Por João Carlos Fraga
LOCALIZAÇÃO E CARACTERÍSTICAS
GEOGRÁFICAS
O arquipélago dos Açores, como todos nós
sabemos, é constituído por nove ilhas de origem
vulcânica e fica situado em pleno Atlântico Norte
num longo espaço compreendido entre os paralelos 36°
55' N e 39° 45' N e os meridianos 24° 45' W e 31°
17' W, ocupando uma vasta área oceânica com cerca
de 58.000 km2.
Por sua vez esta dispersão geografia faz com que a distância
entre as ilhas mais ocidentais e as mais orientais do Açores
seja aproximadamente de 300 milhas náuticas.
Sendo assim, podemos facilmente concluir que estas ilhas ocupam
uma parcela importante do Atlântico Norte, praticamente
a meio caminho entre a América do Norte e a Europa, oceano
que foi berço das rotas preferenciais para o desenvolvimento
além-mar das civilizações europeias, mormente
a portuguesa, a espanhola, a inglesa a francesa e a holandesa,
se bem que esta última com maior expressão no Oriente,
mais precisamente na Indonésia.
Curiosamente foram os Portugueses quem colonizaram estas ilhas,
a partir do século XV, nalguns casos acompanhados por povoadores
flamengos, isto com maior densidade na ilha do Faial.
Tudo isto muito depois dos Açores aparecerem em cartas
medievais das mais diversas procedências, facto que, no
meu entender, comprova a grande importância destas ilhas
como marco para as navegações atlânticas,
principalmente durante as viagens de regresso à Europa
das embarcações que navegavam ao longo da costa
ocidental do Continente Africano e, mais tarde, nas rotas das
Índias e das Américas.
Outra influencia importante, e que para além da Horta
encontramos em Ponta Delgada, foi o interesse pelas viagens de
alto mar, e até pelas regatas oceânicas, dentro das
nossas possibilidades económicas e disponibilidade de tempo.
Depois da viagem de Otília Frayão em 1951 até
Casablanca, são muitos os faialenses que efectuaram viagens
oceânicas e, até, alguns delas transatlânticas,
o mesmo acontecendo em Ponta Delgada.
Quanto à participação em regatas ambos
estes portos já estiveram envolvidos nas mesmas com desportistas
na Vannes/Açores/Vannes e na AZAB.
Ainda antes de tentar dar uma antevisão daquilo que espero
vir a ser o futuro do yachting no Açores, quero falar de
uma curiosidade, uma questão mitológica, uma superstição
daquelas em que os marinheiros são peritos, uma vez que
o binómio Homem/Mar nem sempre tem uma associação
fácil e pacifica.
Vou falar das pinturas das muralhas do porto e da Marina da
Horta, que agora já se vêem repetidas um pouco pelas
ilhas do Atlântico Oriental, mas que são as originais
e as únicas as quais é atribuído um poder
mágico. Com efeito corre o rumor entre os iatistas de que
todo aquele que fizer escala na Horta e não pintar algo
alusivo ao seu yacht nestas muralhas, mais cedo ou mais tarde,
vai ter problemas no mar.
Verdade ou mentira, as pinturas são às centenas
e o número de yachts que desrespeita esta tradição,
datando dos anos 50, quase se pode contar pelos dedos.
FUTURO
Este milénio que se aproxima trará algumas alterações
à situação dos Açores no yachting
mundial.
Para fazer face a elas o equipamento portuário açoriano
vocacionado para este sector terá de ser aumentado e melhorado.
A indústria do charter vai continuar a desenvolver-se
pesando muito, neste caso, o chamado eco-turismo. Para além
dos cetáceos, a observação de aves marinhas
e de alguns fundos de certas zonas costeiras, assim como as arribas,
terão uma influência preponderante.
Logicamente o numero de yachts continuará a aumentar mas,
nos próximos 10 a 20 anos, creio que muito condicionado
à situação político-económica
mundial.
