera ensina-nos a ver o futuro e a organizar tudo para
que este sentimento seja experienciado e vivido na sua plenitude.
Para além disso, há uma outra faceta do Tempo,
se é que podemos chamar assim, que me assusta bastante
e, às vezes, até me aterroriza… O Tempo
também pode ser um inimigo quando contribui para que
a memória das nossas vivências e recordações
se desvaneça no nosso pensamento. Infelizmente, a nossa
memória é efémera e se não tivermos
o cuidado de registar em papel, mesmo que em síntese,
os momentos mais importantes da nossa vida, passados alguns
anos ou até apenas alguns dias (se for por uma questão
de doença), podemos já não nos recordar
daqueles momentos que foram únicos na nossa vida. Isto
entristece-me muito e sensibiliza-me tão fortemente que
é apenas por isso que receio envelhecer ou adoecer gravemente.
Quando sabemos que a perda da memória é uma doença
para a qual não há cura possível, devemos
agradecer a Deus a lucidez que Ele nos dá a cada dia
que passa. Refiro-me não só à lucidez do
corpo, mas também do espírito, pois por vezes
estamos cegos interiormente e é cada vez mais urgente
despertarmos para os desafios que a vida nos apresenta; muitas
vezes, quando menos esperamos.
Em suma, o Tempo é uma constante na nossa vida que requer
muito do nosso respeito e atrevo-me a afirmar que deveríamos
ser cúmplices dele para não perdermos o comboio
da vida, que às vezes passa por nós e nem damos
conta. É crucial ter uma postura atenta a tudo o que
nos rodeia e que interfere connosco, pois só assim estaremos
disponíveis e receptivos a receber as mensagens dos ventos
que anunciam a mudança da nossa vida antes do alcance
do nosso olhar. Não nos esqueçamos nunca de que
mais vale esperar do que desistir dos nossos sonhos porque tudo
vale a pena se a alma não é pequena, como já
nos dizia Fernando Pessoa, e porque na vida há um Tempo
para tudo e nem sempre as coisas acontecem quando as desejamos
mas quando é a altura própria de acontecerem.
Nós não podemos pressionar os acontecimentos da
vida, mas apenas aguardar com esperança que eles venham
ao nosso encontro, pois como afirma Paulo Coelho, os testes
mais duros no caminho espiritual são: a paciência
para esperar o momento certo, e a coragem para não nos
decepcionarmos com o que encontrámos.
Célia Carmen Cordeiro
(Professora de Língua Portuguesa - S. Miguel, Açores)