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Por: Dr. Tomás Ferreira
Reflexões motivadas por uma boa refeição
Eu tinha prometido que depois de vários
artigos sobre assuntos sérios e pouco agradáveis,
iria dedicar uma coluna a um robalo que tinha comido, tirando
algumas conclusões sociológicas sobre essa maravilha
gastronómica, uma vez que é intenção
destes artigos dar ao leitor motivos para pensar e material para
debater os assuntos que nos dizem respeito como comunidade.
No entanto, antes de falar no peixe que está no título
de hoje, não quero deixar de mencionar mais duas notícias
más, que poderão vir a ser motivo de outros artigos.
A primeira, é a da nomeação pelo Governo
Conservador do Sr. Harper para embaixador do Canadá nos
Estados Unidos de Michael Wilson, antigo ministro das Finanças
do governo de Brian Mulroney, o qual há dois anos defendeu
publicamente a intervenção deste país na
guerra do Iraque, o que significa que se o governo da altura,
dirigido por Paul Martim lhe tivesse dado ouvidos, estariam neste
momento soldados canadianos e talvez luso-canadianos a morrerem
ou a serem mortos, numa guerra imoral e condenada pelas Nações
Unidas.
A outra, é a da eleição para presidente da
“Canadian Medical Association”do Dr. Brian Day, mais
conhecido por Dr. “Profit” (Dr. Lucro), o qual é
o director duma clínica privada na Britsh Columbia negócio
que ele conseguiu montar, apesar de ser como é sabido,
contra as leis que regem os serviços de Saúde no
Canadá.
As nomeações do Sr. Michael Wilson para embaixador
nos Estados Unidos e do “Dr, Profit”, para presidente
da Associação Médica Canadiana, são
na realidade dois casos de colocarem a raposa a tomar conta do
galinheiro...
Voltando ao robalo, que como os leitores devem conhecer é
um peixe semelhante à tainha, que se chama em inglês
stripbass, tive a oportunidade de comer um excelente, que me deu
a ideia para este artigo.
O robalo a que me vou referir foi o meu jantar num dos restaurantes
portugueses de Toronto. Estava bem grelhado, temperado como deve
de ser e muito especialmente tão fresco, que apesar de
estarmos a alguns milhares de quilómetros do sítio
onde foi pescado, parecia ter sido apanhado naquele momento. Devo
esclarecer, que embora não seja um perito nessas coisas
de peixe, passei parte da minha meninice e juventude na Costa
da Caparica, na altura uma área piscatória, aonde
os meus pais tinham uma casa e passávamos uma parte do
ano.
O peixe em questão, estava tão bom e tão
fresco como o último que tinha comido em Lisboa, num restaurante
da mesma categoria. A propósito, enquanto o robalo de Toronto
custou 14 dólares canadianos, paguei pelo de Lisboa 14
euros, sendo ambos do mesmo tamanho.
A qualidade deste peixe de Toronto, fez me pensar em certos compatriotas
nossos, que ao chegarem a Portugal têm uma atitude que me
lembra a de alguns sujeitos que conheci nos meus tempos de universidade,
que julgavam que tudo na antiga União Soviética
era perfeito. Qualidade, preços, serviço em Portugal
tudo é descrito por alguns compatriotas nossos em Portugal
como perfeito, bom, barato e bem servido.
Não há dúvidas, que Portugal é, pelo
menos na minha experiência, um dos sítios do mundo
onde melhor se come, no entanto não podemos esquecer que
aqui na nossa comunidade, temos muitas vezes a oportunidade de
comer coisas excelentes. Alguns dos nossos restaurantes, vários
clubes e até muitas casas particulares, são capazes
de produzir excelentes refeições, a preços
semelhantes aos que existem em Portugal. Também é
possível em Toronto, comprar carne, peixe, frutas e vegetais
de excelente qualidade, Aliás muito do que se come em Portugal,
é importado. Quanto aos preços no Canadá,
são muitas vezes semelhantes aos que encontramos em Portugal,
como é o caso dos vinhos de qualidade, muitas vezes mais
baratos nas lojas LCBO do que na terra aonde nascemos. Por exemplo,
dois dos meus vinhos favoritos “Má Partilha”
e “Quinta d’Abrigada” custam pouco mais de vinte
dólares em Toronto, se for possível encontrá-los
num dos chamados “vintages” enquanto que em Portugal
é superior a vinte euros. Cálculo que por essa altura
alguns leitores estejam em desacordo comigo, uma vez que apesar
de nos últimos anos ter visitado Portugal em média
duas vezes por ano, é possível que estivéssemos
em áreas diferentes do país, ou tido uma experiência
diferente. Também é possível que alguns leitores
que conhecem dezenas de restaurantes em Portugal não se
tenham interessado em visitar os restaurantes portugueses em Toronto
e Montreal, para mencionar as áreas que conheço
melhor. Pessoalmente, embora não seja apropriado mencionar
os seus nomes neste artigo, sou da opinião que temos na
nossa comunidade não só excelentes restaurantes,
mas pelo menos uns três ou quatro que são dos melhores
da cidade, independentemente do tipo de cozinha que possuem, conforme
se poderá verificar nas publicações e guias
de gastronomia em Toronto e Montreal. Perguntar-me-á o
leitor nesta altura, se estas coisas dos restaurantes é
assim tão importante para merecer uma coluna que pretende
debater assuntos sérios e importantes.