Não podemos ficar alheios à pacificação
do Médio Oriente que irá aumentar a frequência
de Rota do Suez em detrimento da do Cebo, o que diminuirá
a importância dos Açores nas viagens de circum-navegação,
mas sem expressão quantitativa importante.
Contudo, e pese qualquer desenvolvimento tecnológico,
os Açores lá continuarão no Atlântico
Norte como um dos pontos favoritos e de referencia para os yachts
navegando entre as Américas e a Europa.
Assim é o Governo Regional dos Açores que avança
com a construção de marinas, subsidiando a recepção
de regatas, organizando festas de entregas de prémios,
dando apoio logístico, em muitos casos, aos organizadores,
alias, e muito brevemente, considerando estes acontecimento desportivos
veículos promocionais por excelência merecendo serem,
por isso, alvos de toda a atenção possível.
Curiosamente as duas marinas em funcionamento 100% nos Açores,
de momento a de Ponta Delgada e a da Horta, são geridas
pelas Juntas Autónomas dos referidos portos o que lhes
garante uma qualidade de serviços muito boa e a preços
moderados.
Agora que já falámos um pouco daquilo que tem sido
o Yachting nos açores e do papel que este Arquipélago
tem desempenhado ao longo deste dois séculos na sua vertente
oceânica, chegou a ocasião de se olhar um pouco para
dentro de nos mesmos e considerarmos qual a influência que
os iatistas possam ter exercido sobre nós.
No meu entender, e devido a estes longos anos de visitas regulares
e em números apreciáveis, sobretudo nas últimas
três décadas, e à exiguidade do meio assim
como a um relacionamento muito estreito entre o porto e a cidade,
dizia, esta influência manifestou-se, prioritariamente,
cidade da Horta e através dela.
Primeiro aparece o termo "aventureiro" que, mais tarde,
acaba por ter a mesma conotação noutras ilhas, principalmente
para aquelas onde foram colocados trabalhadores portuários
faialenses, embora sem expressão significativa.
Seguidamente um certo grupo de faialenses começa a adoptar
certos costumes trazidos pelos iatistas, principalmente o uso
de jeans, t shirts e, mais importante, deck shoes.
Com o aparecimento da Semana do Mar, que após ter sido
a Meca da juventude açoriana, no principio de Agosto, passou
a ser o modelo inspirador doutros festivais açorianos,
esta maneira de vestir espalhou-se pelo resto das ilhas.
A popularidade do pronto-a-vestir do Peter, a nível nacional,
é reflexo disto.
A passagem de regatas oceânicas, algumas de circum-navegação,
também se intensifica e toma características mais
regulares, embora não nos possamos gabar de sermos escala
privilegiada das provas de alta competições.
Para além dos yachts de passagem, o número destas
embarcações registadas nos Açores aumenta,
quer com armadores locais quer com estrangeiros que optaram por
residir nestas ilhas.
O charter aparece como uma actividade regular. Dentro desta indústria
é impossível não falar do Big Game Fishing
uma vez que diversos pontos dos Açores estão na
rota dos grandes peixes do Atlântico e, a partir da Marina
da Horta, opera uma frota já interessante que é
detentora de diversos recordes europeus e mundiais.
As baleias e os golfinhos começam a ser atracção
para muitos dos yachts que navegam pelos Açores à
procura destes animais.
Incapaz de dar resposta a uma procura cada vez maior a Marina
da Horta entra, no próximo ano, em fase de ampliação.
E é altura de falarmos na intervenção do
Governo Regional dos Açores neste campo da História
desta ilhas.
Logo a seguir à sua formação, nos fins de
1976, o titular da pasta do Turismo, na altura Transportes e Turismo,
José Pacheco de Almeida compreendeu que se encontrava numa
área insular onde o mar seria um dos pontos fulcrais no
desenvolvimento desta indústria.
