O Portal dos Céus de Portugal

por J.I. Ferreira

A Montanha do Pico, Açores, de formação vulcânica, constitui o ponto mais alto de todo o território Português e é um miradouro privilegiado com vistas para as Ilhas de Terceira, Graciosa, São Jorge e Faial. Altitude: 2351 m. Composta do Pico Grande com uma cratera com cerca 700 m de perímetro e 30 metros de profundidade. Situado numa extremidade da cratera o Pico Pequeno (O Piquinho) com 70 m de altura e que constitui, em si, o cume da Montanha do Pico. Vegetação: Até os 1500 m arvoredo. Vegetação rasteira até aos 2000 m. Lava vulcânica negra até ao cume. No Inverno a montanha cobre-se de neve. Inclinação: Chega a ultrapassar os 40° em alguns pontos da escalada. Percurso da Escalada: Inicia nas Furnas e a caminhada é de cerca de 4700 m até ao cume. Infra Estruturas de Apoio: A Casa da Montanha


Era Agosto. Os dias cálidos da época estival enchiam o peito daquele sentimento agridoce de quem à casa retorna sabendo que de novo irá partir. É assim com aqueles que, longe da terra amada, nos inserimos nas trilhas da emigração.

Açoriano de nascença, admito que muito me falta conhecer da minha própria terra e desta feita tinha estabelecido como prioritário embarcar na sublime aventura de a descobrir. Incluído nos itinerários deste meu propósito estava a Montanha do Pico, a mais alta de todo o território português. A montanha representava não somente o desafio de superar os meus limites físicos mas também uma intensa e perfeita comunhão espiritual com a terra e os céus, almejada por toda a alma humana. Sim, talvez alcançar o cume da montanha do Pico me levasse para além de mim mesmo. Vejamos …

Cheio do entusiasmo infantil que antecede estas coisas, resolvi partilhar a aventura com outros tantos loucos como eu, e formar uma expedição ao cume da montanha, ou seja ao Piquinho.

Foi assim que a madrugada fresca de Terça-feira, 2 de Agosto, 2001, viu-me partir das Furnas na companhia de Vitor Silva (o nosso guia), Francisco Manuel Ferreira, Teresa e Henrique Vieira, todos resolutos, determinados e eufóricos. Munidos de confortáveis botas de montanhismo, mochila e máquinas fotográficas (pois indispensável o registo para a posteridade de tão admirável façanha) e totalmente alheios aos resultados corporais do sedentarismo de nossas vidas urbanas e o seu eventual impacto na escalada, ou melhor dito, da escalada em nós. Nas mochilas, a salvaguarda contra a fome e sede: sandes, água, tabletes de chocolate e um pouco de uísque nas subidas mais íngremes e árduas nunca fez mal a ninguém! O objectivo? Alcançar o cume a tempo do ver o nascer do sol!

Percorreram-se, entre breves e ofegantes pausas os cerca de 4700 m que serpenteiam pelo monte até ao Pico Grande.

Paramos para dar descanso às pernas doridas e tomar algum alimento. Não é todos os dias que podemos dar dois dedos de conversa em boa companhia no tecto de Portugal!

Descemos a encosta da cratera do Pico Grande em direcção ao sopé do Piquinho, ou seja o cume propriamente dito, e que se situa numa das suas extremidades. A penumbra matinal e a ânsia de chegar ao cume não nos permitiram apreciar de sobremaneira a natureza na subida. Finalmente o Piquinho, … sim…mais um pouco… estamos quase lá … quase … quase … e ei-lo, majestoso, o esplendor fulgurante da manhã … abundante e farto festim para os sentidos.

A deslumbrante e indescritível beleza das cascatas de nuvens em pleno passeio matinal pelo "canal", o jogo de luz a espelhar a montanha nas nuvens rendilhadas, as esfíngicas neblinas esvoaçantes, silenciosamente intemporais e expectantes como se pelo Encoberto esperassem, as ilhas do arquipélago um diminuto polvilhar de terra no imenso azul oceânico, a Ilha do Faial a mão de semear num horizonte tão próximo e tão à beira de mim mesmo, o disco solar, oiro suspenso em suas vestes de rosa, laranja, púrpura e azul num encontro fulminante de mar e céu.

Dissipam-se todos os temores, receios e racionalizações. A alma engrandecida bebe a unicidade do momento, por fim una com o Divino. Remetidos ao silêncio, os rostos dos companheiros de escalada exprimem o deslumbramento e alegria sublimes perante a magnífica dádiva da manhã.

Finalmente recompostos, cada qual à vez sobe ao ponto mais alto para marcar na pedra a sua impressão pedonal pessoal, aqui, neste sacro lugar, no limiar do Portal do Céu de Portugal.

Seguem-se a fotografias entre discursos fragmentados e espantados - "ai, que lindo… olha, aqui, aqui, ali … não viram, não viram?"

Passou o Tempo por aquelas paragens naquela manhã de oiro liquefacto, pois os cronómetros ao pulso assim o assinalavam, mas não creio que algum de nós por ele desse conta, a suave e balsâmica intemporalidade de tal forma presente nos tecidos dos nossos seres. Éramos inteiros, íntegros como o orvalho que nos humedecia a pele.

Iniciamos a descida, agora com nossos os espíritos e sentidos vivos e à alerta para toda a panóplia de riquezas naturais que se revelavam. A negra lava petrificada, enigmática quanto uma sacerdotisa de um culto antigo, ciosa de uma qualquer verdade eterna, a esparsa vegetação rasteira a trepar montanha afora, audaz e tenaz rumo ao cume, as inebriantes cores e cheiros verdes do arvoredo nas encostas inferiores da montanha.

Reconquistada nesta descida toda a alegria de criança em espontânea brincadeira entre companheiros. Aqui, ali, dávamos as mãos em locais de maior perigosidade. Aqui a entreajuda parecia-nos natural, pura, despojada da diferenciação rival entre fortes e fracos que reveste as sociedades humanas. De quando em vez os encontros com os turistas a caminho do cume e as breves trocas de impressões e informações.

Com os corpos tombados de fadiga e findas as quatro horas de descida finalmente alcançamos a estrada e o conforto aconchegante do nosso automóvel.

Sim, fomos ao Pico e regressamos. Afinal é deveras verdade que "tudo vale a pena quando a alma não é pequena".

O Pico, espera tu por mim, pois brevemente voltarei!