Mais vale pouco do que nada


Tomás Ferreira

A morte dos sete astronautas na Col]umbia, uma nave espacial a que alguém baptizou, em português, de “Vaivém”, quando a palavra “Shutle” significa veículo para distâncias curtas, e a apresentação nas Nações Unidas pelo General Powel dsa “provas” que o governo americano tem para invadir o Iraque e deitar a mão ao seu petróleo, ocuparam a maior parte do espaço e do tempo dos meios de comunicação socia deste país. No entanto, estes dois factos, uma tragédia, causada por uma política de exploração espacial, que me parece errada, e arriscando inutilmente vidas humanas, por razões mais políticas do que humanas, por razões mais políticas do que científicas e apresentação às Nações Unidas, de fotografias e gravações que, tanto podiam ser obtidas no Iraque, como nos estúdios mais modestos do E.U. como justificado para a invasão duma nação com a morte de milhares de civis inocentes, fizeram quase esquecer o acordo entre o Primeiro-Ministro do Canadá e os Primeiros-Ministros das dez províncias do Canadá, no que se refere ao dinheiro destino aos Serviços de Saúde.
Como eu e os meus leitores vivemos no Canadá, e em qualquer altura podemos adoecer, dedicarei a este assunto o meu artigo de hoje.

Um sistema complicado

Dirá o leitor menos conhecedor de como estas coisas funcionam neste país. “Afinal porque tanto barulho, se todas as verbas de que estão a falar são o dinheiro do Estado, isto é, do contribuinte que somos todos nós, que vivemos no Canadá?”
Como é sabido, desde que, nos anos sessenta se criou o presente sistema médico no Canadá, conhecido pelo nome de Medicare, representado na Província do Ontário pelo O.H.I.P. (o tal a que, erradamente chamam Ontario Hospital), que as verbas para a saúde são divididas entre o governo federal de todo o Canadá, com a sede em Otava, e o governos das províncias, no cado do Ontário com a sua capital em Toronto. No princípio as coisas eram muito simples de entender, com o governo federal e o das províncias, cada um deles pagando metade da despesa dos Serviços de Saúde. Quando há dez anos, dada a existência dum grande déficite nascontas do governo do Canadá, se começou a “apertar o cinto”, o governo federal em Otava, iniciou uma série de cortes que fizeram baixar a sua participação nos custos de Saúde de metade para muito menos.

A dança dos biliões

O leitor ficarátalvez surpreendido do que, sempre preocupado em fornecer números exactos, tenha acabado o parágafo anterior com menos em vez de mencionar um número. O facto é que, nos últimos dez anos, com os governos do Canadá e das províncias cada vez mais interessados em fazer economias, mas, claro por razões políticas a querer atirar as culpas uns para cima dos outros, é difícil saber ao certo qual é a parte e que cada um paga das despesas. Assim, enquanto os sujeitos em Otava dizem que pagam 30 ou 40% da despesa, os da Província do Ontário e os das outras, dizem que é apenas uns 15% a 20%. Por exemplo, depois do presente acordo, diz que deu às Províncias $ 17.3 biliões de dólares e elas dizem que vão receber $12. O leitor dirá “como é que diabos os homens e mulheres que fazem as contas dos governos em Otava e nas províncias se enganaram e perderam, apenas $5,3 biliões de dólares? Calcule-se o que seria se os nossos Bancos fizessem o mesmo erro!
Claro que tudo que se trata da maneira de fazer as contas, e ao que parece, os funcionários dos Ministérios das Finanças dos governos deste país, à semelhança dos das grandes empresas, estão cada vez mais habilidosos na arte de cozinhar as contas. É óbvio que os 5,3 biliões de dólares não desaparecem, apenas estão contabilizados de maneira diferente.