No inicio para o turismo náutico, área em que
o yachting tem ainda uma posição preponderante.
Açores. Primeiro como turnaround point para uma regata
e, logo a seguir, como meta para outra.
O 1° caso, e de longe muito importante, foi a criação
da AZAB que, desde 1975, passou a realizar-se de 4 em 4 anos no
percurso Falmouth, Inglaterra/Ponta Delgada /Falmouth. Disputada
no ano anterior à OSTAR foi concebida em moldes a servir
de prova qualificativa para esta regata transatlântica.
A sua popularidade é tanta que na sua 2ª edição,
em 1979, registou a participação de cerca de 90
yachts. Apesar de ter decrescido em número de participantes
a AZAB, no meu entender, continua a ser a regata oceânica,
a realizar regularmente, mais importante para os Açores.
Com vida muito mais curta, mas não menos importante pelo
seu resultado, foi a Regata organizada pela agremiação
desportiva inglesa Mutlihull Offshore Cruising and Racing Association.
A 1ª edição desta regata disputou-se em 1975
no percurso Portsmouth / Horta e foi a 1ª prova oceânica
a ter meta nos Açores.
Esta foi a percursora de muitas outras regatas com meta neste
porto, ou escala nalguns dos casos, e, sobretudo, o programa elaborado
para a recepção da sua edição inaugural,
em que se defrontaram os melhores multicascos ingleses de então
e alguns monocascos interessantes como o Gypsy Moth V, deu origem
ao maior festival náutico açoriano, e talvez o de
Portugal, a Semana de Mar.
Desde 1975, exceptuando este ano por razões mais do que
óbvias, que se realiza na Horta a Semana do Mar da qual
constam muitas provas náuticas nomeadamente regatas de
monotipos, botes da Baleia e yachts, na sua maioria de cruzeiro.
Isto, como sabem, a decorrer entre o 1° e o 2° domingo
de Agosto.
Na década seguinte, a de oitenta portanto, surgem três
factores novos na história do iatismo nos Açores:
Bom, para ser mais junto o primeiro foi a revitalização
de um facto já existente e para o qual foi importante,
dentre várias razões, o aumento do poder de compra
que os açorianos experimentaram e que lhes permitiu a aquisição
de alguns yachts para os seus cruzeiros inter-ilhas;
Em 1986 é inaugurada a 1ª infraestrutura portuária
de recreio náutico do Arquipélago, a Marina de Horta
que logo no início passou a ter uma taxa de ocupação
muito próxima dos 100%;
Também por esta altura, mais precisamente em 1987, o Clube
Naval da Horta inicia a Atlantis Cup, regata que se disputa entre
S. Miguel, Terceira e Faial e que, agora, se transformou numa
feeder race para a Semana do Mar e numa grande reunião
da vela de cruzeiro açoriana.
Entra-se neste final de século com uma grade dinâmica
no yachting nos Açores, com a inauguração
da Marina de Ponta Delgada em 1993, com a criação
de Marina da Praia da Vitória já em fase muito avançada.
Paralelamente a tudo isto começam a tomar forma alguns
projectos para instalações portuárias de
recreio náutico noutras ilhas dos Açores, embora
muitos deles em fase ainda inicial.
A tendência que se começa a esboçar no fim
dos anos 70 de os Açores passarem a ser considerados como
área de cruzeiro para alguns yachts europeus, principalmente
com base no Sul de Inglaterra e Norte de França, continua
acentuar-se. Contrariando o fluxo normal de Oeste/Leste estas
embarcações "descem" (por assim dizer)
até aos Açores e aqui passam 1 a 2 meses em cruzeiro
por tudo o que é porto ou ancoradouro seguro.
Além disso, e como reflexo do panorama mundial do yachting,
é cada vez maior o número destas embarcações
a demandarem os nossos portos e baias, assim como o aumento da
sua qualidade e tamanho.
