OBRIGADO POR TUDO O QUE
FIZESTE, AMIGO ANTÓNIO FRAGA!
"Só é pena que a morte
tenha levado o António Fraga
antes de ver o seu sonho realizado..."
Por: Carlos Morgadinho
Adiaspora.com
Inesperadamente recebemos a notícia do falecimento, no
dia 21 de Setembro de 2005, nesta cidade de Toronto, do nosso
conterrâneo, António Álvaro Fraga, que durante
muitos anos foi Presidente da ”Society of Portuguese Disabled
Persons”, da qual foi fundador conjuntamente com Isaura
Carneiro, sendo pessoa bem conhecida e querida por quantos o conheceram
e que o admiravam pela energia e dedicação que se
empenhou, ao longo de todos estes anos, pela causa dos deficientes
da nossa comunidade.
Infelizmente não tivemos a oportunidade
de o entrevistar a fim de se colher o manancial de dados que este
nosso compatriota, de certeza absoluta, era possuidor pela sua
experiência enquanto connosco conviveu e pela sua cruzada
para agrupar os nossos deficientes numa associação
com a finalidade de assim, unidos, conseguirem que as entidades
oficiais e a população em geral prestasse a devida
atenção para as necessidades de quem, por infelicidade,
sofra de males que lhe limite, a nível físico ou
mental, uma total integração na sociedade onde está
inserido. Com a obra e esforço deste nosso compatriota
pudemos afirmar que os objectivos da associação
que ajudou a fundar foram totalmente alcançados sendo hoje
as suas causas apoiadas por todos nós, portugueses, aqui
radicados.
Muitos foram, centenas senão milhares
de portugueses, que com ele comungaram no trabalho de ajudar e
contribuir para a causa posta em marcha, há muito poucos
anos atrás, de ser construída instalações
próprias, devidamente preparada e equipada para acolher
pessoas com diversas limitações físicas,
para assim, diariamente e sem restrições, os deficientes
poderem ali congregar. Essa obra está já em curso
na zona da St. Clair, graças ao trabalho voluntário
de muitos portugueses que, com as suas experiências nas
artes de carpintaria, electricidade, soldadura, etc., têm,
ao fim de semana, ali dispendido as suas horas de lazer para que
uma grande obra seja completada para amenizar as dificuldades
dos nossos deficientes. Um grande dinamizador destes esforços
em prol da Associação dos Deficientes Portugueses,
tem sido o Sindicato dos Trabalhadores da Construção
Civil, Universal Workers Union – Local 183, pela mão
dos seus directores liderada por António Dionísio
dos quais também destacamos João Dias, António
Pinto, João Cordeiro, Joel Filipe, John Gonçalves,
Bernardino Ferreira e muitos outros tendo já, há
quatro anos atrás, por sua iniciativa, contribuído
para a obtenção de um autocarro devidamente equipado
para o transporte de deficientes, que foi então entregue
àquela Sociedade.
Com essa intenção de conhecermos
a obra sublime de António Álvaro Fraga, um natural
da Ilha Terceira, há muitos anos radicado no Canadá,
aqui na cidade de Toronto, contactamos a senhora Isaura Carneiro,
que amavelmente nos elucidou sobre o saudoso ”Alvarinho”,
diminutivo carinhoso usado pelos seus amigos mais próximos.
Adiaspora.com: Sabemos que o
António Fraga foi o fundador da Associação
de Deficientes Portugueses do Ontário sendo também
o seu sócio número um. É um nome muito respeitado
por todos nós e que muito dificilmente se olvidará.
A D. Isaura Carneiro que acompanhou bem de perto o seu envolvimento
desde o alvor deste projecto e a obra deixada pelo António
Fraga, vai-nos falar, primeiramente da Associação?
Como a deu a conhecer a existência dessa Associação
à nossa Comunidade cujos membros tinham o dever de a aceitar
e, ao mesmo tempo, de trabalhar e dar-lhe todo o apoio?
