Memórias do Pirolito


Por: Ferreira Moreno

Esta crónica é dirigida, de forma particular e num eco saudosista, a todos quantos como eu ainda se recordam daquela bebida não alcoólica, que tinha por nome PIROLITO. Ainda nos tempos da minha juventude, a sua popularidade era simplesmente imensurável, embora se tratasse apenas dum refrigerante gasoso, a que se adicionava o sabor e a cor quer da laranja quer da tangerina, quer também do morango.
Uma outra particularidade que certamente contribuía p’rá popularidade do pirolito, era essa da curiosa configuração da garrafa com uma bola de vidro no gargalo. Na Rua Direita da “minha” Ribeira Grande, mesmo em frente ao edifício dos Correios, estava localizada a Fábrica dos Pirolitos, cujo proprietário era correctamente conhecido por “Senhor Afonso dos Pirolitos.” O filho, igualmente chamado Afonso, ajudava-o nesta empresa juntamente com o Manuel Calufa. E eram eles que, numa furgoneta, percorriam a ilha de S. Miguel fazendo a distribuição das caixas com os tão desejados e apreciados pirolitos.
Apraz-me transcrever, agora, as seguintes quadras de Euclides Cavaco a respeito e à memória do pirolito:

Parei no tempo e sonhei,
Memórias de pequenito
E recordei com saudade,
O tempo do pirolito.

Era encanto das crianças,
P’la fascinante bolinha,
Que tentavam com o dedo,
Remover da borrachinha.

P’rós mais velhos era luxo,
Na festa ou arraial,
Porque era depois do vinho,
A bebida principal.

Eram grossas as garrafas,
Giras e muito pesadas,
De toda as que existiam,
Eram as mais engraçadas.

Esta visão dum passado nostálgico, encerra com mais esta e última quadra: “Seria doce voltar / A ser criança, admito / P’ra poder, sem sonhar / Ver de novo um pirolito!”

Euclides Cavaco é um continental dos arredores de Coimbra, mas já radicado no Canadá desde 1970, onde há quatro anos publicou um livro de poesia ao título “Pedaços do Meu País”, incluindo o mavioso hino, que se segue, dedicado às ilhas açorianas:

Brotaram do mar enfim,
Nove prendadas flores,
P’ra formar um jardim,
Nas nove ilhas dos Açores.

S. Miguel com as hortênsias
E por ter Ponta Delgada,
A que chamam Ilha Verde,
Mais parece ilha encantada.

Ilha de Santa Maria,
Que oculta mil segredos,
Entre flores e maresia
E socalcos com vinhedos.

Na Graciosa, os moinhos,
Dão graça à Ilha Dourada,
Na Terceira, entre aplausos,
A legendária tourada.

Pico, ilha de mistério
E S. Jorge, fascinante,
O Faial e a Ilha Azul,
Flores e Corvo, mais distante.

E Portugal se ufana,
Destas idílicas ilhas,
Como a mãe feliz que tem
Ao seu redor nove filhas.

Ricardo Melo, na edição do “Diário Insular”de 16 de Abril do ano de 2003, reservou os seus apreciados “Instantâneos”p’ra igualmente recordar o pirolito nos seguintes termos:
“Entre as coisas que se bebem, sem fazer mal a ninguém, há muito que há memória dum modesto pirolito, um refrigerante gasoso popular, agora quase em extinção, desde que ou lhe perderam o gosto as novas gerações, ou sumiu-se o refresco que tirou a sede a muita gente.
Verdade é que nesta Ilha lembrança disso deve haver de certeza, de que o desenho da garrafa era robusto e tinha uma bola de vidro no gargalo que, comprimida, ia lá dentro libertando o refresco que tinha cor da água a menos que lhe dessem cor, nomeadamente o vermelho.
Pirolito era a bebida desse tempo, não tinha álcool nem fazia mal a ninguém, ainda que uns tantos p’ra reinar com os demais bem lhes fazia crer que o pirolito tinha álcool, pondo-se os mais brincalhões a dizer que bebessem pouco, não fossem cambalear e estatelar-se no chão desafiando as iras paternais, coisa que bem poucos tentavam naqueles tempos de pouco álcool p’ra rapazes, boas medidas p’rós homens, em especial numa adega, onde se faziam provas e se provava também o vinho, muito naturalmente entrando na dança uns pirolitos p’ra desenfastiar e matar a sede.
Pirolitos por certo que ainda há como há outras coisas, mas saudade dos pirolitos com bola é coisa que ainda agora palpita nos corações de sucessivas gerações, at;e que de todo se apaguem as luzes que até agora mantiveram acesso o facho que iluminou muita gente.”
Dou por terminada esta crónica com a “Suave Lembrança” de Euclides Cavaco:

A casa onde nasci
Bem pertinho da Ribeira,
Era o céu da pequenada
E centro da brincadeira.

Em noites de Inverno frio,
À lareira aconchegados,
Contos e lendas de fadas,
Pela noite eram narrados.

Era assim que a criançada,
Via o mundo nessa idade,
Em qualquer história contada,
Com toda a simplicidade.

Paro no tempo e medito,
Se é nostalgia ou destino,
Ter tão vivas as memórias,
Dos meus tempos de menino.