Assim chegamos à década de 60, aos famigerados
anos 60 que, e porque não, também foram importantíssimos
para o desenvolvimento do yachting.
Para além de todas as correntes culturais e movimentos
juvenis que caracterizaram esses anos, considerados por serem
os de ouro deste século, por muitos observadores e historiadores,
a sua importância no yachting caracterizou-se pelos seguintes
factos:
- Construção de yachts em série, daí
estarem disponíveis no mercado a preços muito mais
acessíveis;
- Maior desafogo económico em muitos países que
permitiu o acesso a esses yachts a um leque muito maior de classes
sociais e o recurso a uma grande disponibilidade de tempo de lazer
para usufruto dos mesmos;
- Uma corrida importante aos espaços abertos, nomeadamente
ao mar que se viu alvo de grandes atenções, principalmente
em França, na Inglaterra e nos Estados Unidos.Com efeito
nessa década o mar transformou-se num Playground gigantesco
para muitos milhões de pessoas com um poder de compra que
se podia considerar apenas moderado.
- É também durante esta década que aparecem
as regatas oceânicas com o formato que conhecemos hoje em
dia, das quais a Observer Singlehanded Transatlantic Race, a OSTAR,
de Plymouth para Newport R.I., foi uma das percursoras em 1960
e continua a ser uma das mais prestigiadas.
A atenção dada pelos média a este tipo de
acontecimento também foi de suprema importância para
o desenvolvimento do yachting oceânico.
Sendo assim, é nesta década que os Açores
começam, a ser visitados por yachts estrangeiros com uma
regularidade a que não estávamos habituados. As
embarcações arvorando bandeira francesa disputam
o primeiro lugar em visitas a este arquipélago à
tradicional supremacia britânica, melhor anglo-saxónica
por que o número de yachts americanos não é
de desprezar. Os yachts espalham-se pelas outras ilhas. Muitos
séculos antes do aparecimento das actuais Pilot Charts
era do conhecimento dos navegadores europeus, principalmente portugueses
e mediterrânicos, que seria muito mais fácil regressarem
das suas expedições costeiras ao longo do Continente
Africano, entrando pelo Atlântico, rumo a Noroeste, até
encontrarem os ventos favoráveis que empurrariam as suas
embarcações, com más ou mesmo péssimas
condições de bolina, até aos portos donde
tinham aparelhado.
Além disso, e embora muitas vezes envoltas em neblinas,
a altitude do seu relevo e a sua dispersão em termos de
longitude transformaram os Açores em faróis oceânicos
de grande importância, que davam a certeza aos arrojados
marinheiros e exploradores desses séculos passados que
as suas navegações estavam correctas e que se encontravam
na rota certa.
Dentre os 18 homens, dos 237 ao início, que sobreviveram
à viagem de circum-navegação de Fernão
de Magalhães entre 1519 e 1522, encontrava-se a bordo da
nau "Victoria" Francisco Albo, também conhecido
por Alvo ou Calvo que, depois de ter sido contra-mestre da "Trindad",
passou a piloto dessa nau até ao seu regresso a Sevilha.
No seu "Diário ou Roteiro da viagem de Magalhães
desde o Cabo de Santo Agostinho, no Brasil, até ao regresso
a Espanha da nau Vitória", e como prova da importância
das ilhas dos Açores nas Rotas Transatlânticas, este
arquipélago é mencionado em diversas entradas com
datas entre 4 e 28 do mês do Agosto de 1522.
A título de curiosidade, transcrevo a primeira dessas
referências em que Francisco Albo diz que se encontra com
Pico a nor-nordeste e su-sudoeste e, já no dia 28 desse
mês, referindo-se pela ultima vez aos Açores, anota
que esta com a ilha de S. Miguel nordeste sudoeste quarta do leste
oeste e que o dia foi quinta-feira.
