O Padre Queixudo e o Pirata Almeidinha (2)


Por Ferreira Moreno

Conforme deixei dito anteriormente, os irmãos Joseph e Henry Bullar ficaram deveras encantados com o acolhimento, cordial e franco, que o Padre João Inácio Lopes lhes dispensou quando estiveram de passagem na ilha do Corvo em Abril de 1839, merecendo dos dois protestantes ingleses a preciosa confissão: "Que belo homem, este padre!"

Jorgense de origem, este virtuoso sacerdote (que paroquiou no Corvo por mais de 60 anos) aparentemente teria a alcunha de Padre Queixudo, segundo a expressão contida no discurso proferido pelo Padre Júlio da Rosa (Lajes do Pico, 21 de Agosto de 1989) versando o tema "Nossa Senhora nos Mares dos Açores e na vida marítima do povo açoriano."

Igualmente nesse discurso referência é feita a Manuel Tomás de Avelar, atribuindo-lhe as funções de Juiz de Paz na ilha do Corvo. No entanto, tal não se coaduna com a informação transmitida por António de Lacerda Bulcão no Volume XI do "Arquivo do Açores", onde ele nos fala extensivamente àcerca dum Juiz de Paz, mas nunca revela o respectivo nome. Em contrapartida porém, oferece-nos o seguinte apontamento:

"Em 1833, um cidadão daquela ilha, Manuel Thomaz d'Avellar, condoído da miséria em que viviam os seus patrícios, reduzidos à classe de mendigos, teve a resolução filantrópica de partir prá cidade de Ponta Delgada, onde se achava o imperador, a fim de obter que fossem libertos os habitantes do Corvo dos pesados e injustos encargos a que estavam obrigados, tendo a felicidade de serem devidamente atendidas por Sua Majestade as suas reclamações."

Por "imperador"entende-se aqui o rei D. Pedro IV que, em 1832 e não 1833, andava nos Açores a recrutar tropas p'rá causa liberal. O Dr. Carlos Melo Bento, no primeiro volume da sua "História dos Açores", menciona que os corvinos, de facto, enviaram um ancião de nome Manuel Tomáz de Avelar a apresentar, em Ponta Delgada, ao Monarca uma petição contra o pagamento das exorbitantes rendas ao donatário em Lisboa (Pedro José Caupers), enquanto o nosso ilustríssimo amigo Pedro da Silveira opina que a "audiência" teve lugar na ilha Terceira.

Curioso que Raul Brandão (As Ilhas Desconhecidas), ao visitar o Corvo em Junho de 1924 lá encontrou "Manuel Tomás", de 75 anos, barba grisalha e curta, olhos pequeninos e já velados pela névoa da idade, e que Pedro da Silveira afirma ser um neto do corvino Manuel Tomás de Avelar.

Apesar de todos os meus esforços, goraram-se-me as expectativas em deparar quaisquer dados biográficos àcerca do Padre Queixudo que, por intermédio de António Bulcão, sei ter deixado extensas páginas de notas escritas com a relação dos factos mais notáveis da sua vida e outras ocorrências registadas na ilha do Corvo.

Duma forma ou outra o certo é que, nos anos de 1819 e 1820, cruzava nos mares dos Açores um grande e lindo brigue, (embarcação veleira de dois mastros), que diziam ser pirata. Montava 9 peças de cada lado, um rodízio no centro, e uma tripulação de 160 pessoas. O seu comandante, ALMEIDINHA, era um moço de presença agradável, valente e generoso. Procurava sempre a ilha do Corvo p'ra fornecer-se do necessário, como farinha, aves, carnes e água, pagando generosamente tudo quanto recebia. Quando vinha a terra demorava-se horas com o Padre Queixudo, por quem nutria grande amizade e respeito.

A situação complicou-se um tanto assim que o capitão-general dos Açores, (Francisco António de Araújo Azevedo, julgo eu), expediu ordens terminantes p'ra não abastecer o pirata, mas não providenciou meios de defesa contra a artilharia do brigue-pirata, que continuou a ancorar ao largo da ilha. Ao fim ao cabo, o Padre Queixudo foi intimado a comparecer em Angra (Terceira) p'ra responder em tribunal, o que aconteceu durante a ausência do Almeidinha.

Quando este veio à ilha a "tomar refresco", e teve conhecimento do sucedido ao seu amigo-padre, o pirata encarregou o juiz de paz p'ra entregar ao vigário um óculo mais 7,500 peças d'oiro, em remuneração dos prejuízos sofridos. Refeito dos dissabores, que lhe tinham sido infligidos, e já de regresso ao Corvo, o Padre Queixudo usou a dádiva do Almeidinha p'rá compra (no Brasil) dois cordões de oiro e jóias que passaram a ornamentar a imagem de Nossa Senhora dos Milagres, padroeira da igreja paroquial.

Tenciono voltar com a narrativa do romance entre o juiz de paz e a viúva americana. Até lá, deixo no ar o provocativo mistério: Era o pirata de origem açoriana?!

Adeus, Corvo, adeus,
As costas te vou virando;
A minha boca vai rindo,
Meu coração vai chorando.

Adeus, Corvo, adeus,
Minha fonte d'água fria;
Se não fora pai e mãe,
Pró Corvo é que eu ia.