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Por: Dr. Tomás Ferreira
As vezes tenho pena de não ser um profissional
de jornalismo, pois não me é possível abordar
todos os assuntos que decorrem no período de uma semana
que decorre entra as minhas colunas na Voice. Por outro lado,
tenho grande gosto em exercer a minha profissão de médico.
Esta é uma dessas semanas, em que existem pelo menos duas
notícias importantes, uma que muito tem dado que falar,
embora pouco venha a atingir a maioria dos luso-canadianos e a
outra, com certeza menos interessante, que terá grandes
repercussões na vida dos habitantes desta província,
sejam eles luso-canadianos, italo-canadianos, franco-canadianos
ou até os “verdadeiros, canadianos”, aqueles
a quem pertencia esta terra, os índios hoje chamados pelo
nome politicamente correcto, de nativos ou First Nations (Primeiras
Nações).
Uma notícia na comunidade e fora dela
Existem duas qualidades de notícias, aquelas
verdadeiramente sensacionais como a morte dum líder, uma
guerra, um grande escândalo, que explodem como uma bomba
e dum momento para o outro envolvem toda a media e aquelas que
começam por ser pequenas e lentamente começam a
levedar atingindo grandes dimensões, como farinha que se
põe no forno e cresce para se transformar num pão
ou uma pedra que se atira para um charco e vai espalhando as suas
ondas até agitar toda a água.
Uma notícia deste segundo tipo, foi uma iniciada pela agência
noticiosa portuguesa Lusa, que se espalhou por toda a imprensa
luso-canadiana, para o português em Portugal e daí
para os jornais do Canadá como o “Toronto Star”,
acabando por atingir o respeitável Globe and Mail e até
a estação rádio difusora nacional a CBC.
Pessoalmente, já recebi vários telefonemas incluindo
a RTPi em Lisboa assustada com a “caça aos portugueses
ilegais”.
Tratava-se duma notícia com o título “Governo
(canadiano) avisa que todos os portugueses ilegais serão
expulsos”.
A notícia em questão, baseada em declarações
do Sr. Embaixador de Portugal no Canadá Dr. João
Silveira de Carvalho, foi interpretada como um aviso que as autoridades
tinham iniciado uma “caça” aos emigrantes ilegais
portugueses.
Devo esclarecer, que tendo tido a oportunidade de debater a notícia
com o Sr. Embaixador e com a repórter da Lusa Sra. Elisa
Fonseca, verifiquei certa discrepância entre as duas versões
dos factos apresentados, por estas duas entidades.
No entanto, dado que não é minha intenção
abordar outra vez esse assunto, depois de ter passado mais duma
hora falando com cada uma das pessoas mencionadas irei me restringir
à nota publicada na “Lusa”, que foi interpretada
pela media luso-canadiana e por nós que tivemos a oportunidade
de a ler, como um aviso que a polícia ira andar à
procura dos portugueses ilegais para os deportar e que estávamos
perante um “endurecimento”das leis das emigração
canadiana.
Conforme se menciona na notícia da Lusa, baseada numa entrevista
com o Sr. Embaixador, o diplomata português terá
recebido uma carta que manifestava um “endurecimento preocupante”da
política de imigração do Canadá. Na
notícia em questão seguem-se várias citações,
todas elas entre aspas, atribuídas ao Sr. Embaixador, manifestando
a convicção que o presente governo iria aumentar
o número de expulsões de portugueses ilegais.
Tendo recebido o texto, uma parte da imprensa luso-canadiana,
reagiu como era de se esperar, divulgando esta notícia
preocupante para os milhares de portugueses que estão ilegalmente
no Canadá e também para a economia do Ontário,
uma vez que muitos desses compatriotas nossos, trabalham na construção
aonde tem um papel fundamental no desenvolvimento da economia
desta província e do Canadá
Pareceu-me impossível, dadas as leis vigentes neste país,
que algum político ou funcionário público,
se atrevesse a mencionar uma decisão, que se restringisse
aos portugueses. Quem tivesse a coragem ou a leviandade de o fazer,
perderia o seu lugar imediatamente e acabaria no tribunal. Lembrei-me
das famosas afirmações do Dr. João Jardim
na Madeira, sobre os orientais que aqui no Canadá aonde
não há imunidade parlamentar iria levá-lo
a tribunal.
