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Por Ferreira Moreno
A zona do Monte, na ilha da Madeira, além do pitoresco
paisagístico que a reveste, salienta-se sobremaneira por
ser a localidade onde se ergue a igreja de Nossa Senhora do Monte,
em cujo altar-mor se encontra a pequenina e miraculosa imagem
da Virgem, à volta da qual se teceram as mais belas lendas
que, no dizer de Guido de Monterey, ainda hoje enriquecem o património
madeirense.
O sítio do Monte, elevado à categoria
de paróquia em 1565 e promovido a freguesia três
anos depois, foi originalmente cedido a Gonçalo Aires Ferreira,
amigo e companheiro do "descobridor" João Gonçalves
Zargo. Foi Gonçalo A. Ferreira pai dum par de gémeos,
a quem deu os nomes de Adão e Eva, por terem
sido as primeiras pessoas nascidas na ilha.
Gaspar Frutuoso confirma o facto ao escrever:
"Este Gonçalo Aires Ferreira foi o primeiro homem
que na ilha da Madeira teve filhos, e em memória disso,
como primeiro que naquele mundo novo povoava, ao primeiro filho
chamou Adão e à primeira filha Eva, pois foram os
primeiros que nasceram naquela terra novamente descoberta e pelo
mar oceano adjacente." (Saudades da Terra, Livro II,
capítulo 50, Página 152, Edição 1998).
Outrossim diz-nos Frutuoso ter sido Zargo quem, primeiro, lhe
chamou a Ilha da Madeira, "por causa do muito espesso e grande
arvoredo de que era coberta e toda cheia de infinidade de madeira",
mas por ser fragosa e alta, com montes e rochedos fragosos, "dizem
que seu nome próprio era, ou devera ser, Ilha das Pedras."
(Saudades. Cap. 15, Pág.36)
Foi aqui no Monte, sito a meio da encosta com vista p'ró
Funchal, que Adão Gonçalves Ferreira ordenou a construção
duma capela em 1470, que tomou o nome de ermida de Nossa Senhora
da Encarnação. Eventualmente foi apeada em 1741
e substituída por uma igreja mais espaçosa aberta
ao culto em 1747, mas que ficou destruída no ano seguinte
devido a um violento terramoto. Uma vez reconstruída, foi
sagrada em 1818 e dotada com um escadório composto por
68 degraus de pedra.
É aqui que se encontra a tão venerada imagem de
Nossa Senhora do Monte, que permaneceu intacta aquando da destruição
do templo (1748) e que tornar-se-ia o orago da antiga capela de
N. S. da Encarnação.
Reza a tradição, baseada em narrativas lendárias,
que uma pastorinha do Monte não só se tinha entretido
a brincar com uma Menina, mas também havia partilhado com
ela a sua merenda. A "aparição" repetiu-se
e a pastorinha, evidentemente, não se conteve em contá-la
aos familiares e vizinhos.
O pai decidiu, um dia, ir espreitar a filha e, de facto, viu-a
muito alegre na sua brincadeira de criança, mas não
descortinou a tal Menina. No entanto, em seu lugar, descobriu
uma pequena escultura de Nossa Senhora.
Imediatamente foram avisadas as autoridades locais, que resolveram
transportar a imagem p'ra Capela da Encarnação e,
posteriormente, p'rá Igreja do Monte, onde ainda agora
se encontra patente, precisamente no centro do altar-mor. Salvo
erro, as lendárias aparições teriam ocorrido
durante o reinado de D. João II (1481-95).
Recorrendo novamente a Gaspar Frutuoso, (capítulos
44 e 45), aquando da invasão e saque da ilha da Madeira
por oito galões de corsários luteranos franceses,
em Outubro de 1566, "fazendo algumas saídas pelos
montes, indo depois à igreja de Nossa Senhora do Monte,
um francês tomando a imagem da Senhora (que é de
vulto de pau) a despiu, dando com ela para a despedaçar
em uns degraus de pedra forte; os próprios degraus se fizeram
pedaços, ficando a imagem inteira, sem quebrar coisa alguma."
Ora aconteceu que um pastor, de nome António Mendes, testemunhou
o ocorrido e matou o francês, rachando-lhe a cabeça
com uma fouce. E mesmo ali, informa-nos Frutuoso, "os portugueses
queimaram o corpo do francês, cuja alma queimam e queimarão
os demónios eternamente no inferno, onde jaz sepultado."
É igualmente Frutuoso quem nos descreve essoutro episódio:
"Também desmandando-se outro francês na ermida
de Nossa Senhora das Neves, despiu a Senhora e roubou a igreja,
ao qual saiu ao caminho um português, homem fidalgo da geração
dos Freitas, e o matou, tomando-lhe os vestidos que levava da
Senhora."
Nossa Senhora Menina
A brincar subiu ao monte;
Onde ela foi descansar
Logo nasceu uma fonte.
Nossa Senhora das Neves,
De nós tende compaixão;
Sem vós nada somos,
Sede a nossa salvação
Eu estava ouvindo Missa
Na Capela da Encarnação,
Teus olhos me cativaram,
Roubaste o meu coração.
Nossa Senhora me faça
O que lhe tenho pedido:
Se morrer leve-me ao céu,
Se viver case contigo.
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