Toureiro e Aventureiro


Por: Ferreira Moreno



Francisco Moniz Barreto Corte Real

Francisco Moniz Barreto Corte Real, terceirense natural da Praia da Vitória onde nasceu aos 24 de Novembro de 1868, tornou-se conhecido originalmente como cavaleiro amador tauromáquico. No entanto, celebrizou-se notavelmente ao perfazer um invulgar travessia interinsular (Terceira-São Minguel), avaliada em 90 milhas com a duração de 31 horas, utilizando um barco de papel.
De facto, essa jornada histórica foi realizada a bordo duma pequena embarcação feita de papel de jornais colados uns aos outros. Sem dúvida alguma, uma viagem altamente arriscada, pois que o aventureiro não tinha praticamente, os devidos conhecimentos náuticos p’ra tamanho empreendimento. De companhia serviam-lhe, apenas, um garrafão com água, uma garrafa d’aguardente, e oito pães.
A partida tece início em Angra na madrugada do dia 17 de Maio de 1895, e achegada a Ponta Delgada na manhã do dia seguinte. Passo agora à narrativa com base nas informações extraídas do livro “Tauromaquia Terceirense”, publicado em 1986, da autoria de Pedro de Merelim (Joaquim Gomes da Cunha, 1913-2001). Farei uso, igualmente, dum valioso trabalho (1995) assinado pelo abalizado investigador Miguel de Figueiredo Corte Real, de New Bedford, MA.
O barco, posteriormente chamado “Autonomia” e presentemente albergado no Museu d’Angra, foi o produto duma lembrança que ocorreu a José António Teles Pamplona, antigo capitão da marinha mercante e patrão-mór do porto d’Angra. A fim de preencher algumas horas de recreio e bordejar na baia d’Angra, resolveu ajuntar jornais e construir um barco de papel.
E conseguiu fazê-lo passado pouco tempo, embora se tratasse dum bote com apenas três metros de comprimento e um metro de largura.
O barquinho foi depois oferecido a um filho de Henrique de Castro que, por sua vez, o emprestou ao Francisco Moniz Barreto Corte Real. Apesar, de, oficialmente, o barco estar autorizado a bordejar apenas na baía d’Angra, Corte Real aventurou-se em navegar rumo a Ponta Delgada, onde foi acolhido triunfalmente.
No seu regresso a Angra, a bordo do navio “Funchal”, Corte Real foi alvo duma memorável recepção contando cerca de quinze mil pessoas!
O sangue da aventura, porém, escaldava-lhe nas veias. Segundo o testemunho de Pedro de Merelim, em 1 de Setembro de 1899, novamente a ocultas da autoridade, Corte Real mete-se numa chalupa de cinco toneladas, (sete metros de comprimento por Três de largo), e resolve deixar Angra rumo a Lisboa.
Nos primeiros quatro dias navegou sempre debaixo de temporal, chegando a perder o pano do barco, mas ao oitavo dia de viagem já se encontrava a umas sessenta milhas da costa de Portugal. Com terra à vista e esperançado em alcança-la em poucas horas, decidiu dar descanso ao corpo, estendeu-se à proa da chalupa. Mas, por infelicidade caíu-lhe a retranca na cabeça, ferindo-o e deixando-o sem sentidos na embarcação.
Ergueu-se, no entretanto, um vento nordeste lançando a chalupa à deriva a caminho da América do Norte. A cerca de trezentas milhas dos Açores, Corte Real recuperou os sentidos. Ainda que atordoado e esfomeado, esforçou-se em remediar a situação e encontrar socorro. Valeu-lhe o aparecimento do patacho inglês “Clementine”, que singrava da Terra Nova p’ra Cartagena (na costa sudeste espanhola).
Feita a aproximação, Corte Real dá a entender que só necessitava de comida p’ra prosseguir viagem, mas de imediato é acometido por outro contratempo. Um golpe de mar despedaça a chalupa contra o costado do patacho. Salvo a bordo do “Clementine”, Corte Real ficou-se a ver boiar, p’ra sempre perdida, a sua chalupa.
Desembarcado em Cartagena, Corte Real dirigiu-se ao Consulado de Portugal, sendo-lhe fornecido passagem p’ra regressar a Portugal de comboio. Após treze dias de viagem, alimentando-se com pão torrado, ovos, melancias, água e vinho, Corte Real chegava a Lisboa aos 7 d’Outubro.
Em data que não consegui precisar, Corte Real embarcou p’rós Estados Unidos, onde viria a falecer em 1939.
Termino transcrevendo o testemunho do nosso bom amigo Miguel de Figueredo Corte Real, de New Bedford: “Alguns anos mais tarde, Francisco Moniz Barreto Corte Real emigrou p’ra esta cidade de New Bedford, juntando-se à sua mãe, irmãos (Miguel e Luis) e à irmã (que viveu em New York). Depois casou-se e residiu em Martha’s Vineyard, onde aos 16 d’Outubro de 1939 faleceu, sendo sepultado no cemitério de Edgartown.