Embora as técnicas de navegação de alto-mar
se tenham desenvolvido muito, assim como a oceanografia, daí
um conhecimento muito mais exacto das correntes e ventos, nomeadamente
as Flores onde a existência de Estação de
Telemedida francesa transforma o porto de Sta. Cruz, apesar dos
seus perigos, num ponto de passagem obrigatório para os
navegadores gauleses.
Outro tipo de yacht que demanda estas ilhas é o dos barcos
de regata, muitas vezes máquinas mais do que experimentais
e que não resistem ao Atlântico, mesmo quando de
bom humor.
Era sabido que em anos de OSTAR o número de escalas de
yachts nos Açores aumentava com a passagem dos concorrentes
desta prova. Muitos na ida para repararem avarias ou, bastante
frequentemente, para desistirem da regata e, muitos mais, felizmente,
para uma escala de lazer, no regresso dos Estados Unidos, num
arquipélago que, então, já gozava de boa
fama pela sua hospitalidade.
Os registos das capitanias de qualquer um dos portos açorianos,
principalmente, mas já não exclusivamente, o da
Horta, estão cheios de nomes famosos quer pelos cruzeiros
ousados que faziam a todas as longitudes e latitudes do Globo
quer devido a performances fantásticas em provas oceânicas.
Sir Francis Chichester, Eric Tabarly, falecido num acidente de
mar este Verão, o canadiano Mike Birch, Bill Howell, etc.,
todos grandes craques da vela oceânica que aparecem acompanhados
por David Lewis, Guy Quiesse, Jean-Paul Lemaître e muitos
outros que seria impossível mencionar.
Já em 1968 surge a primeira regata de volta ao mundo sem
escala e para navegadores solitários. Apesar do único
competidor a completar este percurso só ter visitado os
Açores muito mais tarde, Loick Fougeron, depois de ter
revirado fora de Tristan da Cunha e reparado em Santa Helena,
arriba ao Faial para se transformar num dos grandes propagandistas
destas ilhas.
Na década de 70 o número de yachts visitantes continua
a aumentar em flecha e é a altura dos organizadores das
regatas oceânicas começarem a se interessar pelos
oceânicos, a importância do Arquipélago dos
Açores nas rotas transatlânticas não diminuiu,
muito pelo contrário.
Estas ilhas tornaram-se escala obrigatória para toda a
navegação do Atlântico Norte, inclusivamente
num grande entreposto de abastecimento de carvão aos primeiros
navios a vapor cuja tonelagem obrigava a uma escala em rota para
se abastecerem de combustível que, então, era volumoso
e pesado.
Também não pode ser descurada a caça à
baleia, principalmente a praticada pelas armações
baleeiras da costa leste dos Estados Unidos que vinham a estas
ilhas, normalmente ao porto da Horta, descarregar o óleo
da campanha, se abastecerem de víveres e, muito mais importante
para nós, recrutarem tripulantes que, praticamente, foram
os percursores da emigração para a América
do Norte.
Os dois conflitos mundiais do século XX, também
vieram comprovar a importância estratégica deste
arquipélago, com o estabelecimento das bases aliadas quer
navais quer aéreas, isto no caso da 2ª Grande Guerra.
Para além de servirem de apoio aos comboios transatlânticos
atravessando o Atlântico Norte em socorro de uma Europa
devastada, as bases açorianas foram um ponto estratégico
para as sortidas contra a frota alemã que rondava estas
águas.
Outro facto comprovativo da importância da situação
geográfica dos Açores entre a América do
Norte e a Europa foi o papel preponderante desempenhado pelo porto
da Horta, e mais tarde pelo aeroporto de Santa Maria, no desenvolvimento
das linhas aéreas comerciais entre estes dois continentes
que se iniciou durante os anos trinta com correio e passageiros.
Das várias companhias aéreas que operaram aqui uma
das pioneiras e, sem dúvida, a que deixou mais recordações
foi a Pan American com os seus hidros Boeing 314 denominados Clippers.
