OS AÇORES NOS MARES DO MUNDO

- Aventuras e Vivências de Genuíno Madruga -

(Toronto, 18 de Setembro de 2003)

Por Adelina Pereira - Adiaspora.com

Genuíno Madruga, o primeiro açoriano a ter realizado a proeza de circum-navegar o globo, esteve entre nós, tendo amavelmente acatado ao nosso convite para partilhar connosco algumas recordações da grande aventura que viveu nos mares entre 28 de Outubro de 2000 e 18 de Maio de 2002.

Impressionou-nos, de sobremaneira, a postura humilde deste Picoense, de homem simples do mar, que a glória e o reconhecimento que advieram desse seu feito não alteraram. Ao longo da nossa conversa, tocou-nos a generosidade com que se despoja ao compartilhar com todos os seus compatriotas os conhecimentos e experiências angariadas na sua travessia pelos vastos oceanos, continentes e contacto com diversos povos.

Adiaspora.com: Já teve ocasião de nos informar que estabeleceu uma forte ligação com o mar desde tenra idade, mas quando e como é que lhe surgiu a ideia de embarcar nesta aventura à volta do mundo?

Genuíno Madruga: Já foi há muitos anos. Como sabe, o porto da Horta foi sempre um ponto de escala, primeiro para os navios baleeiros americanos, depois para a Pan America e, por último, para os iates. Isto é para assinalar efectivamente as épocas mais importantes do Porto da Horta. Nesses primeiros tempos, o pessoal chamavam os tripulantes dos iates que por ali apareciam "Os Aventureiros", pois eram poucos que ali aportavam. Estou a reportar-me aos finais dos anos 50 e à década de 60. Entretanto, fui para a escola. Quando findou a erupção do Vulcão dos Capelinhos, em 1958, vim com os meus pais para o Faial. Fiz a escola primária e depois entrei para o Liceu, onde aprendi inglês e francês. Quando chegavam os iates ao porto, ou seja os ditos "Aventureiros" - na altura não havia marina na Horta - as pessoas iam para a doca para procurar saber donde tinha vindo o barco, e detalhes da sua viagem. Sempre que podia, também lá ia, por vezes, com alguma dificuldade. Não me era fácil ir para a doca naqueles tempos, pois encontrava-me a estudar, e por diversas outras razões que não enumerarei aqui. Mas sempre que possível, lá estava na doca, onde travava conversa com os tripulantes dos iates. E foi ficando a ideia, pois estes contavam-me que tinham vindo das Caraíbas, ou de outras paragens. Depois lá regressava a casa e ia procurar esses lugares no mapa. Foi ficando na ideia, até que cheguei à conclusão se outros podiam viajar daquela forma, pois também eu conseguiria. Mas quando me surgiu a ideia de viajar pelos mares, é evidente que não tinha quaisquer meios. Nada, rigorosamente nada!

Em 1970 entrei para o serviço militar e depois de regressar, a ideia já se encontrava mais consolidada. Na tropa, tive tempo suficiente para pensar muito a sério em alguns dos aspectos desta aventura. Depois tive a oportunidade de conhecer um grande homem do mar, o francês Marcel Bardiaux, que circum-navegou o globo quatro vezes, sempre sozinho, com barcos construídos por ele próprio. Encontrei-o na Horta pela primeira vez em 1975, num barco por ele construído em aço inoxidável, o que, nesse tempo, era algo insólito. Sempre que podia, ia ao porto conversar com ele (Nessa altura pois eu já pescava e tinha um pequeno barco de pesca), e as suas estórias impressionaram-me muito, de como tinha construído o seu barco e outros pormenores. Eu, por minha vez, ia procurando saber o mais possível e assim ficou a ideia. Pensava eu para mim então: "Não há dúvida que eu também tenho de fazer um barco, porque sem um barco não poderei fazer nenhuma viagem. Mas vou conseguir!". Depois, fui trabalhando ao longo dos anos. Não esqueçamos que quer a compra do barco, quer as despesas desta viagem, foi tudo à minha custa.

Adiaspora.com: Além da sua vida no mar, qual era a actividade profissional que exercia?

