OLHANDO A NOSSA CULTURA
- Em conversa com Dr. Vasco Pereira da Costa,
Director Regional da Cultura -
(Toronto, Canadá)
Por Adelina Pereira - Adiaspora.com
A cultura é dinâmica.
Empresta e recebe e vai se construindo no dia a dia.
- Dr. Vasco Pereira da Costa
Tivemos ocasião, e prazer imenso, de nos encontrar, no
passado dia 17 de Setembro de 2003, com o Director Regional da
Cultura, Dr. Vasco Pereira da Costa, aquando da sua visita a Toronto
para assistir ao 17 ° Ciclo de Cultura Açoriana, e
que, amavelmente, concedeu partilhar algumas ideias connosco,
tecendo interessantes considerações sobre algumas
das temáticas que nos preocupam como comunidade.
Falando-nos um pouco de como se diferenciam as realidades vivenciais
actuais de Portugal e das Comunidades, Dr. Vasco Pereira da Costa
comentou que, de facto, estas evoluíram de forma distintas,
justificando este facto com a influência que a longa ditadura
Salazarista, em cuja época se deu a grande vaga de emigração,
teve na formação e mentalidades daqueles que emigraram,
muitos dos quais possuidores de pouca formação académica.
O 25 de Abril veio despoletar um desenvolvimento e abertura rápidas
e marcantes na populações de Portugal, que assim
adquiriram novas e mais modernas perspectivas, mais tarde acentuadas
pela adesão à União Europeia, tendo o país
se virado, a partir dessa altura, mais para a Europa.
As comunidades de emigrantes continuaram a portar consigo a realidade
antiga do seu país, a que se mesclou às influências
das novas sociedades onde se inseriram.
Interrogámos o Dr. Pereira da Costa se temia pelo futuro
da língua portuguesa no seio das comunidades, temor esse
frequentemente expresso por vários quadrantes das gentes
aqui radicadas, ao qual nos informou que não. Uma língua,
não é uma coisa estanque, afirmou. Teríamos
de aceitar a sua evolução natural em que o processo
de "empréstimo"de outros idiomas como o inglês
é inevitável, pois o utilitarismo é que,
fundamentalmente, comanda a relevância de um idioma. Este
facto faz com que as necessidades utilitárias comandem
a sua evolução. Pensa Dr. Pereira da Costa que as
autoridades portuguesas deveriam debruçar-se mais sobre
esta realidade, investindo mais esforços e recursos para
a fomentação do ensino do português como segunda
língua. Focou ainda, que existe grande parcela da população
mundial - no Brasil e nos PALOPS - de expressão portuguesa,
e que, como tem vindo a ser o caso do Castelhano nos Estados Unidos
que hoje é idioma utilitário de grande relevo no
tecido linguística daquele país, deve ser encorajado
o seu ensino, não só entre as comunidades lusófonas,
mas entre as demais. Os ditames do comércio internacional
começam a apontar para a necessidade que o português
seja, como o castelhano, encarado como língua de utilidade
internacional.
No que concerne a projectos culturais direccionados para as comunidades
açorianas, Dr. Pereira da Costa afirmou serem competência
da Direcção Regional das Comunidades, mas que a
Direcção Regional da Cultura, órgão
cuja actuação incide essencialmente nos Açores,
tem vindo colaborar sempre que existe justaposição
de objectivos, por exemplo, a Direcção Regional
da Cultura faculta bibliotecas, mesmo no além mar, e está
actualmente a desenvolver um interessante projecto na área
da genealogia, facultando aos interessados pelas suas raízes
ancestrais, registos de nascimento, óbito, etc. para facilitar
as suas pesquisas.
