Curiosidades Dum Provérbio


Por: Ferreira Moreno

Encontrava-me no “Clube Recreativo da Família Portuguesa”, em San Leandro da Califorlândia, a saborear uma “bica” (que aqui chamam “expresso”), quando um indivíduo me atirou à “queima-roupa” a seguinte pergunta: “Ò sô Moreno, qual é o significado do provérbio que diz – A fé é que nos salva e não o pau da barca?!”
Sem pestanejar, retorqui: “Dar-te-ei a resposta numa das minhas crónicas.”
E uma vez que “prometido é devido”, apraz-me apresentar o resultado do que consegui “escarafunchar”, após uma laboriosa noite de trabalho. Era já madrugada quando, finalmente entre os “recortes” da imprensa regional relativos à série “Tradições, Costumes & Turismo(Novembro de 1971), deparei com umas preciosas referências de Carreiro da Costa acerca dum curioso estudo de Armando da Silva, em que entra com a frase-chave o supra-citado provérbio “A fé é que nos salva, nanja o pau da barca.”
Aparentemente, uma rapariga (muito doente e desenganada dos médicos) havia pedido ao noivo que, no seu regresso de Jerusalém, lhe trouxesse um pedaço de madeira da cruz em que Cristo fora suplicado. A rapariga estava esperançada que recobraria a saúde caso bebesse com vinho o farelo dessa “relíquia”do Santo Lenho.
Ora aconteceu que o namorado esqueceu-se por completo do pedido da noiva-moribunda, mas p’ra “aliviar a consciência” acabou por cortar um bocado da madeira do navio em que andou embarcado, e no regresso a casa entregou-o à rapariga. E ela, totalmente ignorante do logro, dissolveu a madeira no vinho, e depois de beber ficou curada. O rapaz, então, entrou a dizer: “A fé é que nos salva, nanja o pau da barca.”
Uma variante deste curioso conto fala-nos dum homem afligido com grandes sezões. Um dia em que um amigo foi a uma terra onde havia um santo milagreiro, advogado contras as sezões, o doente pediu ao amigo que lhe trouxesse umas raspaduras dos pés do Santo, pois tinha fé que seria curado.
Novamente, a história repete-se. O amigo esqueceu-se das raspaduras. Porém, ao atravessar um rio, serviu-se dum pau da barca e lá conseguiu arranjar umas raspas de madeira que levou ao doente. Este, imediatamente, tomou-as num copo de água e curou-se. Ao testemunhar o espantoso sucedido, o tal amigo não se conteve e exclamou; “O que salva é a fé e não o pau da barca.”
Tenho ainda um conto semelhante, embora com conclusão diferente. Trata-se duma mulher que vivia mal com o marido, o qual a espancava sempre que chegava do trabalho. Um dia, ao ir à fonte, a mulher pôs-se a chorar quando lhe apareceu uma velhinha que, condoída, procurou indagar o motivo de tantas lágrimas.
Depois da mulher ter contado a vida que levava com o marido, a velhinha disse-lhe; “Volta p’ra tua casa, e assim que o teu marido chegar toma uma bochecha de água desta garrafa, porque enquanto a tiveres na boca o teu marido não te há-de tratar mal.”
Dito e feito! Daí a dias, já ela vivia muito bem com o marido. Mas a água acabou-se e a mulher foi procurar a velhinha, que lhe apareceu e lhe disse;
“A água que eu te dei era água da fonte, mas enquanto a tinhas na boca não podias responder ao teu marido, e por isso ele se calava. Vai p’ra tua casa e quando ele ralhar, imagina que tens a boca cheia e não respondas, se queres viver em paz.”
Reza o caso que, dali por diante, marido e mulher nunca mais viveram mal. E assim podemos acrescentar; “A fé é que nos salva, nanja a água da fonte.”
Carreiro da Costa menciona, igualmente, a crença antiga e popular dos chamados “póses-de-toca-amor”, ou seja, dum famoso pó que vendia nas boticas, muito em segredo e que tinha por fim atrair a afeição de alguém que, duma forma ou outra, andasse arredio.
Conta-se que um rapaz, muito tímido, se apaixonou por uma rapariga da sua terra. Porém, faltava-lhe a coragem p’ra declarar abertamente o seu amor, e por isso dirigiu-se à botica p’ra comprar o tal pó-de-toca-amor. O boticário, por brincadeira, vendeu-lhe uma mistura de pó de talco e bicarbonato de sódio, assegurando ter efeitos milagrosos. P’ra tanto, explicou o boticário, “basta que à saída da missa, espera à porta da igreja, e quando a rapariga tocar com o pé no degrau, assopra o pó por cima dela.”
O rapaz seguiu o conselho, mas a mãe da rapariga parece que também com a sua dose de pó e “excomungou”o rapaz diante de toda a gente. A rapariga, no entanto, apercebeu-se que o rapaz simpatizava com ela. Depois de sossegar a mãe e os irmãos, acabou por casar com ele.
Só me resta acrescentar que o boticário foi convidado p’ró casamento, e no brinde que fez, disse num tom misterioso: “A fé é que nos salva, nanja os pós da botica!”