Depois de tudo o que foi dito sobre a importância da situação
geográfica dos Açores, e antes de falar no papel
deste arquipélago no yachting mundial e oceânico,
gostaria de fazer uma breve resenha história sobre este
desporto que, actualmente, é um dos factores turísticos
mais importantes para os Açores.
YACHTING MUNDIAL E OCEÂNICO
Contrariamente ao que se possa pressupor o yachting não
é uma actividade desportiva recente.
O historiador grego Plutarco descreve o esplendor a chegada de
Cleópatra a Tarsus, na Ásia Menor, a bordo do seu
yacht a fim de se encontrar com Marco António. Isto passa-se
no ano 42 AC.
Com efeito esta imperatriz egípcia, cujos atributos é
desnecessário mencionar, foi proprietária de, no
mínimo, 2 yachts que chamaram "Ísis" e
"Thelagamus" e que foram construídos por Ptolomeu
Phicopater, cujo nome faz pensar ter sido um dos muitos gregos
que andaram por Alexandria.
Aliás no túmulo do faraó Meket-Re, que reinou
no segundo milénio AC, foi encontrado um modelo de um yacht
real.
Notícias de yachts reais aparecem ao longo da História
e no seio das mais diversas civilizações, desde
a Europa até à longínqua China onde o imperador
Yang Ti da Dinastia Sui foi armador duma frota enorme de juncos
reais da qual constava um yacht gigantesco reservado para o seu
uso pessoal e que era, na maior parte das viagens efectuadas pelo
seu império, acompanhado pelo yacht privado da imperatriz.
Ao longo dos séculos os yachts deixaram de ser propriedade
exclusiva da realeza e da nobreza e passaram a ter como armadores
as classes abastadas da Europa e, mais tarde, dos Estados Unidos
da América.
No entanto durante a primeira metade do sec. XX, inclusivamente
entre as duas grandes guerras, fizeram escala nestas ilhas, principalmente
na do Faial, muitos dos velejadores oceânicos mais conhecidos
do Mundo tais como o irlandês Conor O'Brien em 1925, o famosíssimo
e mítico navegador solitário francês Alain
Gerbault, no seu Firecrest e o inglês Commander Graham que
foi o primeiro navegador solitário a atravessar o Atlântico
Norte por latitudes conhecidas pela grande abundância de
icebergs.
É também nestas décadas que Marconi, a bordo
do seu yacht Electra, efectua uma emissão de rádio
desde o porto da Horta e que Sir Thomas Lipton, o grande magnata
do chá, faz escala nos Açores a bordo de num dos
seus yachts de regata Shamrock, com uma aparelhação
concebida apenas para a viagem transatlântica, para ir disputar
a America's Cup que, afinal, nunca chegou a ganhar.
A década de cinquenta assiste a um regresso ao mar largo
de muitos dos yachts que durante a II Grande Guerra tinham ficado
imobilizados nos seus portos e à recuperação
de muitos outros que, por causa desse conflito, tinham mudado
de armador e, mesmo, de bandeira.
As viagens transatlânticas recomeçam e um punhado
de pioneiros, ou aventureiros, reiniciou o cruzeirismo oceânico
a bordo de veleiros geralmente de pequenas dimensões.
Chegou a altura de falarmos dos "aventureiros", nome
de conotações carinhosas e cheias de admiração
e respeito pelo qual esses navegadores, e as suas embarcações,
foram conhecidos no porto e cidade da Horta durante muitos anos.
Nesta ocasião podemos afirmar que mais de 80% dos yachts
que visitavam os Açores se limitavam, unicamente, à
ilha do Faial.
Dentre estes aventureiros devemos destacar navegadores solitários,
tais como os franceses Jean Gau, que era residente nos Estados
Unidos, e Marcel Bardiaux, o homem que utilizou o Vulcão
do Capelinhos como farol para o guiar até ao porto, e o
norte-americano Frank Casper.
