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Por: Ferreira Moreno
No primeiro capítulo do Livro Quarto das
suas “Saudades da Terra”, Gaspar Frutoso mimoseia-nos
com a encantadora narrativa da chegada dos novos descobridores
à ilha de São Miguel, “no lugar onde agora
se chama a Povoação Velha, e desembarcando entre
duas frescas ribeiras de claras, doces e frias águas, entre
rochas e terras altas, todas cobertas de alto e espesso arvoredo
de cedros, louros, ginjas e faias, e outras diversas árvores.”
Ao tempo, a espessura do mato era tal que impossibilitava qualquer
incursão pela terra adentro obrigando os exploradores a
usar barcos à volta da “erma e solitária ilha,
vestida com a verdura do arvoredo.”
Claro que, eventualmente, os matagais foram desbastados p ‘ra
dar lugar aos povoados e acolher as primeiras sementeiras. Porém,
não deixa de ser curioso o episódio descrito por
Frutoso na página 202 do Livro supracitado, e que passo
a transcrever. P’rós leitores mais interessados,
aviso que estou a seguir a edição publicada em 1998
pelo Instituto Cultural de Ponta Delgada...
“Um clérigo, a que não pude saber o nome,
veio com os primeiros povoadores, que vieram a esta ilha e saíram
na Povoação Velha; dali a dias, desejando ver de
perto e saber que coisa era uma grande língua de fogo que
sobre o ar aparecia e saía da terra, partindo da Povoação
se foi com um companheiro, metendo-se pelo espesso mato, fazendo
caminho com uma foice roçadoura e deixando por ele balisas
e sinais nas árvores, porque à tornada se não
perdesse.
Foi assim que este corajoso sacerdote “chegou sobre as Furnas,
a uma alta encumeada, de que as Furnas da parte do oriente estão
cercadas, da qual descobriu primeiro do que ninguém o lugar
donde o fogo delas saía; e não se atrevendo descer
abaixo, pela aspereza da terra e espessura do arvoredo, se tornou
p’rá Povoação.”
Mais adiante (página 206), Frutuoso menciona o Monte Escuro
assim chamado pelo “tão cerrado mato maninho, de
altíssimo arvoredo, que ninguém podia lá
passar, nem o gado que entrava podia mais sair e ali morria de
velho.”
Ao título “Arvoredos dos Açores, algumas achegas
para a sua história”, o saudoso Dr. Carreiro da Costa
publicou este valioso e informativo trabalho, englobando todas
as ilhas, no Boletim da Comissão Reguladora dos Cereais
do Arquipélago dos Açores, números 11 a 22.
Todas estas “achegas”, e muito mais, encontram-se
reunidas no primeiro volume “Etnologia dos Açores”,
publicado em 1989, numa promoção da Câmara
Municipal da Lagoa e organização de Rui de Sousa
Martins.
Passando agora da silvicultura p’ra fruticultura, confesso
que entre os antigos cronistas não encontrei referências
às espécies frutíferas ao tempo do descobrimento
de São Miguel. Atrevo-me, pois, a concluir que elas foram
introduzidas após o respectivo povoamento. E, de facto,
Gaspar Frutoso deleita-nos com a descrição de vistosas
quintas e riquíssimos pomares, que se espalhavam pela ilha.
Temos, por exemplo, (página 145), o caso do Padre Jerónimo
de Brum, que possuía um rico pomar de muitas fruteiras,
“principalmente de árvores de espinho, de muitas
laranjas, cidras, limas e limões de talhada e de sumo.”
Digno de inveja, sem dúvida, o mais rico pomar de toda
a ilha que o Capitão do Donatário, Rui Gonçalves
da Câmara, mandou plantar na sua quinta do Cabouco, “onde
tinha uma fonte de água, além de muitas árvores
de espinho de toda a sorte; não faltavam grandes castanheiros
e nogueiras, pereiros e pereiras, e outras frutas e árvores.”