Tendo aproveitado uma reunião com o Sr. Embaixador, no
âmbito das actividades do Conselho das Comunidades, eu e
os colegas procuramos obter um esclarecimento sobre o assunto.
O Dr. João Silveira Carvalho, teve a amabilidade de nos
mostrar a carta que recebera do Deputy Minister (Director Geral)
da emigração que declarava que não existiam
e não estavam planeadas regalias para os portugueses ilegais
e que pessoas (persons em inglês no texto) encontradas ilegalmente
no Canadá seriam expulsas, o que diga-se de passagem é
o que sempre aconteceu desde que este país existe. A propósito,
quem for encontrado em Portugal nas mesmas condições,
também é expulso e até pode pagar uma multa
elevada e ser banido de entrar no país por cinco anos.
O “deputy minister”, não estava a anunciar
na carta ao Sr. Embaixador nenhuma novidade, ou endurecimento
das atitudes mas pura e simplesmente a reiterar a lei em vigor.
É óbvio, que na carta do funcionário canadiano
se quer informar que não há tratamento especial
para portugueses ilegais e que a lei continua a ser aplicada como
sempre foi, embora não exista de forma alguma, uma medida
repressiva destinada apenas aos nossos compatriotas. O que o funcionário
público canadiano diz na carta, seria o equivalente à
resposta que dariam os seus colegas das finanças se lhes
perguntassem o que acontecia a quem não pagasse o imposto
de rendimento (income tax), seriam multados ou levadas a tribunal,
ou à Polícia Montada quando alguém lhes falasse
em fazer moeda falsa.
Refere-se também a notícia da Lusa a um plano para
admitir legalmente alguns dos trabalhadores ilegais e como a dotação
orçamental para essa actividade não fora autorizada.
Pela forma como está inserida na notícia, o leitor
fica com a impressão que o bloqueamento dessa dotação
orçamental, era mais um sinal do endurecimento da política
do novo governo conservador. Na realidade, a proposta em questão,
foi levada a uma das últimas reuniões do gabinete
do governo liberal do Sr. Paul Martin, pelo então ministro
Sr. Joe Volpe, e foi negada por razões que ao que ouvi
dizer tinham mais que ver com lutas políticas dentro do
partido, do que com a presença de portugueses ou outros
trabalhadores ilegais.
Seja como for, quem travou a iniciativa do Sr. Volpe, foram os
liberais e não o novo governo conservador. Também
na notícia da Lusa se assustam as pessoas com a afirmação
que aumentaram as expulsões de ilegais, sugerindo-se não
sei bem porque, que irão aumentar ainda mais no futuro.
Na realidade, não existem números que demonstrem
essa teoria. Claro que há dez anos existiam menos expulsões
pela razão simples que nessa altura Portugal estava numa
fase de crescimento económico, poucos portugueses, tentavam
ser emigrantes no Canadá, mas milhares de Africanos, russos,
ucranianos, romenos, polacos e tantos outros, imigravam para o
país aonde nascemos para, trabalhar naquelas coisas que
os portugueses não estavam interessados como a construção.
Nessa altura Portugal “importava” trabalhadores e
não os “exportava” para o Canadá ou
qualquer outro país. Os portugueses que saíam de
Portugal eram mesmo turistas. Também não devemos
esquecer que até os meados da década de noventa,
devido à existência do visto para os portugueses,
o número de compatriotas nossos que tentavam entrar no
Canadá era menor.
Outra razão que tem feito aumentar o número de pessoas
expulsas foi o facto de muitos portugueses aconselhados por certos
peritos em imigração, começaram em certa
altura a dizer que eram refugiados políticos, homossexuais,
e outra mentiras, para ficarem no Canadá. Uma vez que todos
esses requerimentos passam pelos diversos tribunais, destinados
a julgar os casos de emigração, muitas pessoas despenderam
anos no Canadá, à espera da decisão final,
que foi a de serem enviados para Portugal. Devo notar, que durante
esses anos alguns decidiram ter filhos, talvez na esperança
de melhorarem as suas possibilidades de cá ficarem.
NA realidade, as autoridades canadianas não fazem grande
esforço para deportarem pessoas, pela razão simples
que não tem pessoal suficiente, quer ao nível policial,
quer no sistema judiciário para lidar com todos os casos.
