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Por Ferreira Moreno
Depois de rever, e apreciar novamente, o excelente vídeo
" Corvo, Ilha de Sossego", (César Pedro TV
Productions), resolvi alinhavar umas ligeiras lembranças
acerca da mais pequena ilha açoriana que, nas palavras
de Guido de Monterey, " é um singular e travesso devaneio
da natureza."
César Pedro, continental residente no Canadá,
e esposa Nellie Pedro, natural da Graciosa, são os realizadores
do popular programa televisivo " Gente da Nossa" em
Toronto, a quem os Açores devem um rico quinhão
de propaganda e publicidade.
Relativamente ás razões que se congregaram p'rá
denominação de Corvo a esta minúscula ilha"
de muita graça e quietude" as opiniões diversificam-se.
Há quem diga que tal adveio ou por apresentar ao longe
a figura dum corvo, ou por nela se encontrarem corvos. Ferreira
Drumond (1796-1858), no entanto, afirma " ser mais provável
que este nome se lhe deu da sua cor, que imita a mais negro corvo."
Não deixa, porém, de ser curioso
o facto de que, muito antes da sua integração na
Coroa portuguesa, esta ilha era já conhecida por "
insula corvi marini", ou seja, ilha do corvo marinho. Em
inglês diríamos Cormorant Island e não
Raven Island, visto que corvo marinho (cormorant)
é uma ave palmípede da família dos Falacrocoracídeos,
cujos dedos dos pés unem-se por uma membrana, enquanto
o corvo (raven) é um pássaro da família
dos Corvídeos.
Reveste-se, igualmente, de certa curiosidade a lenda à
volta do general romano Marcus Valerius Corvus (c.370-270 antes
de Cristo). No sexto volume da Enciclopédia Britânica
somos informados que um corvo (Raven), pousando no capacete do
general em combate com um gigante gaulês, concorreu p'rá
vitória do romano ao distrair o inimigo batendo-lhe com
as asas no rosto.
Com respeito ao descobrimento (?) em 1452 das ilhas das Flores
e do Corvo, avistadas aparentemente numa viagem de Diogo de Teive,
aqui deparamos com certa intriga patente em "Alguns Aspectos
da História Açoriana nos séculos XV e XVI"
(1982), da autoria do Padre Dr. Jacinto Manuel Monteiro da Câmara
Pereira. O objectivo, porém, destas lembranças não
está, de forma alguma, associado com controvérsia.
No que diz respeito ao povoamento da ilha do Corvo, Carlos Alberto
Medeiros ocupou-se deste assunto com clarividente sobriedade nas
suas edições (1967 e 1987 respectivamente) do seu
precioso livro " A Ilha do Corvo." Recomendo uma cuidada
leitura a quem estiver interessado. Por ora, a fim de não
roubar espaço a estas ligeiras lembranças, bastará
acentuar que o povoamento foi tardio e penoso, o que evidentemente
" teve grandes repercussões no modo como se foi dando
a evolução da paisagem humanizada."
Acrescento ainda as palavras do Dr. Ernesto do Canto, coordenador
do " Arquivo dos Açores", que observou: "
Só quando o desenvolvimento da população
das outras ilha atingiu certo incremento, se tornou fácil
a emigração para ali."
Através da imprensa regional tive conhecimento que este
ano, p'rás festas d'Agosto em honra da padroeira Nossa
Senhora dos Milagres, a ilha do Corvo recebeu elevado número
de visitantes (300), quase tantos quantos os residentes (400).
Mas tempos houve quando a população do Corvo ultrapassava
um milhar, se formos dar crédito ao testemunho de João
Soares de Albergaria e Sousa atribuindo-lhe 1.589 habitantes.
(Corografia Açórica, 1822), enquanto Acúrcio
Garcia Ramos aponta-nos a figura de 879 habitantes.(Notícia
do Arquipélago dos Açores, 1871).