Outro navegador solitário que por deixou rasto, rasto
este que foi de grande importância para os movimentos feministas
pós-guerra, foi o britânico Edward Allcard a bordo
do seu pequeno Ketch sem motor, como era normal na época,
Temptress. Com ele seguiu para Casablanca una jovem faialense
que foi a primeira mulher no mundo a fugir de yacht para outras
paragens. A história desta senhora é digna de ser
contada e relembrada por todos nós que também, numa
certa ocasião das nossas vidas, resolvemos embarcar só
que de maneira menos aventurosa.
É também durante a década de 50 que faz
escala na Horta outro velejador britânico que ainda hoje
é relembrado em todo o Mundo. Trata-se Humphrey Barton
que navegava à vela, e regularmente, entre a Europa e as
Caraíbas com escala nos Açores durante a viagem
de regresso. A Humphrey Barton deve-se a fundação,
em 1954, do Ocean Cruising Club, associação intimamente
ligada aos Açores, mais precisamente à Horta, e
que tem a nível mundial mais de 1.500 sócios, todos
com, pelo menos, uma passagem oceânica de mais de 1000 milhas.
No entanto, conhecedores de quase todas as ilhas açorianas,
foram os Hiscock, Alfred e Susan. A bordo dos seus Wanderer fizeram
várias voltas ao Mundo com passagens pelo nosso arquipélago
e foram os grandes incentivadores das longas viagens oceânicas.
Segundo noticias que ouvi o último dos seus yachts tem
base, actualmente, na costa oeste do Canadá.
Quando falamos de "Aventureiros", e para muitos de
nós aqui presentes, veio-nos um nome à mente - o
Peter do Café Sport.
Realmente, e muito justamente, será impossível
falar da Historia do Yachting nos Açores sem mencionar
o José "Peter" Azevedo, assim como o grande homem
da hospitalidade açoriana que foi o seu pai Sr. Henrique
Azevedo o fundador desse templo marítimo, e sobretudo uma
Meca dos iatistas de todo o Mundo, que é o Café
Sport.
Fundado em 1918 e em pleno funcionamento, parece descabido só
agora falarmos deste café e da família que lhe deu
vida.
Acontece que apenas acabada a 2ª Grande Guerra, e debandadas
as frotas da base naval na Horta, o yachting aparece como um complemento,
e mais tarde substituição, da navegação
comercial que dava vida a este porto.
É nessa altura que o Sr. Henrique Azevedo, e fazendo seu
emissário o filho que trabalhava com ele no café
e que um oficial da Marinha Inglesa tinha rebaptizado por Peter
durante a guerra, começa a prestar mais atenção
aos yachts que demandavam o porto com uma economia moribunda.
Seria injusto afirmar que este era um interesse puramente comercial,
pois durante muitos e muitos anos fui testemunha da hospitalidade
generosa dos Azevedos e de um grupo de fiéis clientes à
frente dos quais estavam, muitas das vezes, os já falecidos
Othon da Silveira, schrimshander e rádio amador de mérito,
e Alberto Peixoto. Para além do cesto de apetecidos "frescos"
que os aguardou durante anos à chegada, os iatistas passaram
a encontrar no Café Sport o correio dos familiares e amigos,
um posto de informações e de ajudas precioso, enfim
tudo pelo qual um marinheiro pode ansiar ao chegar a terra firme
depois de algumas semanas de mar e a bordo de embarcações
muitas vezes exíguas. No fim da década de 50 o Peter
é nomeado representante das associações desportivas
inglesas Cruising Association e Ocean Cruising Club.
E é atendendo a todas estes serviços prestados
que a comunidade iatista internacional tem rendido as mais diversas
homenagens a esta instituição, que não é
açoriana mas universal, e que se chama Café Sport.
Reflexo desta popularidade é a fundação
em 1720 do primeiro clube náutico da História, o
"Cork Harbour Water Club", na Irlanda a fim de instaurar
uma certa regularidade nas competições de vela que
então se realizavam.
