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Por: Ferreira Moreno
Nossa Senhora de Belém, Missão
de Carmel, Califórnia
Na véspera de largar o Tejo e encetar
a monumental travessia marítima rumo à Índia,
Vasco da Gama (1469-1525) reuniu-se com os seus capitães,
oficiais e pilotos, na Ermida de Nossa Senhora de Belém.
Foi nessa ermida erigida pelo infante D. Henrique (1394-1460)
no alto da praia do Restelo, onde os navegantes se acolheram numa
vigília de intensa espiritualidade e fervorosa oração.
Ao raiar da madrugada, sábado dia 8 de Julho de 1497, um
religioso da Ordem de Cristo subiu ao altar, celebrando o Santo
Sacrifício da Missa. Seguidamente, o capitão-mor
e companheiros, cada qual empunhando uma vela acesa, encaminharam-se
p’rá praia onde já se encontrava uma multidão
imensa, engrossada com o grande número de padres e religiosos
das paróquias, conventos e mosteiros circumvizinhos.
Imóveis no rio, os navios cintilavam ao sol das mil cores
das bandeiras. Alinhadas, as tripulações ecoavam
o responso “Misere nobis”, entoado pela multidão
na praia, em sintonia coma Litania dos Santos salmodiada pelo
clero. Já próximo das canoas que deviam transportar
Vasco da Gama e seus companheiros até os navios, fez-se
um profundo silêncio. De joelhos, os navegantes receberam
a absolvição geral. Romperam, então, intermináveis
entrechoques de choros e suspiros angustiosos da multidão
apinhada nas areias do Restelo, servindo de paleta p’ró
cenário magistralmente pincelado por Luís de Camões
(1524-1580) no Canto IV de “Os Lusíadas.”
Notável, certamente, a perífrase usada por Camões
p’rá indicar Belém, nome da localidade judaica
onde Cristo nasceu: Partimo-nos assim do santo templo / que nas
praias do mar está assentado / Que o nome tem da terra
para exemplo / Donde Deus foi em carne ao mundo dado.”
Noutra vertente etimológica, Restelo deriva do latim “rastellus”
indicando um instrumento de dentes empregado na lavoura, semelhante
a uma enxada, grade ou ancinho, dentados e destinados a desfazer
os torrões e aplanar a terra depois de lavrada. O termo
aplica-se também à chapa com fileiras de dentes
de ferro, por onde passa o linho a fim de extrair a estopa.
Gomes Eanes de Zurara (1420-1474) escreveu que o Infante D. Henrique
“porque era mui devoto da Virgem Maria, mandou fazer à
sua honra uma mui devota casa de oração, uma légua
de Lisboa, acerca do mar, onde se chama Rastelo, cuja invocação
se diz Santa Maria de Belém.” (Crónica da
Guiné, Capítulo V, Páginas 31 – 32,
Edição 1973).
A respectiva imagem, talhada em pedra, representa a Mãe
de Deus sentada com as mãos postas e o Menino Jesus deitado
nu sobre os joelhos. Por estar sentada, há sido designada
Nossa Senhora do Parto. Esta tão antiga e memorável
imagem existe ainda na igreja da Conceição Velha.
Por ocasião do terramoto de 1755 foi salva das ruínas
e do incêndio daquela igreja, que el-rei D. José
I mandou reedificar e p’ra onde fez trasladar a imagem de
Nossa Senhora do Restelo ou de Belém. (Alberto Pimentel,
História do Culto de Nossa Senhora em Portugal, Lisboa
1899).
A ermida fundada pelo Infante D. Henrique, no Restelo, rodeava-se
de pomares e hortas com água, da qual se podiam servir
os mareantes p’ra abastecer seus navios, sem mais encargo
que o de rezarem um Pai Nosso e uma Ave Maria por alma do fundador.
Aparentemente os alicerces do Mosteiro dos Jerónimos em
Belém foram abertos em redor da capela do Restelo. Diz
a tradição que a ermida situava-se ao nascente do
monumento manuelino.
Não é exagero da nossa parte apontar que a Senhora
de Belém esteve intimamente relacionada com as gloriosas
navegações portuguesas. A sua popularidade alastrou-se
a terras de Espanha nos reinados dos Filipes. E com o título
La Conquistadora, a Senhora de Belém chegou a Califorlândia
em 1770 ao tempo do estabelecimento da Missão San Carlos
Borromeo, mais conhecida simplesmente por Carmel Mission, visto
estar localizada junto ao Rio Carmelo, no Vale e Baía de
Carmel.
Foi o Arcebispo de Mexico City, D. Francisco de Lorenzana, quem
ofereceu ao frade franciscano Frei Junípero Serra uma linda
e alta imagem de Nossa Senhora de Belém, segurando o Menino
Jesus no braço esquerdo, vendo-se ainda uma coroa de prata
doada em 1798 pelo Tenente da Marinha Dom Juan Bautista de Mutate.
Esta imagem, medindo cerca de cinco pés de altura, é
provavelmente a mais histórica estátua da Califorlândia.
Encontra-se exposta no altar da capela lateral da Missão,
onde igualmente está afixada uma lápide comemorativa
assinalando que o Papa João Paulo II aqui ajoelhou em oração
a Nossa Senhora de Belém, aos 17 de Setembro de 1987.
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