Obviamente que, daí p'ra cá, o
escoamento da população tem-se intensificado, devido
ao facto de "serem muitos os que dali saem p'rá América
e p'rás baleeiras."( Ferreira Drumond, Suplemento
aos Anais da Ilha Terceira).
Relativamente à assistência religiosa, fomos informados
por Carreiro da Costa de que " a única povoação
da ilha do Corvo fora elevada a paróquia em 1674, e que
por essa altura se cuidara de começar a construir a igreja
local, dedicando-a a Nossa Senhora dos Milagres, e dotando-a com
um vigário, um cura e um tesoureiro. "
( Diário dos Açores, 20/Dezembro/74).
Antes disso eram os padres da vizinha ilha das Flores que, esporadicamente
e mormente na quadra quaresmal, se deslocavam ao Corvo, como ficou
devidamente apontado pelos mais antigos cronistas insulares. Outrossim
importa apontar que, antecedendo a Senhora dos Milagres, os corvinos
tinham erigido uma capela ou ermida no século XVI à
sua padroeira original Nossa Senhora do Rosário, cuja imagem
ali veio dar à costa, segundo reza a tradição.
Aquando do incêndio na igreja ocorrido em 1932, a pequenina
mas valiosa e artística imagem não sofreu quaisquer
danos. Foi esta mesma imagem que, num passado distante e milagrosamente,
ajudou os corvinos a repelir (por duas vezes) os ataques de piratas!
Um outro facto notável, e digno de registo, tem a ver
com um sacerdote lisboeta que trabalhou, por alguns aos, nas ilha
do Corvo e eventualmente viria a ser nomeado o primeiro bispo
dos Açores, quando a diocese d'Angra foi estabelecida aos
3 de Novembro de 1524 pelo Papa Paulo III e no reinado de D. João
III.
Trata-se do Padre Agostinho Ribeiro, natural de Lisboa (e não
de Braga ou das Ilhas), o qual se compadeceu com a situação
prevalecente na ilha do Corvo, que se encontrava algo abandonada
e carecida da administração dos sacramentos. Visto
que os Açores nunca pertenceram à diocese de Lisboa,
mas sim à Ordem de Cristo com sede em Tomar, e depois ficaram
sujeitos à diocese do Funchal ( Madeira), o Padre Ribeiro
requereu da diocese funchalense a necessária autorização,
preparou as malas e partiu p'ró Corvo.
Apesar das longas e fatigantes horas a folhear livros sem conta,
goraram-se todas as minhas expectativas em descobrir a data da
sua partida e os anos de permanência na ilha. Não
foi certamente em 1503, como escreveu o Padre José António
Camões (1777-1827) no seu" Relatório das coisas
mais notáveis que haviam nas ilhas das Flores e Corvo,
1822", visto que a ilha estava ainda desabitada. Nem tão-pouco
foi em 1521 pois que, como adiante direi, já ele se encontrava
de regresso em Lisboa.
O meu saudoso professor Cónego José
Augusto Pereira ( 1885-1969), no seu livro " A Diocese d'Angra
na História dos seus Prelados, 1950", menciona a estadia
do sacerdote no Corvo com base nas informações transmitidas
pelo Padre Francisco de Santa Maria em O Céo Aberto
na Terra, publicado em Lisboa em 1697, com transcrições
insertas no primeiro volume do " Arquivo dos Açores."
Assim ficamos a saber que o Padre Agostinho Ribeiro exerceu,
de facto, uma autêntica missão apostólica
junto das trinta famílias existentes no Corvo. Mas uns
indivíduos viciados e de má vida indignaram-se contra
a acção reconciliadora do sacerdote, obrigando-o
a abandonar a ilha... o que ele fez a fim de evitar discórdias
entre o povo. Contudo, em Lisboa junto de D. Manuel (falecido
em Dezembro de 1521), continuou a advogar pelos interesses espirituais
de todos os açorianos...o que certamente lhe mereceu a
nomeação p'ra Bispo (o primeiro) da Diocese d'Angra
e Ilhas dos Açores!
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