Por Ferreira Moreno
Aparentemente, o fabrico da telha regional está
com os dias contados nas ilhas
É este a opinião de Hermínio Cordeiro, que
a transmitiu a Andreia Fernandes numa reportagem publicada no
"Diário Insular" de 16 de Fevereiro próximo
passado.
Hermínio Cordeiro confessou que gostava de encontrar alguém
p'ra trabalhar a telha e aprender o ofício, "mas nos
dias de hoje já não há quem queira fazer
este tipo de trabalho."
Natural da Graciosa e radicado na Terceira desde o tempo da tropa,
Cordeiro conta 72 anos d'idade e é o proprietário
do único telhal ainda existente na freguesia dos Altares.
Na sua maneira de ver as coisas e apreciar a situação,
Cordeiro afirmou: "A força desses rapazes novos não
sabe plantar uma couve!"
Fazendo uso da edição de luxo das
"Saudades da Terra", publicada pelo Instituto Cultural
de Ponta Delgada em 1998, deparei com a descrição
(Livro IV, página 179) que o Dr. Gaspar Frutuoso
nos legou àcerca duma Quinta, localizada no caminho entre
a cidade de Ponta Delgada e a freguesia da Relva , pertencente
a Francisco Ramalho .
Adentro dessa Quinta," toda cercada de alto mouro ",
Ramalho tinha os seus ricos aposentos, " uma câmara
de hóspedes ladrilhada de tijolo" e uma grande cisterna
onde se colhia a água "por canos dos telhados das
casas."
Visto que Frutuoso não especifica que o tijolo e a telha
eram importados do Continente, atrevo-me a supor que esse material,
muito provavelmente, era produzido "in loco." Aliás
o saudoso Dr. Carreiro da Costa deixou-nos a mesmíssima
suposição na série "Tradições,
Costumes & Turismo."
Porém, vai mais além o meu "afilhado"
Alfredo da Ponte, de Fall River, apontando a existência
de uma indústria de fabrico de telha na Ribeira Grande.
O proprietário desta fábrica seria Baltazar Vaz
de Sousa, "o qual deveria ter muito criados e escravos naqueles
serviço." ( Os FUSÍADAS, Primeiro Volume, pág.
128, Ed. 2001).
O título do livro supra-citado deriva da antiga alcunha
FUSEIROS atribuída aos ribeiragrandenses. Por mérito
próprio, o livro reveste-se de extraordinário interesse
devido à sistemática e inteligente recolha de apontamentos,
a que o autor se abalançou, a fim de apresentar a história
cronológica da Ribeira Grande nos séculos XV e XVI.
Por minha parte, cumpre-me mencionar que Frutuoso faz referências
à Ribeira do Telhal (Página 244) e ao lugar povoado
do Telhal da Ribeira Seca (página 65). Novas e repetidas
referências são feitas ainda aos moradores do TELHAL
da Lomba da Ribeira Grande. P'ra tal bastará consultar
as páginas 100, 232, 248, 249, e 286, do livro IV das "Saudades."
E uma vez que telhal significa "lugar ou forno onde se cozem
as telhas", só me resta relembrar o adágio
popular, que reza: "p'ra bom entendedor, meia palavra basta!"
É um facto que, presentemente, a nível regional,
a indústria e o comércio de telhas encontram-se
em vias de desaparecimento nos Açores. Mas após
uma rápida pesquisa em diversos livros, de que disponho,
verifiquei que ANTIGAMENTE foi notória a produção
de telhas em várias ilhas do arquipélago.
Não descurando a mais aperfeiçoada telha fornecida
pelos engenhos de cerâmica da Vila da Lagoa (S. Miguel),
merece particular referência a primitiva telha saída
dos fornos do Bandejo da Ribeira Seca da "minha" Ribeira
Grande.
No testemunho de Carreiro da Costa, o fabrico de telha, no Bandejo,
"constitui uma curiosidade digna de ser apreciada, assim
como o fabrico de sertãs e tijolos."
Numa comédia popular micaelense, a seguinte alusão
é dirigida às sertãs do Bandejo:
Também se fazem sertãs,
Mas por um preço elevado,
Sem de tal terem razãs.
E há lá uns intrujãs
Que vendem tudo rachado.
Por causa duma sertã
Tive uma briga travada;
Dei na mulher um cachação
Por ter dado um dinheirão
Por uma toda quebrada.
Na mesma veia cómica, temos aquela bem conhecida quadra:
"Eu fui à Ribeira Seca/ Entre todas afamada/ Dá
telha p'ra toda a ilha/ Uma inteira, outra quebrada."
E já termino, ajuntando ainda as seguintes quadras com
um amoroso sabor popular:
As telhas do meu telhado,
Quando chove, estão molhadas;
Falinhas da minha boca
P'ra ti estão acabadas.
As telhas do teu telhado,
As pedras do teu balcão,
é que são as testemunhas
Se te quero bem ou não.
As telhas do meu telhado
Deitam água sem chover;
Trocaste-me a mim por outro,
Inda te hás-de arrepender.
As telhas do teu telhado
São de barro, têm virtude;
Passei por elas doente,
Logo fiquei de saúde.
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