Conheço uma pessoa da Polícia Montada, que me disse
que só entre os portugueses existem denúncias suficientes,
para ocupar todo o departamento ligado a emigração
ilegal.
Se as autoridades estivessem interessadas em apreender mais emigrantes
ilegais, bastava visitarem algumas reuniões públicas
que tem ocorrido em clubes e associações portuguesas.
Se lá fossem, teriam de fazer como o PIDE quando me prendeu
e mais uns milhares de estudantes na Cidade Universitária
em Lisboa – levar meia dúzia de autocarros para meter
os presos, pois não havia carrinhas da polícia que
chegassem.
Não há dúvidas que a situação
dos portugueses ilegais, é um problema humano económico
sério.
Por um lado, não podemos esquecer, que os”ilegais”são
trabalhadores como nós, que vieram para esse país
à procura de uma vida melhor. Embora essas pessoas tenham
passado à frente daqueles que esperam há anos para
vir para o Canadá, o que em certa medida e injusto e imoral,
eles merecem a nossa ajuda e compaixão, sendo de louvar
os diversos esforços feitos na comunidade para resolver
a situação.
Também como residentes desta nação não
devemos esquecer, que os trabalhadores ilegais, estão a
dar uma contribuição importante à economia
desta cidade, da província e até de todo o Canadá.
Desta maneira, os ilegais estão a ajudar todos nós
que vivemos neste país. Um dia antes de escrever este artigo
(aonde chegou a notícia da Lusa) o jornal nacional do Canadá,
o prestigioso Globe and Mail dedicava um editorial ao sistema
de emigração canadiano, preconizando medidas para
tornar mais acessível a entrada de trabalhadores manuais
especializados, fazendo notar que factores como falar uma das
línguas nacionais do Canadá ou ter um curso superior,
não eram essenciais para obter um bom trabalho na construção
ou pessoas para desempenharem outras profissões fundamentais
para o desenvolvimento económico do país. Dado o
prestígio que o Globe and Mail tem neste país, é
possível que a sua sugestão venha eventualmente
a ser aceita pelas autoridades canadianas.
Finalmente, talvez porque a notícia foi originada pela
Lusa ou porque muitos habitantes deste país pensam que
os portugueses apenas trabalham na construção, todos
os artigos que li na imprensa local falavam dos emigrantes ilegais
portugueses, acrescentando as vezes “e outros”.
Ao que me disse uma pessoa com conhecimento destes assuntos existem
milhares de ilegais oriundos da Rússia, Polónia,
Ucrânia, Roménia, antiga Yoguslávia e até
Brasil. Já é tempo de o resto da população
se convencer que nós portugueses, não trabalhamos
só nas limpezas e na construção ou que somos
quase todos ilegais. Até um amigo meu, canadiano de outra
origem, me perguntou de brincadeira se eu cá estava ilegalmente.
Eu respondi que sim, uma vez que eu e os seus antepassados não
tínhamos pedido autorização aos índios
para entrar no Canadá.
Concluindo, não me parece razão para entrar em pânico.
Não existe uma caça aos portugueses e os meus leitores
que estejam cá ilegalmente, podem ir à vontade ao
café beber a sua bica, que não irão lá
estar policiais disfarçados à espera para os prender.
Quanto à “Lusa”, parece-me, tem que ter mais
cuidado com a forma que escreve as suas notícias ou com
as fontes que utiliza filtrando certas afirmações
que são inverosímeis como a sugestão que
um funcionário público canadiano teria a temeridade
de sugerir que um grupo étnico seria alvo de deportações.
Um conhecimento melhor da história deste país e
das leis que estão em vigor, tornaria semelhante notícia
irrisória.
Já a minha avó me contava, a história daquela
menina muito prendada que estava à espera dum admirador
muito rico, que a vinha pedir em casamento. A mãe disse-lhe,
despe-te, vai te lavar e pões o cordão de ouro.
A boa menina seguiu as instruções à letra
e quando o admirador chegou, estava muito lavadinha, com um cordão
de ouro, mas sem qualquer roupa. Ao que dizia a minha avó,
o pretendente mudou de ideias.
Quando se escreve para o público, tem que se ter a certeza
que a notícia é correcta que não é
susceptível de ser mal interpretada.
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