Senhora Sant'Ana das Furnas


Por: Ferreira Moreno

A terceira ermida, que existiu no Vale das Furnas, recebeu a invocação de Santa Ana e foi edificada pelo Padre Cosme de Pimentel em 1745, precisamente no local onde primitivamente esteve situada a rústica ermida de Nossa Senhora da Consolação, destruída e soterrada durante a erupção vulcânica ocorrida em Setembro de 1630.
A ermida de Sant’Ana co-existiu, inicialmente com a ermida de Nossa Senhora d’Alegria, que os Padres Jesuítas haviam erguido no vale em 1638. Porém, em 1760, o Marquês de Pombal não só expulsou os Jesuítas bem como confiscou-lhes as propriedades existentes nas ilhas dos Açores.
A ermidinha foi arruinando até desaparecer por completo em 1811.
No entrentato, a mimosa ermida ermida de Sant’Ana fo icrescendo em importância, tornando-se até pequena demais p’ra albergar o número de fiéis, que a ela acorriam e se iam estabelecendo no Vale das Furnas. Além disso, era extraordinária a popularidade granjeada pelos resultados terapêuticos das respectivas águas termais.
Tanto assim que os veraneantes e pessoas ricas decidiram amplicar a ermida. Foram introduzidos, então, vários melhoramentos. Incluindo o altar-mór subsidiado pela Rainha D. Maria (1777-1816). Aparentemente, as obras continuaram pois que, em 1792, Santa Ana tornou-se em igreja paroquial do Vale das Furnas.
Mais tarde, um segundo padre-cura foi nomeado como coadjutor na devida assistência religiosa aos furnenses. No entanto, foi 1906 que, finalmente, a igreja de Sant’Ana recebeu o seu primeiro pároco-vigário. Foi ele o saudoso Padre José Jacinto Botelho, que ali viria a falecer ao 14 de Abril de 1946. Natural da risonha freguesia da Ponta Garça, onde nascera aos 2 de Fevereiro do ano de 1876, tornou-se conhecido não só pelo seu apostolado sacerdotal, mas também como orador e literato.
Com o pseudónimo António Moreno, a sua memória está indelevelmente gravada na literatura açoriana. Até agora, (que eusaiba), ninguém terá revelado o motivo que instigou o Padre Botelho em usar tal pseudónimo.
Por isso, atrevo-me a apresentar uma sugestão.
Em 1614, quando os primeiros eremitas (vindos do continente português) se estabeleceram no Vale das Furnas, junto à ermida de Nossa Senhora da Consolação, eles receberam muita ajuda, apoio e incentivo, da parte do Padre António Moreno, que ao tempo era vigário da freguesia da Ponta Garça. Nada mais sei acerca do Padre António Moreno, excepto que em 1630, quando ocorreu a erupção vulcânica, o vigário de Ponta Garça chamava-se Padre Álvaro da Costa.
No que diz respeito ao Padre Cosme de Pimentel, fundador da ermida de Sant’Ana das Furnas, consta que ele era natural da freguesia dos Fenais d’Ajuda (ilha de S. Miguel), tendo embarcado p’ró Brasil após a sua ordenação sacerdotal, levando consigo os devidos documentos assinados pelo bispo dos Açores.
O barco naufragou numa praia brasileira, onde o padre foi arrojado, quase nu e sem documentação. Entre a gente que se encontrava na praia, um escravo preto acudiu a agasalhar o padre. Firmou-se então uma amizade entre os dois, até que um dia (não sei quando) o preto pediu ao padre que o comprasse ao seu patrão, ficando assim escravo do padre.
Evidentemente que o padre ficou “banzado” com tal proposta, complicada ainda mais por não ter dinheiro suficiente p’ró resgate.
Mas o preto tinha a solução bem pensada, sugerindo que entregaria ao padre todas as suas economias, e com esse dinheiro o padre fazia a compra e o preto ficava seu escravo. E foi exactamente o que aconteceu. Mais ainda, anos depois quando o Padre Cosme resolveu regressar a S. Miguel, o escravo veio na sua companhia e com ele viveu, primeiro nos Fenais e a seguir nas Furnas, onde o sacerdote construiu a sua moradia e ermida em 1745.
Falando de Santa Ana Mãe da Virgem Maria e avó de Jesus Cristo, tenho esta preciosa quadra do Padre José Jacinto Botelho:

“Nossa terra tão piedosa
De Sant’ana se nomeia
Mãe da Mãe de Deus, bondosa
Abençoa a nossa aldeia”

Uma outra quadra, que considero inesquecível, é da autoria de José de Sousa Brasil (1910/1991), o célebre Charrua, repentista terceirense que conheci em vida. Quando alguém o provocou, aludindo que ele tinha uma única filha, o Charrua replicou:

“Sant’ana, que tanto brilha
E que foi de Cristo a Avó
Deu à luz uma só filha
E esta mesma um Filho só”

E já termino com este par de cantigas em louvor de Sant’ana:

Ó Senhora Sant’ana,
Meu copinho d’aguardente,
Dei saúde ao meu amor
Que está na cama doente.

Não me canso de pedir
À Senhora Sant’Ana
Que me traga o meu amor,
Que anda por terra estranha.