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Por: Ferreira Moreno
É do conhecimento de toda a gente que
o Primeiro de Abril é o dia consagrado às petas.
E não constitui novidade acrescentar que os nossos jornais,
seguindo uma tradição de há muito estabelecida,
costumam publicar curiosas petas a 1 de Abril.
Hoje tenciono recordar uma fenomenal e centenária peta
que o jornal “A União”, da ilha Terceira, transcreveu
precisamente na sua edição de 1 de Abril de 1897,
e relativa ao célebre Gungunhana.
Conforme o testemunho de António Mattoso (Compêndio
de História de Portugal, Página 423, Sétima
Edição), foi aos 27 de Dezembro de 1895 que, durante
uma pavorosa tempestade de chuva e vento, o Capitão Mousinho
de Albuquerque, acompanhado apenas por 46 praças e dois
oficiais, capturou em Chaimite (Moçambique) um chefe vátua
de nome Mundungaz, mais conhecido por Gungunhana, que “andava
em pé de guerra”contra a soberania portuguesa.
Conduzido a Lourenço Marques, Gungunhana veio p’ra
Lisboa sob prisão, juntamente com o seu tio Molungo, o
seu filho Godide e um outro “soba” de nome Matibejana.
Daqui seguiram p’ra Angra do Heroísmo, ficando “instalados”no
Castelo de S. João Baptista, localizado no Monte Brasil
da ilha Terceira.
Eventualmente aprenderam a ler, receberam o baptismo e foram elevados
à posição de sargentos, recebendo o respectivo
salário. Gungunhana, já com o nome cristão
de Reginaldo Frederico, viria a falecer ao 23 de Dezembro de 1906,
após 11 anos de cativeiro. Ainda conheci em Angra, nos
meus tempos de Seminário (1946-55), um descendente do régulo
Matibejana, o qual residia junto ao campo de futebol que, a esse
tempo, ficava de traves com o Relvão.
Com respeito à grande peta, que acima prometi revelar,
“A União”de 1 de Abril de 1897 provocou extraordinário
alarido com o seguinte anúncio: “Gravíssimo
acontecimento do dia”, embelezado pelo texto que passo a
transcrever:
“Como se sabe, a prisão em que está o Gungunhana
e seus companheiros achava-se quase sempre aberta, e isso era
tolerado porque nunca se podia supor que tentassem qualquer fuga
quando eles tinham à vista o oceano que bem os dissuadia
duma ideia evasiva, tanto mais que estavam vigiados por sentinela.
Ao bater, porém, as 12 horas da noite de 31 de Março
p’ra 1 de Abril, ontem p’ra hoje, percebeu a sentinela
um movimento desusado a que a princípio não prestou
atenção, mas que viu ser grave quando os quatro
pretos, perfeitamente nus, tendo como simples armas as botas que
descalçaram, agrediram a sentinela, matando-a sem que tivesse
tempo de gritar.
Só se deu pela fuga quando foram render a sentinela, que
jazia num poço de sangue, e que despertando, lavou a cara
e as mãos, e desorientada correu em perseguição
dos fugitivos, que foram vistos já no mar largo nadando
com toda a força, levando a velocidade de 18 milhas por
hora.
A responsabilidade da fuga é de extrema gravidade, e se
o Gungunhana galga com seus companheiros aos seus domínios,
não será fácil tornar Mousinho de Albuquerque
a pôr-lhe a mão no pelo. A guarda que estava de serviço
à prisão do Gungunhana acha-se debaixo de ferro
e fogo.”
Parêntese do Moreno: Se a sentinela tinha morrido e jazia
num poço de sangue, como é que despertou, lavou
a cara e mãos, e correu na peugada dos fugitivos? Vamos
p’ra adiante que a procissão ainda vai no adro.)
“Depois de composto o que fica acima, foi-nos
comunicado que por telegrama recebido de bordo da corveta inglesa
“Lie”, sabe-se que aquele navio esperava os fugitivos
a quantas milhas sul desta ilha, onde chegaram sem a menor aparência
de fadiga, hoje pelas cinco horas da tarde. Estão portanto
sob a protecção da nossa aliada a Inglaterra, que
lhes fornecera armamento e dinheiro p’ra conquistarem os
seus domínios e as suas pretas, que é a maior ambição
que os domina.”
Novo Parêntese: A peta enquadra-se em luva
no nome da corveta, pois que “lie” em inglês
significa “mentira” em português. Que os fugitivos
tivessem nadado 500 milhas sem a menor aparência de fadiga,
é mesmo p’ra estourar a rir pelos quadris).
Eis o anúncio da “última hora” fornecido
pelo jornal: “pelo telegrama que recebemos de Lisboa, vê-se
que o Gungunhana já chegou aos seus antigos domínios
e que principia de tirar desforra da partida que lhe fizeram os
portugueses.”
“Engolindo”esta grande peta, resta concluir que os
fugitivos arribaram em Moçambique em menos de 24 horas.
Ao ilustre e bom amigo, Dr. Álvaro Monjardino, o meu obrigado
em ter partilhado comigo esta narrativa, historicamente centenária
e histórica.
Ao leitor desprevenido, deixo o conselho: tenha cuidado no Primeiro
de Abril.
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