Isaura Carneiro: Primeiro de
tudo gostaria de corrigir o nome do nosso “Grupo”
que é Sociedade de Deficientes do Ontário e que
existe desde 1987, isto é, há dezoito anos. Naquele
ano distante de 1987 o senhor Padre Cunha, então na Igreja
de Santa Cruz, chamou o António Fraga, para o incentivar
a que se formasse, legalmente, um grupo de deficientes portugueses,
ficando, a partir daquele momento, o António Fraga com
a missão de contactar outros elementos da nossa comunidade
com deficiências, da qual eu fui um deles. Foi então
inicialmente formado um grupo de doze membros que mais tarde,
no ano de 1989, foi incorporado. Gostei muito de trabalhar com
o António Fraga, pessoa que tinha muito amor pelo seu grupo,
extrovertido e sempre bem humorado, além dos seus excelentes
conhecimentos e relacionamento com a comunidade portuguesa. E,
neste campo, é que eu muito o admirava pelo seu desempenho
no sector de relações públicas e na angariação
de patrocinadores para a nossa causa. Esta era, e é, uma
área que eu tenho grandes dificuldades mas que, estando
ao cuidado do António Fraga, pessoa que não tinha
acanhamento, tudo era resolvido e atingíamos sempre os
nossos objectivos. Vai-nos fazer muita falta não só
pela sua experiência no sector de relações
públicas como também da sua companhia, do seu espírito
alegre e ponderado. A nossa Sociedade de Deficientes ficou muito
mais pobre com o falecimento do António Fraga
Adiaspora.com: Quantos membros
compõem a Sociedade de Deficientes Portugueses no presente?
Isaura Carneiro: Somo 57 membros
deficientes e 370 sócios neste momento.
Adiaspora.com: Fale-nos um pouco
do exaustivo trabalho que tiveram ao longo destes anos para serem
conhecidos pelos membros da nossa comunidade que, até então,
desconheciam a existência da Sociedade dos Deficientes Portugueses?
Isaura Carneiro: Eu vou para
trás, mais um pouco, para falar do António Fraga
e só depois responderei, de boa vontade, à pergunta
que me apresentou Quando o nosso e sempre presente António
Fraga foi viver para a casa de um seu irmão, ali para os
lados da Dupont Street, os passeios da zona não estavam
preparados com as rampas de acesso para as cadeiras de rodas o
que era, como pode imaginar, um pesadelo para todos nós,
os utentes das mesmas. O António Fraga contactou de imediato
os serviços municipais e em pouco tempo os passeios foram
preparados para a nossa utilização. Era também
o António Fraga que diligenciava junto dos mencionados
serviços municipais para a reserva de estacionamento na
rua para os novos membros da nossa Associação. O
António Fraga encorajava-nos a perdermos os nossos complexos
de sermos diminuídos fisicamente e a lutar pelos nossos
direitos. Muitas vezes ele, o António Fraga, apanhava decepções
no trato com o público. Ficava triste mas nunca rancoroso.
Lembro-me, por exemplo, num ano que fomos à festa do Dia
de Portugal – coisa que o António Fraga nunca faltou
pois tinha muito orgulhoso de ser português – no Bellwod
Park, uma senhora veio colocar-se na frente dele bloqueando-lhe,
desta maneira, a vista do palco onde decorria o espectáculo,
e, delicadamente, pediu àquela senhora para que se desviasse
um pouco, coisa que aquela senhora se recusou, retorquindo ao
mesmo tempo que, se ele, o António Fraga, “não
podia se movimentar para outro lugar, no parque, por estar confinado
a uma cadeira de rodas, porque razão que não tinha,
então, ficado em casa”. Vi pela expressão
vincada no rosto do saudoso António Fraga que ficou magoado
e triste ao mesmo tempo. No entanto não deu resposta àquela
senhora que, como viu, foi bastante rude quando lhe foi solicitado,
e de uma forma correcta, para se desviar da frente de alguns de
nós que ali estávamos a assistir ao espectáculo,
sentados nas nossas cadeiras de rodas. Aquela senhora nunca deveria
ter tomado tal atitude pois ninguém sabe o futuro e que
todos nós não estamos livres de, por infelicidade,
podermos um dia vir a necessitar de uma destas cadeiras de rodas.