Genuíno Madruga: Fui e sou pescador. Sempre andei no mar. A primeira embarcação, com a qual fiz as minhas primeiras pescarias, foi construída por mim aos doze anos quando frequentava o liceu. Construí-la nas férias grandes do verão, (nesses tempos, o liceu encerrava sempre no dia 10 de Junho, Dia de Camões, e reabria no dia 1 de Outubro). Era uma chata, um barco de fundo chato. A sua construção demorou-me exactamente um mês. Mas ficou pronta e era o meu barco. Assim, já podia ir para o mar sempre que quisesse sem quaisquer problemas. Já não estava dependente dos outros para ir para o mar. Era meu.

Adiaspora.com: Durante a viagem de circum-navegação ao mundo, como é que encarava as noites na vastidão imensa do oceano? Normalmente, o Homem, em tal situação, é obrigado, além de estar à mercê da natureza, a estar consigo próprio?

Genuíno Madruga: Sem dúvida nenhuma! Há tempo suficiente para apercebermos de determinadas verdades, de determinadas realidades, que, no dia a dia, não nos apercebemos que elas existem. Dá tempo bastante para vermos o mar, o céu e as estrelas, dá tempo para ver coisas pelas quais, por vezes, passamos no dia a dia. sem apercebermos delas. Para muita coisa. Dá tempo para pensarmos em coisas que, se calhar, no nosso quotidiano, não debruçamos muito sobre elas. Dá tempo, enfim, para nós, verdadeiramente, sabermos afinal quem somos. É importante pararmos para fazer essa auto-análise e verificar de que, na realidade, somos capazes, e o que há na vida que ainda podemos realizar.

Adiaspora.com: Concerteza, que, sozinho no mar, uma pessoa acaba por se aperceber da sua fragilidade, da sua temporalidade como ser humano?

Genuíno Madruga: É isso mesmo! Temos tempo suficiente para nos aperceber do que representa a pequenez do Homem no meio deste universo imenso, e que fazemos parte integrante desse mesmo universo. Por vezes, passamos a vida a correr do um lado para outro, pensando que temos de pagar isto, tratar daquilo, deixando passar outras coisas que são, e de que maneira, importantes. Ali, no mar, o tempo, as horas, não contam muito. O que interessa é o nascer e o por do sol, e se o vento vai estar de feição ou não, se o mar vai estar bom ou não. Isto é que conta efectivamente. Os outros aspectos são todos secundários, e quase sempre, esquecidos.

Adiaspora.com: Como sabe, os antigos navegadores percorriam os mares guiados pelas estrelas, e, mais tarde, surgiram instrumentos de navegação como astrolábio náutico etc. Como é que navegava à noite?

Genuíno Madruga: À noite e de dia. A navegação era sempre feita com o auxílio dos sistemas mais modernos de navegação, ou seja, com o GPS. Em termos de segurança, realmente, foi um equipamento que veio introduzir na navegação marítima e aérea uma segurança extraordinária! Com o GPS, sabe-se sempre, em qualquer parte do mundo, onde é que nos encontramos, o que é fundamental, muito embora que o sextante funcione sempre. O sextante não necessita de corrente eléctrica, ou seja, é sempre um instrumento de recurso. Contudo, nunca utilizei o sextante em toda a minha vida no mar. Hoje, o GPS veio tornar completamente obsoletos todos esses equipamentos. O GPS é hoje o instrumento de navegação.

Adiaspora.com: Numa sua intervenção, focou que esta viagem à volta do mundo, o transformou, sensibilizando-o para o alastramento da miséria e da pobreza na Humanidade. Nas suas aventuras por esse mundo fora, conseguiu apurar quais são algumas das causas deste fenómeno, o que está na raiz da crescente pobreza entre os povos?

