Santelmos e Aferradas


Por: Ferreira Moreno

No Segundo volume de “Butler’s Lives fo the Saints”, edição revisada (1988), somos devidamente informados que os marinheiros espanhóis e portugueses são muitos devotos do Beato Peter Gonzalez, que veneram com a invocação de Saint Elmo ou Saint Telmo, “um pseudónimo que o santo partilha com outro patrono dos marinheiros. Santo Erasmo.”
Evidentemente que, em português, dá-se-lhe o nome de São Pedro Gonçalves, embora tivesse nascido em terras d’Espanha no último decénio do século doze. Entrou na Ordem de S. Domingos, onde professou e donde seria escolhido por el-rey D. Fernando III p’rás funções de capelão. O monarca espanhol, falecido em 1252 e canonizado em 1671, foi pai de 7 filhos e 3 filhas da primeira mulher (Beatrice), e de 2 filhos e 1 filha da segunda (Joan).
A missão San Fernando Rey de Espana, estabelecida pelos Franciscanos na Califorlândia em 1797, é-lhe dedicada.
Assim que o rei acedeu ao pedido do capelão Frei Gonzalez. Ele ocupou-se na evangelização dos povos da Galiza até o dia do seu falecimento, ocorrido em Tuy em 1246. Rezam as crónicas que Portugal enviara uma nau em auxílio de D. Fernando, que andava em luta contra os mouros. Surpreendidos por violenta tempestade, os tripulantes e combatentes portugueses invocaram a protecção de Pedro Gonçalves, que apareceu na gávea grande, dominando a fúria dos ventos e das vagas.
Etimologicamente falando, Santelmo deriva de Santo Erasmo, cujo nome foi abreviado p’ra Ermo e Elmo. Erasmo, falecido no ano 300, foi originalmente considerado o padroeiro dos navegantes, que chamavam Luzes de Santelmo às faíscas eléctricas volteando no topo dos mastros, e acreditavam serem prenúncio de acalmação. Mais tarde, os marinheiros espanhóis e portugueses adoptaram o patrocínio de S. Pedro Gonçalves, com a designação de Santelmo ou São Telmo.
Não vou agora gastar cera descrevendo as histórias lendárias tecidas à volta de Santo Erasmo e de S. Pedro Gonçalves. Por ora bastará acentuar que, além da Espanha e de Portugal, a França e a Itália prestam homenagem à crença do Santelmo. Mais ainda, os marinheiros bretões consideram as Luzes de Santelmo como representação das almas dos náufragos, enquanto os marinheiros germânicos acreditam que o Fogo-de-santelmo só aparece quando alguém cai no mar!
Reveste-se de muita popularidade a típica designação Corpo Santo. Encontrámo-la aplicada não só a descarga eléctrica prenunciando bonança, mas também a manifestação do próprio S. Pedro Gonçalves. Bem assim deparamos, frequentemente, com esta designação (Corpo Santo) aplicada quer às igrejas e ermidas dedicadas a S. Pedro Gonçalves, quer ainda aos sítios em que elas estão localizadas ou foram edificadas em tempos antigos.
São dignas de registro as festividades religiosas e profanas que, nos Açores, os pescadores promovem em honra do seu padroeiro S. Pedro Gonçalves. A este respeito, D. Maria Gaspar acaba de publicar um livro profusamente ilustrado, ao título “Irró, Santo Irró”, acerca da Festa dos Homens do Mar dedicada a São Pedro Gonçalves, numa ocorrência anual observada em Vila Franca do Campo.
Antigamente, na vila da Lagoa (S. Miguel) a festa dos pescadores esteve relacionada com uma tradição, que merece ser recordada. Trata-se do jantar em casa dos arrais (mestre do barco), em que participavam os membros da campanha e assistiam convidados de importância. O convite era feito pessoalmente pelos arrais que, na véspera da festa, dirigia-se à residência do indivíduo que pretendia convidar, levando-lhe um presente de peixe com molho de escabeche. O convidado tomava, então, o compromisso em fornecer o que lhe fosse disponível p’ra ajuda do jantar.
A hora designada o convidado comparecia em casa dos arrais, seguindo-se as aferradas ao sentarem-se à mesa p’ró jantar. Visto que os pescadores dizem que o peixe ficou aferrado quando preso no anzol, a palavra aferrada é empregada p’ra significar que apanharam alguém p’ra fazer uma oferta generosa. As tais aferradas realizavam-se no início ou no fim do banquete. Em qualquer dos casos, o convidado era aferrado quer por um ramo de flores quer por um grande biscoito de massa sovada. Era então que o hóspede mandava por um portador o biscoito p’ ra sua casa, voltando com o que estava destinado p’ra ajuda do jantar do arrais.
A ementa tradicional constava de congro ou cherne com o clássico molho de escabeche.
E quando escasseava o peixe, por causa do mau tempo, a irmandade comprava um gueixo!
Tudo isto, e muito mais, foi-nos transmitido pelo saudoso Padre João José Tavares (1862-1933), e está incluído no livro “A vila da Lagoa e o seu Concelho