Mas tudo passava e não era por situações
deste quilate que o António Fraga deixava de estar presente
nos eventos seguintes ou festas da nossa comunidade e de frequentar
os centros comerciais. Aos poucos as pessoas foram-nos conhecendo
e sendo sensibilizadas pelas nossas limitações começando,
pouco a pouco, a sermos aceites na sociedade apesar, de termos
umas quantas, não muitas, situações semelhantes
como atrás foi referida. Hoje penso que poucos são
os que não sabem que existe uma Sociedade de Deficientes
na sua comunidade, neste caso a portuguesa, e nos apoiam seja
qual o lugar que nos encontramos. Somos acarinhados pela nossa
gente por onde nos deslocamos e tudo isso graças ao trabalho
do António Fraga durante estes anos todos.
Adiaspora.com: E como se tem
proporcionado esta ajuda, agora massiva, de todos os portugueses
na aquisição da vossa sede e até na obtenção
do autocarro?
Isaura Carneiro: No caso do
autocarro foi que numa festa nas instalações do
Sindicato 183, o António Fraga, no meio da festa, a dado
momento, despediu-se dos presentes para regressar a casa. Aí,
o dirigente daquele Sindicato, o senhor António Dionísio,
perguntou-lhe a razão por querer abandonar a festa tão
cedo. A resposta do António Fraga foi de que não
tinha opção pois não havia outro autocarro
especial para o levar até sua casa. Isto chocou muito aquele
luso-canadiano e dirigente daquele conceituado Sindicato de Trabalhadores.
Assim “nasceu” a ideia de adquirir uma viatura que
pudesse servir os deficientes portugueses. Melhor pensou o senhor
António Dionísio melhor o fez pondo, de imediato,
uma campanha a rolar para esse fim e que foi bem aceite por todos
da nossa comunidade, culminando, meses depois, com a aquisição
de um autocarro para o nosso transporte. Até nem criamos
acreditar. Foi uma grande alegria para todos nós, membros
da Associação, pelo sucesso da campanha que contou
com o apoio bem marcante da comunidade portuguesa incluindo clubes
e associações. Não temos razões para
nos queixarmos, pelo contrário.
Adiaspora.com: Como conheceu
o senhor António Fraga?
Isaura Carneiro: Conheci o António
Fraga num centro de recuperação para deficientes
onde eu colaborava num folhetim para paraplégicos nesse
centro hospitalar onde, também, o António Fraga
era colaborador, além de um outro membro, o senhor Oliveira.
Assim fizemo-nos amigos e começamo-nos a encontrar para
resolver assuntos que afligia os membros daquele centro. Foi durante
estes tempos que o senhor Padre Cunha nos deu a ideia e nos ajudou
a formar a Sociedade de Deficientes Portugueses.
Adiaspora.com: Soubemos tempos
atrás que o António Fraga estava sofrendo muito
pelo estado adiantado da sua doença. Além daquela
que o reteve tantos anos numa cadeira de rodas o António
Fraga sofria de outros males que juntamente com aquele com que
se debatia poderia ter abreviado a sua morte?
Isaura Carneiro: O António
Fraga sofria de uma doença degenerativa, a distrofia muscular,
que o levou, há dezanove anos atrás, a necessitar
de uma cadeira de rodas. Foram muitos anos de invalidez. Ele,
o António Fraga, tinha 64 anos de idade quando faleceu.
Esta doença, para a qual não há cura, veio
a desenvolver-se até que em Dezembro do ano de 2004, ele
nunca mais frequentou o grupo ou tomou parte activa na vida da
sociedade. Foi a fase final que todos lamentamos e que nos levou
para sempre do nosso convívio. Vai ser muito difícil
de o esquecermos fazendo-nos muita falta, como pode imaginar.
Para amenizar a perda do António Fraga temos, felizmente,
muitos voluntários que nos têm dado todo o apoio
e até no campo que o António Fraga era exímio,
nas relações públicas. Vamos fazer esforços
para irmos para a frente como era o desejo do António Fraga
e, com o apoio dos nossos voluntários como puderam observar,
há duas semanas atrás, na nossa festa, a Associação
dos Deficientes Portugueses irá mais longe. Só é
pena que a morte tenha levado o António Fraga antes de
ver o seu sonho realizado que é conclusão das obras
da nossa sede, prevista, se não houver surpresas, para
o verão do próximo ano.
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