Colocámos uma questão que se faz ouvir entre nós
com alguma frequência, de que a burocracia e critérios
pouco claros inviabilizam e dificultam, segundo alguns, a realização
de certos projectos culturais de interesse. Começando com
a observação que todos naturalmente pensam que os
seus são deveras os melhores, continuou por vincular que
os orçamentos destinados a este género de intervenção
são provenientes de fundos públicos. Consequentemente,
aqueles que os gerem terão sempre de prestar contas aos
contribuintes. A atribuição de subsídios
a projectos, segundo Dr. Pereira da Costa, exige uma análise
rigorosa quanto à sua exequibilidade. Por vezes, um projecto
poderá objectivar por em prática um excelente conceito,
mas ser demasiado ambicioso e pouco realista, e, muitas das vezes,
apoiando-se somente em subsídios para a sua realização.
Também deverá ter-se em consideração
o facto que um organismo incumbido de gerir fundos públicos,
tem, por norma, de os ser repartir por diversos projectos.
Prosseguindo com a entrevista, indagámos se, no seu ponto
vista, deveria haver mais cuidado por parte dos responsáveis
e intervenientes em eventos culturais nas comunidades, por estes
comportarem uma evidente vertente didáctica e pedagógica,
de apresentar as suas temáticas de forma acessível,
isto é, "democratizar" a linguagem empregada
e, assim, incentivar mais a participação das gentes
comuns, ao qual respondeu:
"Tenho dificuldade em responder afirmativamente
à pergunta que faz porque é evidente que a organização
de eventos como este (referindo-se ao 17° Ciclo de Cultura
Açoriana). O Diniz Borges organizou na Califórnia,
no centro, do Vale de San Joaquin, durante muitos anos, o simpósio
Filamentos da Herança Atlântica. Há
estas realizações, estas semanas culturais em Toronto,
existem por todo lado. Eu concordo com a acessibilidade dos temas.
Agora, não creio é que seja útil que a democratização
seja a médiocracia dos eventos. Isso seria criar níveis
de intervenção muito diferenciados. Creio que não
é isso que intentamos. Creio que todas as pessoas são
portadoras de capacidade de decifração cultural,
de leitura, enfim, do entendimento das coisas e que, muitas vezes,
percebem - podem não perceber tudo - mas captam o essencial
da comunicação, seja ela comunicação
linguística, seja ela comunicação expressiva,
enfim, no domínio da expressões. Portanto, os códigos
linguísticos ou expressivos são entendíveis,
são descodificáveis. Creio que não será
útil ir para uma linha de mediocridade, porque essa então
desvirtuará, de todo em todo, a capacidade, as razões
e os sentidos destes eventos."
De seguida, solicitámos ao nosso entrevistado qual a sua
visão do futuro da cultura lusitana, tal como a entendemos,
pelo mundo fora entre as gerações vindouras, tendo
este respondido não lhe ser possível fazer vaticínios
mas acreditar firmemente em
"...caracteres distintivos do ponto visto
cultural. Há modos de ser, modos de estar, modos de entender
o mundo que estão congenialmente afectos ao nosso imaginário
colectivo. É impossível entender os Açores,
ou a vida quotidiana nos Açores, sem entendermos, por exemplo,
a nível simbólico, o que representa o Espírito
Santo, o Santo Cristo, ou essas formas que se manifestam das mais
diversas maneiras, inclusivamente, às vezes, nas próprias
tribos de futebol como é ser-se do Benfica. O que é
isso ser do Benfica?..."
Dr. Pereira da Costa aqui invoca a título ilustrativo,
esse grande homem das letras e artes brasileiras, que foi o saudoso
Vinicius de Morais.
"...Há um poema lindíssimo
de Vinicius de Morais, quando ele estava em Los Angeles como Cônsul
do Brasil, em que tinha uma pessoa que ele conhecia, um indivíduo
muito rico que tinha tudo que era bom. O poema diz: - você
pode saber como é viver em Los Angeles, pode saber como
é ter aparelhos estereofónicos, e mais isto, e mais
aquilo, e ter carros óptimos, mas você nunca poderá
saber o que é que é torcer pelo Flamingo!- Há
modos peculiares. O que é, por exemplo, ouvir uma música
do Pixiguinha,!
