|
Em crónica anterior, citando o saudoso vila-franquense
Dr. Urbano de Mendonça Dias (1878-1951), deixei dito que
os nossos antepassados, não usavam cortar o cabelo que
lhes crescia até os ombros, e a barba descia a tomar-lhes
o peito” (A Vida de Nossos Avós, Oitavo Volume, Página
46, Edição 1948).
No entanto, apontei ter havido a tradicional excepção
à regra, pois que Gaspar Frutoso afiançou-nos, por
seu turno, que lá prás bandas do Nordeste de S.
Miguel, ao passar pela Lomba de Rui Garcia e lomba do Meio, situava-se
a ribeira do Tosquiado, assim chamada devido à alcunha
dum homem, e que “se tosquiava sempre e não deixava
crescer o cabelo”.
(Saudades, Lv. IV, Vol II Pág. Ed. 1981) Mas, aparentemente,
foi ao norte da mesma ilha, ou mais precisamente na Ribeira Grande,
que um indivíduo grangeou as honras de ser, entre todos
os demais, o primeiro tosquiado dessas eras antigas.
É o próprio Frutuoso quem, novamente, no mesmo livro
e volume (páginas 200 e 201) nos oferece tla novidade:
“O primeiro indivíduo que nessa ilha se tosquiou
foi um Estevão Fernandes, morador na vila da Ribeira Grande,
e por iso lhe puseram nome o Tosquiadom donde ficou esta alcunha
a seus filhos e netos e mais descendentes, porque naquele tempo
e dantes traziam o cabelo comprido eas barbas raspadas, somente
cortavam na testa, por desafrontar o rosto, o cabelo que lhe dava
pelos ombros”.
Assegura-nos Frutuoso que, de facto, o indivíduo que trazia
o cabelo mais comprido:
Esse se tinha por mais galante, e os outros que não tinham
um bom cabelo o compravam a outros e traziam cabeleiras postiças
por galanteria e as levavam à igreja”, aos domingos,
nos dias santos e quanto havia festa lá na terra.
Não é, pois de admirar que um Domingo Pires, também
da Ribeira Grande, se tenha recusado em aceitar um vestido, que
lhe queriam dar, em troca do seu prezado cabelo!
Como curiosamente observou Frutuoso:
“Se não eram então os homens curiosos nos
vestidos, a curiosidade que neles faltavam punham nos cabelos,
porque costumavam trazer cabeleiras postiças, as quais
pela semana tinham curadas, loiras, formosas, guardadas e imprensadas,
para trazerem por festa aos domingos e pelas Festas.”
Estou em crer que, se a esse tempo fosse organizado um concurso
p´rá escolha do maior cabeludo, o prémio de
vencedor seria entregue ao pedreiro que, por arrematação,
se responsabilizou pela construção da Ponte da Ribeira
Grande.
Chamava-se ele Fernão d´Alves, “que era de
catorze anos quando veio a esta terra e viveu nela noventa e seis
anos sem nunca cortar o cabelo, com o mesmo com que nasceu e enterraram.”
Faleceu, consequentemente, com a provecta idade de 110 anos cavelo
a servir-lhe de casacão!
E agora, à guisa de passatempo, umas “amostras”
do Cancioneiro Geral dos Açores:
Esses teus lindos cabelos,
Que te dão pela cintura,
De noite te servem de cama,
De dia de Formosura.
O cabelinho enrançado
Serve de toda a maneira,
De dia serve de enfeite De noite de travesseira.
Desenrola o teu cabelo,
Não o tragas enrolado,
Não enganes mais ninguém,
Como me tens enganado.
Foste dizer que sou velho
E eu acho que tens razão:
Tenho neve no cabelo,
Tu tens no coração.
Linda trança de cabelo,
Não a cortes, minha rosa,
Que uma trança de cabelo
Faz uma feia formosa.
Esse teu cabelo loiro
Penteado não se enriça,
Ao domingo na igreja
Quem te vê não ouve missa.
A moça, p´ra ser moça,
Deve ser branca e rosada,
Cabelos loiros e finos;
Cinturinha delicada.
Os teus cabelos são laços,
Laços assim nunca vi;
Todos passam e não caem,
Só eu passei e caí.
Estas meninas d´agora
Não precisa d´espelho:
Cabeleiras à garçone,
Sainhas p´lo joelho
Estas meninas d´agora
Só comem sopinhas quentes,
P´ra pouparem dinheiro
P´ra fazer permanentes.
A trança do teu cabelo
Quando a trazes destrançada,
E a rede onde se prende
A minh´a alma apaixonada.
Estas meninas d´agora
São como os figos caídos:
Usam o cabelo às postas
P´ra tapar os ouvidos.
|