Por Ferreira Moreno
Foi aos 12 de Março de 1890, portanto
há mais de um século, que uma jovem francesa de
nome Luísa Bouffier, ao chegar à sua pequena loja
na cidade de Toulon, não conseguiu abrir a porta, tendo
recorrido à intercessão de Santo António,
prometendo-lhe que distribuiria pão aos pobres, caso a
porta se abrisse sem a intervenção do serralheiro.
Ora aconteceu que a porta logo se abriu, sem o menor esforço
facto
que, de imediato, deixou toda a gente profundamente impressionada
e, seguidamente, correu de boca em boca por toda a região.
Fiel à sua promessa, a rapariga deu cumprimento ao que
tinha prometido, tendo ainda colocado na loja não só
uma imagem de Santo António, mas também uma caixa
de esmolas p'ró Pão dos Pobres.
A concorrência de esmolas foi de tal ordem que este piedoso
evento transformou-se numa autêntica tradição,
alastrando-se através da França, Bélgica,
Itália, Alemanha, Europa Central, Espanha e Portugal.
Em conformidade com o testemunho de António
de Sousa Araújo, expresso nas páginas 240-244 do
Almanaque de Santo António do ano 1995, o Pão
dos Pobres de Santo António é uma obra cuja instituição
(em Portugal) está relacionada com as comemorações
promovidas em 1895, aquando do sétimo centenário
deste Santo em Lisboa.
A ideia do PÃO DOS POBRES foi introduzida
pelo Padre Frei João da Santíssima Trindade e Sousa,
Franciscano do convento de Montariol (Braga), o qual estava a
par do milagre ocorrido em França e subsequente
Obra do Pão de Santo António. Os respectivos superiores,
no entanto, não aderiram à idade, alegando uma série
de dificuldades e a possibilidade de escândalos, forçando
o frade a recorrer à Mesa da Venerável Ordem Terceira
de Braga que, igualmente, recusou apoiar a iniciativa do franciscano.
Frei João, porém, não desistiu
e tanto insistiu na sua argumentação que, finalmente,
recebeu a almejada autorização p'ra estabelecer
a Obra do Pão de Santo António na Igreja
dos Terceiros de Braga. E assim, nesta igreja aos 25 de Março
de 1895, foram instalados dois cofres: um destinado à recolha
de cartas com os pedidos, e o outro destinado às ofertas
ou esmolas, incluindo a menção das graças
recebidas.
Pouco depois, aos 16 d'Abril desse ano, procedeu-se
à primeira abertura do cofre das esmolas. A reacção
explodiu num espanto contagiante perante a quantia de 36 mil réis,
considerada extraordinária a esse tempo, ultrapassando
as "esmolas" até aí recolhidas nos Santuários
do Bom Jesus do Monte e Nossa Senhora do Sameiro, ambos localizados
na Arquidiocese de Braga.
Aos 28 d'Abril, pela primeira vez em Portugal, realizou-se a
distribuição do Pão de Santo António
a 380 pobres, que afluíram à Igreja dos Terceiros
(Braga), onde se encontrava o altar com a imagem de Santo António.
A quantidade de pão era tanta que não só
satisfez o número de pobres presentes, bem como sobejaram
pães que foram entregues aos presos da cadeia de Braga
e ainda a dois institutos de beneficência.
O mesmo se verificaria no mês seguinte com um excesso de
430 broas de milho e 430 pães de trigo. O número
de pobres viria a aumentar igualmente, com cerca de 500 em Julho
e 750 em Agosto. Subsequentemente, a obra do pão de Santo
António estendeu-se a outras localidades de Portugal e
alastrou-se até ao Brasil, sobrevivendo ainda hoje.
Na realidade, como acentua António de Sousa Araújo:
"Pobres sempre os teremos. E de pão e da ajuda do
Santo, todos nós continuaremos carecidos. Ninguém
é mais feliz do que aquele que socorre a necessidade do
pobre e a miséria do enfermo e do desamparado."
Carradas de razão, pois tinha o "nosso"
Charrua ao cantar: " No mundo a maior riqueza/ P'r'aquele
que pensa bem/ É deitar o pão na mesa/ Daquele que
o não tem."
Ó meu rico Santo António,
Deparai-me o que perdi:
A cevadeira de pão,
Que hoje inda não comi.
Santo António de Lisboa,
Guardador dos olivais;
Guarda lá minha azeitona
Do biquinho dos pardais.
Santo António é negrinho,
é negrinho c'má amora,
Quando vê moças bonitas,
Deita a linguinha de fora.
Santo António, meu santinho,
Ó santo casamenteiro,
Dai-me um noivo depressinho
Que seja bom marinheiro.
Ó meu rico Sant'António,
Meu ramo d'amor perfeito,
Trago o vosso nome escrito
Com letras d'ouro em meu peito.
As cantigas qu'eu sabia,
Todas o vento levou:
Só a de Santo António
No coração me ficou!
|