Contudo é no Sec. XIX que o yachting começa a crescer
de maneira significativa. Praticamente todas as casas reais europeias
eram armadoras de uma, ou mais, destas embarcações.
Os novos titãs da indústria não quiseram
deixar-se ficar para trás e foi um assistir à construção
e lançamento ao mar dos mais sumptuosos yachts, verdadeiros
palácios flutuantes. Por outro lado e regatas multiplicam-se
e data de 1851 a realização em Cowes, na Inglaterra,
da regata que originou a mais prestigiada de todas estas provas.
Com efeito a escuna América atravessa o Atlântico
e vai ganhar, depois de uma circum-navegação à
ilha de Wight com largada feita a partir do yacht real Victoria
and Albert, a taça que a partir de então passou
a ser regularmente e que, só na década de 80, saiu
dos Estados Unidos. A título de curiosidade a America's
Cup será disputada na Nova Zelândia no ano 2.000.
Foi também no século XIX que nos chegaram as notícias
das primeiras travessias do Atlântico em yachts e que, em
1817, começa a ser escrita a História do Yachting
nos Açores.
E durante muitos anos esta história circunscreveu-se,
praticamente, à cidade da Horta que, mais uma vez, beneficiou
da sua situação geográfica privilegiada e
da sua baía abrigada.
BREVE HISTÓRIA DO YACHTING NO PORTO DA
HORTA E NOS AÇORES
Na tarde do dia 22 de Abril de 1817 fundeia na baía da
Horta o brigue de recreio norte-americano "Cleopatra's Barge
" em viagem pelas Ilhas Ocidentais e Mediterrâneo.
Concerteza que este não foi o primeiro yacht a fazer escala
nos Açores, mas com o registo da viagem da autoria de Francis
Crowninshield, familiar do armador que também se encontrava
a bordo, começa, por assim dizer, a ser escrita a História
do Yachting no Arquipélago dos Açores. O registo
desta viagem, nem sempre muito lisonjeiro em relação
aos açorianos, pois tratava-se do confronto da alta burguesia
de um país em franco desenvolvimento e de origem anglo-saxónica
com o povo e alguns burgueses de uma comunidade insular, do sul
e muito isolada, reflecte, contudo, um retrato importante e detalhado
daquilo que era a vivência na Horta nos princípios
do Sec. XIX e, sobretudo, de vida consular e mais cosmopolita
que já existia no Faial.
No entanto só em 1895 parece ter começado o longo
capítulo da escala de pequenos yachts de cruzeiro nos Açores.
Na manhã do dia 20 de Julho desse ano, o navegador canadiano,
naturalizado americano, Josua Slocum avista a ilha do Pico. Às
4h 30m da tarde do mesmo dia ancora na Horta o seu sloop Spray
a bordo do qual foi o primeiro navegador solitário a dar
a volta ao Mundo. Para além deste feito náutico
o relato que Slocum faz da sua passagem pelo Faial, no seu livro
"Alone Around the World", é deveras interessante
e lisonjeiro para as nossas ilhas. Um pormenor desta descrição
é o encontro com um emigrante regressado dos Estados Unidos
e que o levou a visitar a sua ilha e lhe ofereceu a hospitalidade
que apenas os açorianos conseguem dar.
Na mesma época navegava pelas águas do nosso arquipélago,
e em missões científicas a bordo de luxuosos yachts
concebidos para o efeito, o Príncipe Alberto de Mónaco
que e muito contribuiu para o conhecimento científico destas
paragens do Atlântico.
Já no século XX regista-se a passagem do Seabird,
pequeno yawl a bordo do qual navegava um dos editores da, então,
prestigiosa de yachting norte-americana "Rudder".
Podemos afirmar que, apenas, os dois conflitos mundiais deste
século, provocaram uma interrupção no fluxo
de yachts através do Atlântico Norte e, logicamente,
dos Açores.
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