Santo António, Brindeiras e Trezenas


Por Ferreira Moreno

Nova reportagem de Andreia Fernandes no "Diário Insular"de 23 de Fevereiro p.p., veio despertar-me um rol de recordações, que ainda guardo religiosamente, da minha saudosa vivência nas ilhas. Trata-se, desta vez, das apetecidas brindeiras!

O termo "brindeiras" aplica-se quer a um pão pequeno cozido com a intenção de brindar qualquer pessoa, ou dá-lo como esmola, (Augusto Gomes, Cozinha Tradicional da Ilha de São Miguel), quer aquele pão pequeno de massa sovada que se oferece e se distribui nos bodos, (Maria Alice Borba Lopes Dias, Ilha Terceira, Estudo da linguagem e Etnografia).

Por seu turno, João Homem Machado diz-nos ser um pãozinho de trigo, comprido e de cabeça, ou seja, com uma das pontas dobrada p'ra cima; ou então um pequeno pão de milho, redondo, geralmente de milho mole, com fermento, açúcar, manteiga etc. (O Folclore da Ilha do Pico).

Andreia Fernandes, na sua reportagem, brinda-nos com a descrição dum costume secular mantido ainda hoje pela senhora Maria Enes, na freguesia das Lajes (Terceira). Certamente no cumprimento de promessas, bem como movida pela sua devoção a Santo António e em sufrágio à memória dos Fiéis Defuntos, Maria Enes cozia as suas "brindeirinhas" à moda antiga (forno de lenha) e deixa-as na rua. A primeira pessoa, que aconteça passar pelo sítio, pode considerar-se perfeitamente convidada a levar o pão consigo!

No entanto, p'ra quem sabe e eu ainda bem me lembro, manda a tradição que a pessoa oferecendo a brindeira não se fique a olhar p'ra rua, e a pessoa recolhendo a brindeira diga uma ligeira oração em silêncio.

Este costume relaciona-se com aqueles pães que eram bentos e depois distribuídos como esmolas por ocasião de certas celebrações religiosas. Carreira da Costa, a seu tempo, escreveu que antigamente em São Miguel os conventos Franciscanos davam pão aos pobres, por ocasião das trezenas e festa em louvor de Santo António.

Na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Estrela, da "minha" Ribeira Grande, há um altar lateral com uma vistosa e grande Imagem de Santo António. Era aqui precisamente que, todos os anos, a gente se ajuntava p'rá TREZENA em honra de Santo António... uma devoção de treze dias consecutivos, com missa e sermão da parte da manhã, terminando à noite do décimo terceiro dia com a distribuição do Pão de Santo António.

Esta devoção promovida pelo pároco local, o saudoso Padre Evaristo Carreiro Gouveia (1887-1957), mais conhecido carinhosamente pelo nome de o SENHOR PRIOR, tinha lugar durante o período de férias de verão, para assim contar com a presença dos seminaristas, pois a esse tempo a Ribeira Grande era "berço" de muitas vocações sacerdotais.

Mas, afinal, o que vem a ser isto de pão bento de Santo António?

No que diz respeito à Ribeira Grande, era costume trazer p'rá igreja, no último dia da trezena, cestos e mais cestos de pão, quer de trigo quer de milho. Após a bênção do Sr. Prior, os pães eram devidamente distribuídos aos pobres, através de "senhas" e conforme as necessidades de cada família.

Estes pães, claro, eram cozidos e oferecidos pelos paroquianos, que não só contribuíam p'rá sua distribuição, mas também guardavam p'ra si próprios um determinado número de pães. Confesso que ainda hoje, transcorrido quase meio século de imigração, ainda respiro aquele típico "cheirinho"de pão fresco, que enchia a igreja. E em chegando a casa, era um alvoroço sentarmo-nos à mesa e partilhar aquele "pão bento", que parecia ter um sabor deveras celestial.

Esta tradição do "pão dos pobres" de Santo António vai entroncar-se numa estória muito antiga, que o Sr. Prior nos contava, àcerca duma padeira que tinha perdido a chave da loja, e havia rezado a Santo António que lhe abrisse a porta; em paga ela prometia cozer pão p'ra dar aos pobres. O Santo ouviu a oração e operou o milagre. A padeira cumpriu a promessa, não só nesse dia mas daí em diante.

A princípio julguei que a estória revestia-se com uns laivos de lenda, mas depois vim a descobrir que se tratava dum caso concreto e histórico. Dele me ocuparei na próxima crónica. Até lá:

Santo António foi ao forno
Beliscar o seu bolinho,
Disseram as freiras todas:
Santo António é gulosinho!

Santo António perdeu a capa
No caminho do estudo,
Juntaram-se as freiras todas,
Deram-lhe outra de veludo.

Santo António Português,
Quando foi pregar ao mar,
Até os peixes na água,
Se puseram a escutar.

Onde estará Santo António
Que não está na sua igreja?
Anda fazendo milagres,
É o que o Santo mais deseja.