Restituindo o dinheiro

É importante notar que este novo dinheiro “oferecido” nem é oferecido, uma vez que se trata do nosso dinheiro, nem é novo, uma vez que o que está a acontecer não e a vinda de novas verbas para a saúde, mas apenas se está a voltar à situação dos princípios dos anos 90, do século passado. Com toda a conversa assustadora sobre o aumento no custo dos serviços de saúde,devido à subida no preço dos remédios, maior número de pessoas idosas e novas tecnologias, a razão para chamada crise é o facto que hoje se está a gastar, tendo em conta a inflação, menos do que se gastava há dez anos. Não estão a dar mais dinheiro, mas a restituir o que nos tiraram. O que realmente necessitamos é dum aumento aumento de verbas para a saúde e não truques mirabolantes com as contas para nos convencer que estamos a receber um grande favor. No Canadá dize-se que um optimista olha para um copo de vinho e diz que esta meio cheio, enquanto o pessimista pensa que ele está meio vazio.
Nocaso das negociações entre o Primeiro-Ministro do Canadá, e os Primeiros-Ministros das províncias, os territórios constituem outra história por sinal triste, a que me referi mais adiante, a parte do copo cheio foi o ter havido um acordo e terem vindo os tais $ 12, ou serão $17,2 biliões de dólares para os cofres da província. A parte vazia foi não ter sido mais dinheiro e os governos envolvidos não terem abordado alguns problemas importantes, como o perigo iminente da introdução da Medicina Privada, a que eu chamarei comercial, neste país, e a instituição de verdadeiras reformas no sistema, conforme foi preconizado pela Comissão.
Depois de 12 horas de negociações, em que oferecia $10 biliões e as províncias pediam, $ 15 biliões, ele lá deu mais $2 biliões, ficando a verba em $12, ou como diz o governo de Otava, $17,3. Como se vê, nem sequer conseguiram chegar a acordo de quanto é que um dava, e quanto é que os outros recebiam. Enfim, mais de bilião, menos bilião, o que interessa é que venha mais dinheiro para a saúde, que é uma coisa que nos vai atingir mais do que a tragédia da nave espacial Columbia, ou aventuras bélicas do Sr. Bush, na sua ânsia de dominar o mundo, para fazer o povo americano esquecer os seus problemas, criando uma guerrra pseudo-patriótica e tomar conta duma das reservas de petróleo mais ricas do mundo.

Os esquecidos

Os três terrotórios que, com as dez Províncias constituem o Canadá, recusaram-se a assinar o Acordo com o governo federal. Dizem eles, e muito bem, que os povos, quevivem nessas regiões longínquas e inóspitas dos país, necessitam de mais dinheiro para a saúde. Como um deles disse, uma pessoa pode ir ao médico nessas áreas, é como estar em Otava e visitar um consultório em London, devido às grandes distâncias existentes. Além disso, uma viagem de ambulância que custa em Toronto algumas dezenas de dólares, no Norte do país vai para umas centenas ou milhares de dólares.
Ainda me lembro das histórias que meu filho me contava, quando era piloto de avião-ambulância e tinha de ir durante a noite, muitas vezes com tempestades de neve, buscar uma pessoa que tinha doecido numa aldeia remota do Norte deste país.
Os dirigentes dos Territórios exigem, e com toda razão, que as condições especiais em que vive a sua população, mereça da parte do governo federal uma atenção epecial e verbas adequadas. Afinal, a maioria deles são nativos, os verdadeiros canadianos e os donos da terra que nós, os imigrantes, ao longo dos séculos e desde os Corte-Reais e Giovani Caboto (também chamado John Cabot), a Cartier, Champlain e até osprimeiros portugueses dos anos cinquenta vieram conquistar.

