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Por: Ferreira Moreno
Apenas de títulode curiosidade, e ainda
que ligeiramente, tenciono discorrer nesta crónica cerca
de três itensílios de barro que, antigamente, eram
de muita estimação por parte da gente das nossas
ilhas. Devido à sua feição regional e respectivas
funções caseiras, não é exagero acrescentar
que tais objetos, em tempos passados, constituíram preciosa
parcela do nosso património tradicional.
Refiro-me, especificadamente, ao talhão, ao alguidar e
à terrina, produtos genuínos da olaria insular e
muito cobiçados nas cozinhas rurais. Presentemente, encontram-se
na ctegoria de peças de museus, mas deles não me
hei esquecdo, nem tão pouco se esvairam as saudades que
por eles ainda sinto.
Confesso que foram muitas as recordações que se
avivaram na minha memória ao ler as referências que,
em Novembro de 1967, Carreiro da Costa registou na série
“Tradições, Costume & Turismo”.
O saudoso “mestre” apontou que o talhão era
o reservatório da água para toda a casa. De água
que, ou se trazia de fora, do chafariz mais perto, às costas
me talhas, ou se derramavam da bica aberta sobre ele. O talhão
era câmara frigorífica, porque à sombra, como
estava e feito de barro cozido, água que caísse
nele e aí se conservasse, adquiria a mais agradável
das frescuras. Cantava, a água, de modo estranho quando
nele caía, derramada da talha ou do barril ou tombada da
bica. Era um barulho que se repercutia p´la casa toda, como
uma nota de fartura e de frescura que a todos enchia de tranquilidade.
O alguidar, quer grande quer pequeno, dava num jeito quase indispensável
às dinas de casa. Era no alguidar grande que a farinha
era escaldada, amassada e depois retirada e tendida p´ra
entrar no forno na forma de pães. Era igualmente no alguidar
grande que a roupa era lavada e torcida, prá depois ser
estendida a secar.
Era num alguidar pequeno que se levava a roupa p´ra ser
lavada na ribeira. Era também num alguidar do mesmo tipo
onde se migavam couves e batatas, preparando-se assim um cheiroso
caldo p´rá ceia. Mais ainda, era num alguidar pequenino
que se “governava” e se temperava o peixe.
Por sua vez, a terrina servia prós caldos e guisados. A
este propósito, Carreiro da Costa anotou: “Terrina
onde as sopas repousam e amolecem. Os fervedouros se concentram,
os caldos de azedo se abafam, os guisados de carne ou de peixe
aguardam o momento de servir, as ceboladas gostosas e as feijoadas
bastas fazem estação pr´o seu passo final”.
Estou agora a lembrar-me do “despique” travado entre
o António Inácio (1836-1905) e o José Francisco
da Terra (1822-1901) célebres repentistas terceirenses,
quando o Inácio desafiou o Terra com a seguinte quadra:
“Eu encontrei tua mãe / Levando-te pela mão
/ Quem te via pensava / Que eras um canjirão” ao
que o Terra ripostou: “És o homem mais mal feito
/ Que tenho visto no mundo / Tu nem prestas p´ra talhão
/ Tens um buraco no fundo”.
A memória benquista do meu professor, Monsenhor José
Machado Lourenço, aqui transcrevo so versos que ele nos
legou:
És na cozinha sagrado,
Talhão de Santa Maria!
Louvado sejas, louvado,
Por quem gostas d´água fria.
Já não sabe a sua idade
O meu velhinho talhão!
Vai passando com saudade
Duma a outra geração.
Seu humilde nacimento
Perdeu-se pelo passado...
Quem viu tanto casamento?
Quem viu tanto baptizado?
Quando chia, conta histórias
Que ouviu a nossos Avós...
Ai que saudosas memórias
P´ra que lhe entende a voz!
O meu lar é pobrezinho?
Não é em trigo abundante?
Mas tem paz, o amor dum ninho,
Água fresquinha, cantante!
Ao talhão ninguém descobre
Em morada principesca
Só a casita do pobre
Leva a sua aguinha fresca!
Riem-se dele? Que importa!
Não se riam de Jesus?
Se ressucita água morta
Sofra alegre a sua cruz!
Há tantos anos ausente
Do Talhão da minha casa,
Sinto sede tão ardente,
Que minh´alma corpo abrasa!...
Só o regresso à Terceira
Será remédio, Talhão!
Nesse dia, da lareira
Há-de se o coração!
Casa nova, tudo novo,
Querem todos casar!
Só tu passas, entre o povo,
Do desfeito a o novo lar!
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