|
Por: Ferreira Moreno
Li algures que o célebre novelista frânces
Júlio Verne (1828 – 1905) esteve duas vezes em Portugal,
e foi por isso lembrado na Rádio Difusão Portuguesa.
Não lhe faltou ocasião para conversa com escritores
nossos. Tais como Ramalho Ortigão (1836-1915) e Pinheiro
Chagas (1842-1895). Porém, não esteve nos Açores,
mas parece provável que o seu agente de viagens contribuiu
para excitar a imaginação de Júlio Verne
no sentido de fornecer páginas açorianas.
Confesso que, após demorada investigação,
não encontrei em parte alguma vestígios da estadia
de Júlio Verne em Portugal, excepto que Eça de Queirós
(1845-1900) teria feito a descrição da cidade de
Pequim e da China em O Mandarim, baseando-se em elementos colhidos
da leitura de “Atribulações dum chinés
na China” da autoria de Júlio Verne.
A curiosa informação, acima transcrita, está
incluída no Volune 34 da Grande Enciclopédia Brasileira
Portuguesa, onde igualmente se diz que Júlio Verne refere-se
injustamente aos portugueses, quer atribuíndo a nacionalidade
espanhola aos nossos navegadores, quer ainda assacando-as nos
crimes de escravatura.
Desde já declaro que não é minha intenção
atear qualquer imbróglio, e muito menos desperdikçar
boa cera com mau defunto. Esta crónica destina-se simplesmente
a desmentir ser da autoria de Júlio Verne os dois pequenos
volumes com o título “ A Agência Thompson &
Companhia”, onde são largamente mencionadas as ilhas
do Faial, Terceira e S. Miguel.
Em primeiro lugar, devemos ressalvar a data do falecimento de
Júlio Verne em 1905 e a data da publicação
do livro em 1907. Claro que seria viável alvitrar ser uma
obra póstuma, com base num manuscrito original. Mas neste
particular caso, o argumento carece de credibilidade, devido à
comprovada inexistência do respectivo manuscrito alegadamente
atribuído ao profelítico novelista.
Então, quem escreveu “A Agência Thompson &
Companhia”, ou a quem se deve a responsabilidade da sua
publicação?
Eis a resposta: Michel Verne! Foi ele quem escreveu o texto integral
e seguidamente publicou a referida obra.
Quem tal afirma, categoricamente, é a “North América
Jules Verne Society, Inc”. Fundada em 1993. Na lista apresentada
das obras publicadas postumamente, (algums modificadas, outras
revisadas ou escritas por inteiro), encontra-se o aviso anotado
que Júlio Verne não deixou qualquer manuscrito p´ra
novela “A Agência Thompson”. Este livro foi
totalmente escrito por Michel Verne, filho de Júlio Verne.
Fica assim desfeito um mitoem relação ao pai, atribuindo-se
ao filho o devido crédito. Mas francamente, ainda gostaria
de descobrir aonde foi que Michel Verne teve a oportunidade de
ir buscar tanta informação acerca dos Açores...
Desnecessário acrescentar que tenho e li os dois volumes,
narrando a excursão num barco fretado por uma agência
inglesa, com destino aos arquipélagos dos Açores,
Madeira e Canárias. A edição é de
1979 e foi distribuida pela Livraria Bertrand, com tradução
de J. B. Pinto da Silva e Diogo do Carmo Reis.
Achei fantasticamente complexa a descrição toponímica
do Faial, e saliento a excessiva ironia do autor apontando que
“as casa que bordam a rua Horta são grosseiramente
construídas, de extrema porcaria, com o rés-do-chão
ocupado por cavalariças e estábulos, enquanto os
andares superiores (reservados aos habitantes) estão repletos
dos aromas mais aborrecidos e dos insectos mais ignóbeis”.
Por sua vez, a Terceira não mereceu melhores encómios.
Em “Festas do Pentecostes” presenciamos um cenário
de grande pânico em Angra quando, no desfilar duma procissão
presidida pelo bispo “com seu traje roxo contrastando com
o ouro resplandescente do pálio” três irmãos
roubam um crucifixo “cujas pedrarias reflectiam em inúmeros
relâmpagos os raios do sol”.
Os larápios refugiaram-se a bordo com os excursionistas,
mas foram acometidos por uma doença exquisita, de que seriam
avaliados ao extraírem-lhes da barriga “mais de trezentas
pedras preciosas, na sua maioria soberbos diamantes”.
A ilha de S. Miguel, então “afecta grosseiramente
a forma duma cabaça. Ao centro, nas duas voltas que formam
a parte mais delgada da cabaça, há duas cidades:
Ponta Delgada ao sul e Ribeira Grande ao nrote”. A narrativa
prossegue com uma curiosa variedade de deslizes topográficos,
mais o reclame de que os excursionistas foram “perseguidos
pela obsessão dos sinos eternamente agitados, e nas ruas
estreitas e suajm passeavam com desenvoltura porcos enormes na
sua grande maioria”.
Pois é c´más coisas é. Grande penhora!
Assim diria a minha saudosa madrinha.
|