Adiaspora.com Vai Ao Encontro Da Jovem Fadista, Salomé Ricardo


(Vancouver, Janeiro 2003)

Por José Ferreira - Adiaspora.com

Adiaspora.com: Porquê o fado, Salomé?

Salomé: Eu comecei a cantar o fado porque a minha família sempre cantou fado desde há muitos anos. Tudo começou com o meu bisavô, José da Beca. Ele era pescador e fadista e toda a vida cantou fado. E como aqui em Vancouver há pouca juventude interessada na música portuguesa, resolvi fazer algo para a sua promoção. Por adorar o fado comecei por este.

Adiaspora.com: Qual é a essência do fado para si?

Salomé: Para mim o fado é uma arte. É uma forma musical muito bela e a mais tradicional de Portugal. O fado consegue encerrar toda a saudade do imigrante. Adoro cantar o fado e Deus queira que os outros gostem de me ouvir cantá-lo.

Adiaspora.com: Quando é que se iniciou no fado?

Salomé: Comecei a cantar ainda muito jovem, isto é, desde que cheguei ao Canadá. Nesse tempo, a minha mãe cantava, cantava por amor, por sentir saudades de Portugal. Nas festas que realizávamos em casa, ou em qualquer outra casa, toda a gente cantava o fado, dando viva voz à nossa alma portuguesa. Adorava ouvir, e logo iniciei a cantar sozinha na casa de banho. Por essa altura já cantava em língua inglesa na escola, mas surgiu então a oportunidade de participar num evento da comunidade portuguesa, onde apresentei um ou dois fados e foi assim que a minha carreira iniciou.

Adiaspora.com: Que fadistas lhe serviram de inspiração?

Salomé: Bem, como já referi, de início a minha maior fonte de inspiração foi o meu bisavô, José da Beca. Era uma pessoa exemplar de grande carácter e que adorava cantar fado, o qual fazia com muito amor e carinho. Gosto imenso da Amália. Meu pai era fã do Zeca Afonso e consequentemente também eu. Mas indubitavelmente, foi o meu bisavô que mais me influenciou. Houve outros como a minha mãe que canta fado bem melhor do que eu.

Adiaspora.com: O que significa o fado para as gentes imigradas nesta parte do mundo?

Salomé: Bem, para mim, como imigrante o fado significa muito. É a minha cultura. São as nossas raízes portuguesas, mas infelizmente o fado cá está a morrer lentamente entre as camadas mais jovens. Somente os mais idosos ainda conservam aquele amor ao fado. O fado está a morrer por estas terras por falta de divulgação, pois não há quem o cante. Os mais velhos, os repositórios da tradição do fado, vão morrendo e não existe aqui, nesta região do Canadá, quem assegure a sua continuidade.

Adiaspora.com: Existem jovens a interessar-se pelo fado aqui?

Salomé: Acho que sim. Muita gente tem reagido de forma positiva ao meu CD. Muitos têm-se mostrado interessados em vir a colaborar nos meus próximos trabalhos, nos meus próximos projectos. Tenho recebido muito apoio sempre que actuo. Portanto, acho que sim, que o fado ainda se encontra vivo cá, mas há que empreender grandes esforços para que este assim continue.

Adiaspora.com: Tem conhecimento de mais alguns jovens também ligados ao fado na cidade de Vancouver e nos arredores, ou é só a Salomé de momento?

Salomé: Presentemente, e tanto quanto sei, sou a única artista de fado aqui em Vancouver. Mas há uma outra jovem na Cidade de Victoria chamada Sara que também tem um projecto de fado e que tem sido bastante apoiada naquela localidade. Também ela lançou um CD de fado.

Adiaspora.com: Tem algumas sugestões para que o fado se dinamize entre as camadas mais jovens afastadas da pátria quer espacial quer culturalmente?

Salomé: No contexto actual será sempre uma tarefa difícil. Mas penso que as pessoas que se encontram envolvidas no mundo do fado, como eu, devem estar disponíveis para auxiliar os que desejam se iniciar nestas lides. Falando por mim, dou a minha palavra que estarei sempre à sua disposição em tudo que estiver ao meu alcance. É necessário para a sua continuidade que se fale do fado, que se encare os projectos de fado de forma perseverante e, acima de tudo, que se ame apaixonadamente esta forma musical tão nossa, tão portuguesa!

Adiaspora.com: Falando agora de guitarristas de fado, existe alguma dificuldade em encontrar músicos para o acompanhamento ao vivo?

Salomé: Nem por isso. Até entre os músicos não portugueses não falta quem esteja disponível para nos ajudar. Nós só necessitamos do apoio da comunidade portuguesa, nomeadamente em termos monetários.

Adiaspora.com: Pode dar-nos uma ideia das origens do fado?

Salomé: O fado começou há muitos anos atrás. As pessoas costumavam dar voz às suas mágoas, às suas dificuldades através do fado. Como os problemas existenciais são intemporais, o fado contínua actual nos dias que correm, merecendo por isso as suas origens o maior respeito.

Adiaspora.com: É da opinião que o fado é traduzível para o inglês?

Salomé: Acho muito difícil traduzir o fado para, ou cantá-lo em, qualquer outro idioma que não o português. O fado é fado. É fado português. Pertence à cultura portuguesa.

Adiaspora.com: Que projectos tem para o futuro?

Salomé: Nós gostaríamos de gravar um outro CD com mais temas de fado, mais música da nossa, entrecruzada com a música contemporânea, mas sempre retendo o toque e o sentimento únicos do fado.

Adiaspora.com: Até quando o fado na sua vida?

Salomé: Até à morte!

Adiaspora.com: Um conselho a jovem fadista no início de carreira?

Salomé: Bem, demorámos quase dois anos e meio a realizar este projecto. Foi duro, difícil. Por vezes, pensávamos que nunca levaríamos o trabalho a bom porto! Mas devemos sempre olhar em frente e nunca para trás. É sempre melhor ter tentado do que mais tarde olhar o passado em dúvida e arrependimento. Tentar e falhar é uma coisa. Não tentar e nunca saber o que poderia ter acontecido é outra.

Adiaspora.com: A sua família e o seu esposo dão-lhe todo o apoio moral de que necessita?

Salomé: Há mais quem apoie do que eu alguma vez pudesse ter imaginado. As gentes portuguesas quando pensam que devem apoiar, não falham. No que se refere à minha família, posso dizer que me tem apoiado em tudo o possível.

Adiaspora.com: Acredita que tudo foi fácil para os fadistas de grande sucesso e projecção, ou acha que para eles houve o princípio, um meio e um fim?

Salomé: Acho que sim. Pelo menos para mim assim tem sido. No início é sempre difícil. Existem muitos artistas que sofreram grandes dificuldades para chegar ao topo de suas carreiras.

Adiaspora.com: A Salomé pensa estar preparada para ser uma figura pública?

Salomé: Penso que sim. Contudo, não devemos olvidar as nossas origens, as nossas raízes, e estarmos preparados para enfrentar as dificuldades e os obstáculos inerentes à fama e à projecção pública.


O lançamento do primeiro trabalho discográfico de Salomé Ricardo, Ecos de Poesia, realizou-se em Abril de 2002.

Adiaspora.com deseja à jovem Salomé as maiores felicidades na sua sublime missão de embaixatriz do fado por estas terras do Canadá.