Temas do Espírito Santo

Por Ferreira Moreno

O padre vicentino Bernardino José de Sena Freitas, nascido em Ponta Delgada (S. Miguel) aos 21 de Julho de 1840 e falecido no Rio de Janeiro (Brasil) aos 22 de Dezembro de 1913, ao abordar o tema dos Impérios do Espírito Santo nos Açores não oferece a data exacta da sua fundação, mas em contrapartida afirma ser verosímil que eles hajam sido estabelecidos nas ilhas "não muitos anos depois dos primeiros do seu povoamento." (Arquivo dos Açores, Volume I).

E prossegue: "Sabemos que em Angra, sendo ainda Vila, já pelos anos de 1492 se fazia um esplêndido Império, então denominado dos nobres, tendo uma Ermidinha com a invocação do Espírito Santo, e à porta desta davam o bodo; superintendendo depois nesta festividade a Santa Casa da Misericórdia. Sabemos por documento do ano 1523, que muitos anos antes deste havia Impérios na Vila da Praia da Ilha Terceira com grande bodo, saindo o Imperador da Casa da Misericórdia da dita Vila."

Relativamente à Ilha de São Miguel, e por carência de documentos que possam adequadamente provar a época em que tais impérios foram aí estabelecidos, Sena Freitas inclina-se p'ra probabilidade deles terem começado em Vila Franca do Campo, "por ter sido a primeira Vila desta ilha." E, de imediato, confessa: "Apenas poderemos marcar o ano em que se estabeleceu o primeiro Império na Cidade de Ponta Delgada, o qual tomou a denominação de Império dos nobres, porque nobres eram os que a erigiram."

E embora o Consistório da Santa Casa da Misericórdia tivesse realizado aos 15 de Novembro de 1665 uma reunião, proposta pelos devotos do Espírito Santo, a fim de se organizar uma Irmandade, "como em todas as ilhas há, e em o reino", elegendo imperador, mordomos e mais pessoas p'ra tal ministério, o certo é que "por motivos, talvez de difícil explicação, só oito anos depois é que teve lugar a primeira coroação aos 9 de Abril de 1673."

Por seu turno, Marcelino Lima que a difusão por todo o arquipélago açoriano dos festejos do Espírito Santo remonta ao ano de 1523, quando uma devastadora epidemia assolou a ilha de S. Miguel, vitimando milhares de pessoas. Aos 22 de Outubro do ano precedente, Vila Franca do Campo havia sido arrazada por um violento terramoto ...

Diz-nos Marcelino Lima que: "Os habitantes das demais ilhas, aterrorizados, voltaram-se p'ro céu, implorando o socorro do Divino Espírito Santo, com a promessa de servi-lo e de distribuírem pela pobreza as primícias dos seu campos. Extinguiu-se a epidemia. Gratos os povos instituíram, então, irmandades em louvor do espírito Santo, celebrando grandes festas, com folias e bailes, e distribuindo bodo aos pobres, conforme praticara a rainha santa. Assim se tem cumprido, e sempre devotamente, sempre com o enternecido espírito de caridade, de sorte que é, hoje, a festa mais popular e querida, feita em todos os recantos da terra açoriana. Tão integrada anda na ética da gente dos Açores, que até entre a colónia ilhoa espalhada pelos Estados Unidos da América, em New Bedford, Fall River, na Califórnia, se festeja o Espírito Santo com a mesma devoção e usos da mãe-pátria."

Assim se expressou Marcelino Lima em "Anais do Município da Horta", ajuntando ainda a seguinte advertência: "As folias e bailes não eram costume privativo das festas do Espírito Santo, nem foram invenção da Rainha Santa Isabel."

É igualmente Marcelino Lima quem nos informa que os bailes e folias dentro das igrejas forma interditos, pela primeira vez, em 1558 por D. Frei Jorge de Santiago, terceiro bispo dos Açores (1552-1561).

Recordo-me agora que foi precisamente este bispo quem em 1559, justamente pela festa do espírito Santo, promoveu na Sé da Angra o único Sínodo dos Açores, cujas constituições foram publicadas em 1560. Evidentemente, como não podia deixar de ser, nestas Constituições Diocesanas são visadas as Festas do espírito Santo, sobretudo as despesas e abusos de comes-e-bebes, bem como a proliferação de superstições alheias à devoção ao Divino Espírito Santo.

P'ro meu saudoso professor Cónego José Augusto Pereira (1885-1969), nas suas preciosas "Notas Históricas", as intervenções das autoridades eclesiásticas, através de censuras e leis (Constituições do Bispado). Coibindo abusos ou estabelecendo preceitos no intuito de regulamentar a popular devoção ao Espírito Santo, "apresentam-nos actualmente um interesse etnográfico, que não simplesmente histórico, pois que nos dão notícia de vários usos e abusos que o Povo, a quem esta devoção ficou entregue, nela foi introduzindo no rodar dos tempos."

De facto, é opinião unânime e reconhecida que em cada ilha açoriana, mesmo em cada freguesia, se estabeleceram formas diferentes de honrar o "Senhor Espírito Santo" ... formas. Que em parte ainda conservam, noutra se foram alterando, também diferentemente, conforme a índole de cada povo.

Francamente não sei se foi descuido dos padres em instruir os fiéis, ou atrevimento derivado da ignorância de muita gente, o certo é que se foram registando abusos, aqui ou ali, em descrédito da referida devoção ou desrespeito geral das coisas e pessoas da Igreja, obrigando os bispos a intervir o mais conveniente possível ou urgentemente.

E assim temos, por exemplo, D. Jerónimo Teixeira Cabral (1600-1612) proibindo que os foliões das Festas do Espírito Santo bailassem na capela-mor das igrejas aquando das "coroações dos imperadores." Até mesmo os padres ficaram proibidos de participar nas SOPAS e ALCATRAS, revestidos de sobrepeliz e estola!

Ficou célebre o bispo D. António Vieira Leitão (1694-1714) ao proibir os chamados IMPÉRIOS DE MULHERES, "que se fazem sob pretexto de festejarem o Espírito Santo, mas não servem mais que para se ofender com eles o mesmo Senhor, pelos enfeitos indecorosos e profanos de que as ditas mulheres usam em tais actos, e pelo concurso de homens que a eles vão com práticas indecentes e outra enormidades, de que resulta geral escândalo."

Os "Impérios de Mulheres" seriam novamente reprovados por D. Frei Valério do Sacramento (1738-1757), na sua Pastoral; de 2 de Fevereiro de 1745. Conforme o testemunho do meu bom amigo Valdemar Mota, (Santa Sé do Salvador, Igreja Catedral dos Açores), a fidalguia angrense mostrou-se algo antagónica com a vinda deste bispo p'ra diocese, alegando tratar-se dum frade capucho sem distinção alguma. Mas D. Frei Valério conseguiu granjear grande popularidade devido às suas atitudes, seguras e justas, aliadas às suas virtudes de bondade e modéstia, e ainda o seu espírito de pobreza.

Esta casa está tão cheia,
Cheia de canto a canto,
Basta nela assistir
O Divino Espírito Santo

Hoje vem o Espírito Santo,
Os anjos lhe vêm cantando,
Todos em celeste canto,
Mil louvores lhe vêm dando.