Isto que está expresso na página 275, não
constitui revelação alguma pois que, previamente
(página 166), Frutoso faz referência a esta “riquíssima
quinta celebrada em toda a ilha”, devido à abundância
de cerejas e ginjas, peras e peros, maçãs e romãs,
nozes e castanhas, e fruta de espinho de toda a sorte.
Igualmente de muita importância e riqueza, temos o grande
pomar de Jorge Nunes Botelho, localizado no lugar Rosto do Cão,
freguesia de S. Roque, “com uma centena de grandes laranjeiras,
muitos limoeiros e limeiras, cidreiras e fruteiras, pereiros e
albricoqueiros, macieiras e marmeleiros, figueiras e amoreiras.”
(Página 168).
Voltando à Povoação Velha, lemos nas páginas
238 – 239 estarem ali plantados “muitos grandes e
riquíssimos pomares de toda a sorte de fruta e espinho,
e de muitas outras frutas”, tais como: maçãs,
peras, albricoques, damascos, marmeleiros, pessegueiros, melocotoes,
amoreiras e figueiras.
A abundância , que mais tarde se verificou, era tanta “que
se carregavam navios de maçãs, pêssegos e
outra frutas p’rá ilha Terceira e outras ilhas de
baixo.”
Em água d’Alto (páginas 157 – 158) havia
muitos pessegueiros, figueiras e pereiras, enquanto a vizinha
Água de Pau (Página 161) assemelhava-se a “uma
rica quinta e deleitoso jardim, com seus pomares de muita fruta.”Por
seu turno, a “minha”Ribeira Grande corria donairosa
“com seus jardins e pomares de diversas árvores frutíferas.”(Página
188).
Convém ainda relembrar que o Convento de Jesus da Ribeira
Grande foi edificado precisamente no pomar das casas de Pedro
Roiz da Câmara. (Página 269).
Na página 197, Frutoso faz referência a umas árvores
agrestes, “que dão um fruto tão grande e vermelho
como ginjas, mas ao gosto são azedas, e o sanguinho dá
outro fruto como cerejas, muito doce, que embebeda.”
Entre a Ponta da Lobeira e a Ponta da Garça, “sai
ao mar um ribeira que se chama da Amora, por haver muitas amoras
ao longo dela.” (Página 151).
Por mal dos meus pecados, nada logrei na minha escrupulosa pesquisa
acerca das ameixas.
Por isso, recorri ao cancioneiro e de lá “apanhei”as
seguintes e sumarentas quadras:
Os homens entre as mulheres
É um caso belicoso;
É c’m a ameixa madura
Na bca d’algum guloso.
Fui ao céu por uma ameixa,
Desci por um cacho d’uvas;
Ninguém se fie nos homens,
Que são falsos como Judas.
Já não há quem queira dar
Uma ameixa por um pataco,
P’ra tirar uma nódoa,
Qu’eu trago no meu casaco.
Ameixa roxa, sentimento,
Bem sentido aqui eu ando,
Por causa de ti, meu bem,
Há tanto que estou penando.
Ameixa roxa, sentimento,
Bem sentido estou;
Não me cabe no meu peito
Amor a quem me deixou.
Olha-me p’ra esta ameixa
Qu’eu trago à mão canhota,
P’la lindeza que tem,
P’lo cheiro que ela bota.
Olha-me p’ra esta ameixa
Qu’eu trago à mão direita,
Tal é o cheiro que tem,
Qu’até raios d’amor deita.
Tenho ameixas cheirosas
Guardadas no meu baú,
P’ra dar ao meu amor,
Oxalá que sejas tu.
Tant. Ameixa, tanta lima,
Tanta silva, tant’amora;
E meu pai sem ter uma nora.
Tantão agrião na ribeira,
Tanta ameixa nos quintais;
Dei um beijo numa preta,
Jurei p’ra nunca mais.
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