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Por: Ferreira Moreno
As procissões dos enfermos enquadram-se
bem adentro das tradições pascais. Refiro-me evidentemente,
aos cortejos processionais quando, logo após à festa
do Domingo de Páscoa, os sacerdotes percorrem a freguesia
a fim de levar a Sagrada Comunhão aos doentinhos acamados.
É certo que, nas nossas ilhas, esta tradição
não é promovida com a característica e extraordinária
solenidade que se observa, por exemplo, no micaelense Vale das
Furnas, onde ainda hoje se realiza a mais vistosa e, por isso
mesmo, a mais afamada Procissão dos Enfermos.
Sem menosprezo p'rás restantes freguesias, é nas
Furnas que nos é dado presenciar os lindíssimos
tapetes compostos de flores, mormente azáleas, cobrindo
as ruas p'rá passagem do emocionante cortejo.
A azálea no adro
Deita cheiro na igreja;
Quem tem o seu bem à vista
Tem tudo quanto deseja.
Tenho à minha janela
O que tu não tens na tua:
Um vaso de azáleas
Que dá vista em toda a rua.
Minha azálea encarnada,
Alegria dos mortais,
Foi sina com que nasci
Querer-te cada vez mais.
À cancelinha do adro
Mandei por um tamborete;
Assenta-te aqui, meu bem,
Minha azálea, meu ramalhete.
Os tapetes são formados em moldes
de madeira, onde se dispõe grande variedade de flores,
(azáleas, camélias, jarros e brincos), entre o verdinho
de criptomérias picadas, produzindo as mais atraentes combinações,
onde sobressai o encarnado das azáleas. De facto, mais
do que tantas outras flores, são as azáleas vermelhas
aquelas que guardam o segredo luminoso da cor.
A este respeito escreveu o saudoso Dr. Cortes
Rodrigues: "Quando se percorrem as ruas das Furnas, nesse
dia em que todas elas se transforma num tapete florido, é
fácil de destacar a valia decorativa destas azáleas;
se lhes dá o sol, aquele sol em que todos os tons se avivam,
ao pé delas logo as demais flores se apoucam. Não
é o excesso da cor, em duas gamas de vermelho, que lhes
dá essa superioridade, mas um poder de irradiação
que ofusca o confronto com qualquer outra que lhe fique ao pé."
(Voz do Longe, II Vol.).
A azálea, na cultura chinesa, além de representar
a graça feminina, representa também uma trágica
flor das lágrimas de sangue derramadas por um rapaz transformado
em cuco pela sua cruel madrasta.
A azálea do meu quintal
Arrebenta pelo pé;
Assim se torcesse a língua
De quem diz o que não é.
Azálea linda, viçosa,
Plantada ao pé do tanque;
Dá-lhe o vento, dá-lhe a chuva,
Cada vez é mais galante.
Azálea no outeiro
Qualquer vento a desfolha;
Toda a moça que é bonita,
Qualquer moço a namora.
A flor da azálea
Não quer ser apedrejada;
É c'má moça donzela
Que espera ver-se casada.
Apenas a título de curiosidade, seja-me
permitido apontar que, em inglês, a ortografia da palavra
azálea é semelhante à nossa (sem acento,
claro), mas com pronúncia diferente acarretando o som
fonético de azeilia
Oh! Que bom jardim de flores!
O meu regalo é
Olho de lado a lado,
Não vejo senão azáleas.
Alecrim verde é memória,
Rosa branca bem-querer,
Azálea são saudades,
Muitas vezes de te ver.
Transitando agora de floricultura p'rá
culinária, temos os folares que "são confeccionados
pela Páscoa, com a mesma massa dos bolos de massa sovada,
diferindo apenas pelo facto de terem no topo ovos semiembutidos,
e presos por cordões da mesma massa." (Augusto Gomes,
Cozinha Tradicional da Ilha de São Miguel)
Nas palavras de Natacha Pastor, (Terra Nostra,
17/Abril/03), "o folar é, por excelência, o
pão tradicional da quadra pascal. Por um lado, recorda
o pão que Jesus repartiu com os discípulos na Última
Ceia; e por outro, e porque coroado por um ovo, encarna o símbolo
do renascimento e ressurreição do mesmo Jesus."
Nas ilhas, antigamente, era tradição incumbentes
aos padrinhos presentear os afilhados com um folar, por ocasião
da festa da Páscoa. Bem assim era tradição,
em nossas casas, servir um folar como sobremesa no domingo de
Páscoa.
Adeus, adeus, minha terra,
Minha terra tão querida,
Tens um cravo na entrada,
Uma azálea na saída.
Adeus, bonita azálea,
Adeus, mimosa flor,
Adeus, fina saudade,
Adeus, meu lindo amor.
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