Resultados

A vinda para os cofres das províncias dos tais $17,3 destinados à saúde é, sem dúvida, uma boa notícia afinal, vale mais pouco do que nada.
Parte desse dinheiro irá para o chamado “home care” (cuidados domiciliários) destinado a ajudar as pessoas que estão doentes em casa. Com a população a envelhecer e com a medicina moderna prolongar cada vez mais a vida dos que estão gravemente doentes, os cuidados domiciliários sao essenciais no sistema de saúde.
Outra verba que irá aumentar é aquela que cobrirá o pagamento de medicamentos extremamente caros. Como é sabido, alguns medicamentos, recentemente descobertos, para certas doenças, como artrite reumatóide, esclerose múltipla (MS), hepatite C, SIDA e certs cancros, custam milhares de dólares, sendo muitos deles pagos, no Ontário, através dum plano, chamado Trillium, ou da assistência Social (Welfare).
É de esperar que, na Província do Ontário, parte do dinheiro, recebido do governo federal em Otava, seja utilizado nas novas tecnologias como MRIs (ressonancia magnética) Ctscans (TACs), e outra aparelhagem de preços elevados. Isso irá reduzir o tempo de espera para estes testes que, no momento presente é excessivamente longo, com execpção das situações de extrema urgência.
Cuidados paliativos, aqueles que recebem as pessoas com doenças incuráveis e no fim da sua vida, assim como serviços comunitários de Saúde Pública irão também ser beneficiados com as novas verbas.
Outra área em que, ao que parece, as verbas transferidas do governo federal para as províncias, será usado é o da mlehoria da informática na medicina. No momento presente, a informação sobre um doente está muitas vezes, disseminada por consultórios médicos, vários hospitais e outras instituições. Isto leva, não só a duplicação de testes, mas até a perigos para a saúde do paciente. É frequente constatar-se que um doente fez, numa semana, a mesma análise ou os mesmos testes no consultório do seu médico de família, dois ou três especialistas, emergências e até em mais do que um hospital. O mesmo sucede com os medicamentos. Ainda ontem vi, no meu consultório, um doente de mais de 65 anos, portanto, com os remédios pagos pelo Estado, pessoa com vários problemas clínicos sérios, que esta a tomar mais de uma dezena de remédios caríssimos e esteve internada no hospital alguns dias. Atnes de sair, deram-lhe uma receita para três meses dos novos medicamentos e disseram-lhe que deitasse fora os que eu lhe tinha receitado. Quando verifiquei os remédios constatei que o doente, com execpção dum medicamento, tinha recebido uma receita igual à que eu lhe tinha dado antes de ir para o hospital!
Se parte do dinheiro que o governo do otario irá receber for aplicado na resolução deste problema, será benefício para a saúde dos doentes e far-se-ão economias de verbas que poderão ser utilizadas noutras áreas da Saúde, como o “home care” (cuidados domiciliários) ou saúde mental.
Finalmente, coma vinda de mais dinheiro fala-se mais uma vez, na introdução do sistema do 24/7, em que os doentes estarão cobertos 24 horas por dia, 7 dias por semana, com cuidados médicos em vez, de quando tiverem alguma doença fora de horas, seja ela uma infecção no ouvido ou um atque do coração, terem de ir à Emergência, o que torna os serviços clínicos muito mais caros e, claro, menos eficientes.
Infelizmente, e isto é um assunto muito difícil de resolver, tanto mais que a classe médica não parece disposta a modificar os seus hábitos. Como disse um comentador no globe and Mail, John Ibbitson, os médicos não gostam de modificar os seus consultórios, descofam das “nurse practioners” (enfermeiras especializadas) e estão convencidos que ganhariam menos e só mudariam de idéias se fossem convencidos por enormes verbas de dinheiro ou ameaçados com punições terríveis, duas condições que não irão acontecer.
A propósito, a culpa não é só dos médicos de família. Conhecço muitos cirurgiões que, depois de fazerem uma operação complicada, mandam o doente para casa e dizem-lhe que, se tiver algum problema, para ir à Emergência onde, muitas vezes, não há informação alguma sobre a operação. Quanto a certos especialistas, como os oftamologistas (doenças dos olhos), à sexta-feira, especialmente no Verão ninguém mais os vê.

Concluindo

Como cidadãos ou até apenas residentes deste país, deveremos estar satisfeitos, porque o governo federal resolveu, finalmente, aumentar as verbas destinadas à saúde e ter começado a pensar na reforma do Sistema Médico. Infelizmente o dinheiro transferido de Otava para as Províncias é menos do que seria necessário, e ambos, o governo federal e provincial, parece falta-lhes a visão suficiente para reformar o Sistema a sério e para o defender da medicina comercial, a qual irá criar um sistema para os ricos e outro para os pobres.
É preciso que todos os que vivemos neste país nos interessemos pelo problema da Saúde, falando com os nossos membros do Parlamento Provincial e Federal e participando em quaisquer iniciativas na comunidade, relacionadas com a Saúde, como as que se têm realizado no St. Christopher House, e outras instituições e hospitais.
Enfim, trata-se da nossa saúde e devemos lutar por ela.