Nós temos e vivemos por símbolos.
Estou a falar de símbolos do nosso quotidiano, o Benfica,
por exemplo, mas podíamos falar da Amália, ou de
Vasco Santana, ou de formas literárias, de Fernando Pessoa
São esses símbolos, esses signos que nos identificam,
que nos fazem cidadãos de uma cultura, não isolados,
pois as culturas não isoladas. Nós somos europeus
de formação e somos europeus transplantados para
o Canadá, para os Estados Unidos, ou para o Brasil. Deixamos
e recebemos. A cultura é dinâmica. Empresta e recebe
e vai se construindo no dia a dia. Agora, o que os povos têm
vindo a fazer até agora - não sei como vai ser no
futuro - é apropriarem-se colectivamente de determinados
símbolos. Há aqui o conceito, que ainda permanece,
de Pátria. Muitas das vezes, as pátrias esgotam-se
em símbolos como é uma bandeira ou um Presidente,
mas, pelo menos no Velho Mundo, temos outros valores simbólicos
que são valores culturais."
Ao perguntarmos quais os planos que acalentava para o futuro
a nível pessoal, se desejava continuar a actuar neste sector,
ou retirar-se para uma ilha e escrever uns livros, dar a volta
ao mundo, ou simplesmente plantar uma árvore etc. ao qual
o Dr. Pereira da Costa prontamente nos respondeu que
"Segundo os árabes, já
fiz isso tudo. Já fiz um filho, já escrevi livros,
plantei árvores. Não gosto muito de fazer projectos.
A vida tem me concedido coisas boas. Não sou daqueles que
estão sempre a maldizer a sua sina. Gosto muito da vida,
mas também não estou numa linha de fatalismo árabe.
Vamos lá ver o que acontece."
Falou-nos ainda sobre o compromisso ideológico...
"Sou um homem dos anos 60, e portanto,
ideologicamente, um homem de compromissos. Se me considero um
cidadão da polis, tenho compromissos e grandes responsabilidades.
Sou solidário com os grandes ideais da Revolução
Francesa, da Igualdade, da Fraternidade e da Liberdade. Lá
está! Sou europeu! Os grandes ideais da Revolução
Francesa e depois os anos 60 me dão alguma capacidade de
alinhar com as utopias, de gerar laços de solidariedade
para com os menos favorecidos, para com a promoção
humana e a promoção humana passa pela promoção
cultural."
a actividade literária e política...
" Quanto à actividade literária,
pois ela tem sido posta em segundo plano perante a actividade
política porque a política exige grande empenhamento
e disponibilidade quase total. Agora, o que vai acontecer vamos
a ver."
E a temporalidade da política.
"Como sabe, a política é
sempre temporal, - não que duvide que o Partido Socialista
ganhe as próximas eleições nos Açores.
Não tenho dúvidas absolutamente nenhumas que sairá
vencedor. - mas a política é feita por pessoas,
é feita por homens, portanto, veremos o que vai acontecer."
Dr. Vasco Pereira da Costa, Director Regional
da Cultura, homem de letras e da política, sobretudo homem
de compromisso compassivo com a condição humana,
deixou connosco esta mensagem dirigida às Comunidades Luso-Canadianas.
" ...Aquilo que de facto gostaria era
que a identidade, essa coisa chamada de identidade, ou o conhecimento
das raízes, levasse a uma maior intervenção
na vida cívica do Canadá, isto é, que fossemos
nós também, enquanto parte deste todo, destas várias
componentes culturais do Canadá, que nos afirmasse-mos,
do ponto vista cívico, do ponto vista político,
da intervenção, da organização e do
orgulho de sermos portugueses e estarmos a contribuir para o progresso
deste grandíssimo país!"
Entrevista exclusiva de Adiaspora.com
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