Na realidade, além de isto de comer bem, seja um assunto
que nos interessa muito como portugueses, aliás poder-se-á
dizer a todos os seres humanos, a maneira como muita gente fala
da comida que temos nos restaurantes portugueses deste país,
reflecte um certo complexo de inferioridade em relação
a Portugal que existe entre nós que se mostra em muitas
coisas da vida.
Esta crença de que tudo que é feito pelo portugueses
“de lá”, e melhor que nós os “de
cá”, e que estamos sempre em segundo plano, é
na minha opinião errada.
Um exemplo típico é o dos artistas portugueses que
nos visitam, os quais muitas vezes são de categoria semelhante
ou até inferior à dos colegas luso-canadianos. Embora
nem todos os artistas locais sejam tão famosos ou bem pagos
como a Nelly Furtado, não há dúvida que muitos
deles são tão bons ou melhores dos que nos visitam.
No entanto, talvez baseado no famoso ditado, que os santos de
casa não fazem milagres, os nossos visitantes enchem salas,
recebem pagamentos elevados, enquanto os seus colegas locais são
muitas vezes forçados a trabalharem à borla ou recebendo
um pagamento insignificante.
Culinária e música são apenas dois aspectos
do complexo de inferioridade que nós portugueses do estrangeiro
temos em relação aos que vivem em Portugal.
Outros mais sérios existem, como a facilidade com que em
certos casos os nossos compatriotas nos levam à certa em
negócios, investimentos e outros assuntos financeiros.
Sei de casos de pessoas, que não seriam capazes de se envolverem
em negócios de poucas centenas de dólares com um
“canadiano”, sem terem tudo legalizado, que se metem
em empreendimentos financeiros em Portugal, no valor de milhares
de dólares, sem obterem garantias e protecção
legal.
É necessário, que quer seja na culinária,
arte, desportos, negócios, ou qualquer outra actividade,
tenhamos orgulho e confiança na nossa comunidade luso canadiana.
Os nossos compatriotas que vivem em Portugal e aquilo que eles
produzem não são sempre melhores do que nós
temos aqui no Canadá, mas muitas vezes absolutamente iguais
ou até piores.
Somos hoje uma comunidade mais numerosa que a maioria das cidades
portuguesas. Luso-canadianos, são hoje, juízes,
advogados, empresários, médicos, membros das forças
armadas, deputados, cientistas, dirigentes sindicais, professores
universitários, pilotos, escritores e muito especialmente
honestos trabalhadores que muito contribuem para esta sociedade.
Na realidade, nós que vivemos neste país, não
somos apenas uns milhares de portugueses num país estranho,
mas formamos uma comunidade, a luso-canadiana. Temos os nossos
jornais, programas de rádio e televisão, clubes
e associações, igrejas, empresas, organizações
nacionais ou providenciais, editamos livros, possuímos
grupos etnográficos e folclóricos, e até
somos donos dum banco, o Portuguese Credit Union. Também
ao fim de mais de meio século de existência, criamos
características próprias, alias reconhecidas pelos
nossos compatriotas em Portugal, quando os visitamos, os quais
muitas vezes nos acham diferentes.
Nós, os luso-canadianos somos em certa medida, portugueses
diferentes. Embora sejamos ramos da mesma planta, crescemos noutro
terreno. Os nossos hábitos, gestos e até a linguagem.
São em certa medida diferentes da dos portugueses que vivem
em Portugal. Seja como for, não somos inferiores, mais
atrasados ou temos uma culinária pior. Filhos da mesma
pátria, crescemos de maneira diferente o que nos leva muitas
vezes a ter o gosto e atitudes diferentes mas não inferiores
ao dos portugueses que vivem em Portugal. É caso para dizer
que devemos ter orgulho não só em ser portugueses,
mas também luso-canadianos.
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