Por Ferreira Moreno
Os elementos essenciais, contribuindo p'rá
composição desta crónica, foram escrupulosamente
recolhidos do livro "Os Açores e o Controlo do Atlântico",
publicado em 1993, da autoria de António José Telo...
Em Outubro de 1916 a Alemanha contava com cerca de uma centena
de submarinos, 58 dos quais em patrulha no Atlântico. Em
quatro meses regista-se o afundamento de 757 navios aliados, incluindo
o ataque à cidade do Funchal (a 3 de Dezembro) pelo U-83
alemão.
A deficiência na defesa da Ilha da Madeira torna-se sinal
de alarme p'rá situação dos arquipélagos
de Cabo Verde e dos Açores. O governo português exige
e responsabiliza o governo inglês pela defesa das ilhas.
Naturalmente por carência de recursos disponíveis,
a Inglaterra limita-se a insistir com Portugal p'ra manter maior
vigilância e enviar reforços p'rá defesa das
respectivas ilhas.
Aparentemente, a marinha portuguesa não dispensou grande
importância aos Açores até 1917. Originariamente,
a defesa naval do arquipélago açoriano esteve confiado
à canhoneira AÇOR, totalmente incapaz de enfrentar
um submarino alemão e absolutamente desprovida p'ra vigiar
adequadamente as zonas da inteira e vasta costa insular.
Em Ponta Delgada, por exemplo, existiam apenas duas baterias
compostas de cinco antiquadas peças, retiradas de antigas
canhoeiras coloniais. Montadas em duas pequenas elevações
(Espaldão e Mão de Deus), essas baterias podiam
considerar-se simplesmente irrisórias; o ângulo de
tiro era péssimo, o alcance pequeno e a cadência
lenta. Mas na Horta a situação era ainda pior, com
uma única bateria de peças em tão mau estado
que os artilheiros, ao disparar, temiam pelas suas próprias
vidas!
Entre Fevereiro e Abril de 1917, eleva-se a 977
o número de navios afundados pelos submarinos alemães.
É então (Abril 1917) que os Estados Unidos entram
em guerra, alterando significativamente o controlo do Atlântico.
Até aqui os Açores não tinham sido "visitados"
por submarinos, mas a Alemanha cobiçava as ilhas como ponto
intermédio importante de uma possível "carreira
urbana" (passe a expressão) p'ra atingir a
costa americana.
O plano era superlativamente óbvio. Visto que as ilhas
portuguesas mostravam-se pouco ou nada protegidas, seria este
o local ideal p'ró reabastecimento em alto-mar dos novos
cruzadores-submarinos, mesmo que este fosse feito por outros submarinos.
Os Estados Unidos estavam igualmente apercebidos da importância
dos Açores, facto que não é de todo sensacional,
uma vez que os americanos sentiam-se preocupados com a defesa
das suas próprias costas. A Inglaterra, mais preocupada
em desenroscar-se duma previsível derrota, reconhece a
urgência em montar um ponto de apoio nos Açores,
mas acolhe o alvitre com a condição dos Estados
Unidos assumirem inteira responsabilidade.
A ironia desta atitude traduz-se no facto de que, desde 1898,
o pólo das relações politicas entre a Inglaterra
e Portugal assentava precisamente em impedir que outra potência
viesse instalar-se nos Açores. Com a "entrega"
das ilhas aos americanos, Inglaterra pretendia justificar-se que
estava a fazer um sacrifício, quando afinal tenciona evitar
o impensável - ser derrotada no mar!
Mas vamos adiante que a procissão ainda está no
adro...
Em fins de Maio (1917) o cônsul americano, em Ponta Delgada,
recebe um comunicado do seu governo indagando se as ilhas podiam
receber um depósito de dez mil toneladas de carvão,
p'ra serem usadas como ponto de apoio intermédio pelos
navios aliados atravessando o Atlântico. Embora surpreendido,
o cônsul responde que as companhias Bensaúde e outras
dos Açores têm um contrato exclusivo no fornecimento
do carvão com o Almirantado inglês, que controla
ao pormenor a sua distribuição.
Mas, de qualquer modo, o cônsul recomenda
Ponta Delgada como o melhor porto natural p'rá instalação
do depósito de carvão. E é assim que, logo
depois da consulta entre a Marinha americana e o Almirantado inglês,
(ignorando Portugal por completo nestas negociações),
chega a Ponta Delgada o cargueiro ORION p'ra descarregar o carvão.
Isto aos 18 de Junho ... uma data a fixar, pois que a procissão
se vem aproximando.
Aconteceu que o cargueiro, por avaria na hélice, teve
de permanecer ainda no porto após o descarregamento. Com
a popa colocada em terra, resultou que uma peça de 100
mm ficasse numa posição alta, com excelente ângulo
de tiro, por cima do quebra-mar. Ora é justamente nestas
circunstâncias, p'las três horas da tarde do dia 4
de Julho, que surge perante Ponta Delgada um submarino alemão!
Tratava-se do antigo submarino-cargueiro Deutschland,
agora transformado em unidade de combate e cruzeiro, com o nome
de U-155. Sem sequer tentar afundar os navios no porto, o submarino
alemão entra a disparar imediatamente sobre a cidade, apontando
especificamente p'rá zona do cais e do deposito de carvão.
Por feliz acaso, a tripulação do ORION reage rapidamente
ao inimigo. Trava-se, então, um duelo de artilharia, que
dura cerca de 12 minutos e obriga o submarino a submergir.
Escorraçado, sem duvida alguma, mas aparentemente
refeito do susto, o U-155 reaparece à tona d'água,
e desta vez concentra-se unicamente em alvejar o ORION, mas sem
nunca acertar na pontaria. Os americanos não se fizeram
rogados, respondem como se estivessem a celebrar o Fourth of
July (Dia da Independência), obrigando o inimigo a pôr-se
novamente em fuga.
Consta que, neste entrementes, as baterias portuguesas participaram
no tiroteio, mas tendo em conta o alcance limitado de tiro das
mesmas, seria preferível chamar-lhe um tiroliro de penacho...
Certamente p'ra dar alívio ao ressentimento, que refervia
entre a tripulação, o U-155 ainda permaneceu nas
proximidades de Ponta Delgada até às nove horas
da noite, tendo interceptado uma pequena embarcação
de pesca e capturados os chicharros p'ró resto da viagem!
Em terra, porem, houve festa rija. Os americanos foram aclamados
heróis pela população, e o respectivo comandante,
tenente J. H. Boesch, passou a ter o seu nome e foto usados numa
marca de charutos.
Em consequência do ataque do U-155, a marinha portuguesa
improvisou uma rede metálica contra torpedos em Ponta Delgada,
enviando ainda o aviso "5 de Outubro", que ali permaneceu
(17 de Julho - 12 d'Agosto) apenas p'ra mostrar a bandeira, e
sem préstimo algum p'ra operações defensivas
ou ofensivas. O mesmo atributo simbólico aplica-se às
curtas estadias, em 1917, da canhoeira Ibo e contratorpedeiro
Douro.
Agora, à laia de post scriptum,
resta-me acrescentar que aos 26 de Julho, novamente sem o conhecimento
prévio das autoridades portuguesas, chegava a Ponta Delgada
a primeira divisão naval americana, constituída
pelo navio USS Panther e cinco destroyers. Embora
sem estatuto oficial, cumpre acentuar o ulterior significado desta
presença: - Daí até ao fim da guerra as ilhas
passaram a ser uma base da United States Navy!
Califorlândia, 17-Março-03
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