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Por: Ferreira Moreno
Através de entrevista-reportagem assinada
pela simpática Cristina Rodrigues Sampaio, e publicada
no “Correio dos Açores”, (8/Outubro/04), verifiquei
que a minha conterrânea Liliana Garrido Teixeira é
a proprietária do Aviário da Ribeira Grande, donde
saem ovos p’ra toda a ilha de S. Miguel, bem como p’ras
outras ilhas.
O interesse despertado por esta entrevista-reportagem deve-se,
primeiramente, ao facto da Liliana ter sido minha contemporânea
nos tempos da instrução primária, e da antiga
recordação, que ainda subsiste na minha memória,
o do Senhor Garrido como chefe dos torneiros da Ribeira Grande.
Por outro lado, acudiram-se à lembrança episódios
narrados por Gaspar Frutoso acerca da abundância de ovos
e galinhas na minha terra de origem. Temos, por exemplo, o caso
dum Gonçalo Fernandes, dono de tantas galinhas “que
não lhe sabia a conta e eram tantos os ovos, frangos e
frangas, que de serem muitos perdiam o valor”, quando eram
postos à venda. Imagine o leitor que, só duma vez,
encontraram lá em casas uma tina cheia de ovos “que
contados foram oitocentos e oitenta.”
A fartura era deveras extraordinária, pois que o filho
e a rapaziada da vizinhança “coziam caldeiradas de
ovos, e esburgando-os depois cozidos atiravam com eles uns contra
os outros.”
Francamente, considero admirável a expressão usada
por Frutoso descrevendo a situação como um autêntico
“mar de galinhas” (Saudades da Terra, Livro IV, Pág.
230, Edição 1998). Bastante curiosa, certamente,
a referência ao beneficiado da igreja Matriz de S. Sebastião
de Ponta Delgada, de nome Rui Fernandes, “que tornando da
igreja pelo adro p’ra sua casa, muitas vezes levava na sobrepeliz
uma e duas dúzias de ovos de galinha e adens (patos), que
entre a muita e crescida erva nele achava.”
Isto ficou dito na página 236, enquanto anteriormente (página
231) o próprio Frutoso já havia apontado que as
galinhas bravas, chamadas galinhas da Guiné, eram tão
numerosas “que faziam bandos como de estorninhos.”
Estou agora a lembrar-me que, em tempos passados, numa determinada
área da cidade de San Leandro da Califorlândia, onde
a nossa gente se encontrava estabelecia, era tão notável
a criação de galinhas que, na gíria popular,
a localidade ficou conhecida por “Chicken Lane”, ou
seja, a Rua das Galinhas.
Voltando aos ovos convêm recordar os conselhos do adagiário,
que nos diz que “p’ra ovos frigir temos de os partir,
visto que não se faz omeleta sel quebrar os ovos.”
Igualmente, não devemos contar com o ovo no cu da galinha”,
ou seja, livremo-nos em fazer projectos antecipados.
Ainda com respeito ao ovo, lembro-me daquela adivinha decorada
na inocência dos tempos de criança: “Sou filho
de pais cantantes, minha mãe não tinha dentes, nem
nenhum dos meus parentes, meu coração é amarelo
e o meu rosto todo alvo.”
Em criança era p’ra mim uma alegria quando minha
mãe me preparava ovos de duas gemas, mas fiquei triste
quando me ensinaram que o ovo de duas gemas não presta
p’ra chocar, pois que os pintos são aleijados ou
raquíticos. Compelido pela curiosidade própria da
idade, ainda perguntei como se sabia que um ovo tinha duas gemas;
disseram-me que basta observar por transparência se estava
dividido em dois compartimentos por uma linha escura. Fiquei também
a saber que o primeiro ovo que a galinha nova põe, deve-se
comer porque dá juízo!
Enveredando agora por vias folclóricas, mitológicas
e lendárias, deparei com uma infinidade de informações,
considerando os ovos possuírem atributos simbólicos,
figurando em ritos de fertilidade, e empregando-os ainda em sacrifícios,
particularmente à memória dos defuntos.
Por razões óbvias, abstenho-me de identificar os
povos e países onde isto acontecia, mas havia quem punha
um ovo na mão ou no umbigo do defunto. Havia igualmente
quem punha ovos nas sepulturas, ou comiam ovos no regresso do
cemitério. E p’ra assegurar o nascimento de bebés,
havia o costume da noiva quebrar um ovo antes de entrar em casa!
Sonhar com ovos representa boa fortuna, dinheiro ou casamento.
Sonhar, no entanto, com ovos rachados ou quebrados, é sinal
de pancadaria entre namorados. Ovos levados a chocar por uma mulher
resultarão em galinhas, mas se forem levados no chapéu
dum homem resultarão em galos!
Termino com mais esta lembrança: Diz-se “bi-bi, bi-bi”
p’ra chamar os pintaínhos!
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