Genuíno Madruga: É certo que, por vezes, ouvimos falar que morre gente à fome aqui ou ali, mas, se calhar, não entendemos bem o que realmente se passa. Enfim, é uma notícia no meio de muitas outras. Mas quando vemos, quando nós, efectivamente, encaramos situações dessas, é bem diferente. Nunca mais nos esquecemos quando vimos pessoas, que ainda não morreram, mas que estão às portas da morte. Muitas das que vi, seguramente, hoje já faleceram. Nunca mais se esquece. Pessoas a virarem os caixotes do lixo para comer os restos dos outros. Não dá para esquecer! Cada vez há mais riqueza, mas, cada vez, são menos os que desfrutam dessa riqueza. Talvez, por isso, aumente, cada vez mais, a fome no mundo.

Adiaspora.com: Também mencionou que, na próxima vez que voltasse a Cabo Verde, iria encher o barco de roupas para aquelas gentes, sobretudo para as crianças. Além dessa ideia, tem mais alguns planos para fazer algo neste sentido?

Genuíno Madruga: Já estou a fazer nesta altura. É precisamente, em todas as minhas palestras e conferências, falar nessa realidade, alertando as pessoas para toda a problemática que se vive em Cabo Verde. Na verdade, o povo cabo-verdiano toca-nos muito porque fala a nossa língua. Grande parte das gentes cabo-verdianas são também, como nós, emigrantes. Faço aquilo que me é possível. Um dos destinos da minha próxima viagem, após a saída da Horta, será, novamente, as ilhas de Cabo Verde. Nesta altura, já estou a estabelecer alguns contactos com pessoas para irem juntando roupas, sobretudo roupas de criança., porque são estas que mais precisam. São muitas as crianças abandonadas nestas ilhas. Muitos não conhecem os pais. Tive oportunidade de verificar que há muitas crianças nesta situação. Algumas só conhecem as mães, outras não conhecem nem pai nem mãe. Andam a vaguear abandonadas pelas ruas. São os chamados meninos da rua e que sobrevivem em péssimas condições.

Adiaspora.com: Foi o primeiro açoriano a levar a cabo a proeza de circum-navegar o mundo e, por onde passou, promoveu a açorianidade. Como vê as possibilidades de dar continuidade a este trabalho promocional na actual conjuntura sócio-política dos Açores? Por outras palavras, na actual conjuntura que se vive nos Açores, em termos de apoios, de interesse por este tipo de empreendimentos, com vê a possibilidade de continuar a promover os Açores talvez de uma forma mais visível?

Genuíno Madruga: Fiz aquilo que estava ao meu alcance com os meios ao meu dispor, isto é meus. Repito, os meios foram única e exclusivamente meus. Uma coisa é certa. Nesta altura, encontra-se um determinado partido político no poder, mas esse governo vai passar e os Açores vão ficar, vão continuar. E há-de vir outro governo, e há-de vir outra gente, e suponho que, um dia, vão chegar à conclusão que terá de ser nós, os Açorianos, a fazer pelas nossas ilhas. Não podemos estar à espera que venha quem quer que seja de fora zelar pelos nossos interesses. Suponho que um dia há-de vir alguém que veja as coisas de forma diferente. Eu, pessoalmente, não tive quaisquer apoios para o pouco que consegui fazer. Também não possuía quaisquer meios. Quase tive de pedir por favor à Secretaria Nacional de Turismo para me dar alguns desdobráveis, alguns materiais e ainda acabei por ter de tirar fotocópias. Houve um certo desleixo. Até custa a acreditar, mas foi isto que se passou.

Adiaspora.com: É, de facto, notório que Portugal, como país, tem alguma dificuldade em promover a sua imagem no mundo.

Genuíno Madruga: Estou-me a referir-me, sobretudo, ao Governo Regional dos Açores. Como sabe, os Açores goza de uma autonomia financeira, administrativa e política que, não tem rigorosamente a ver com aquilo que se passa a nível nacional. A este nível, Portugal teve alguma promoção internacional com a Expo 98, e agora, com o Europeu 2004, que são alguns marcos importantes, mas, a par disso, há outras situações que deviam ser apoiadas e tratadas de uma outra forma. Por exemplo, em vez de ter levado oito ou dez bandeiras dos Açores, que eu próprio tive de comprar, podia ter levado cem e as deixado em diversos países. Mais que não fosse só isto. Uma das coisas mais simples, uma bandeira, que é o símbolo do nosso povo, mas nem isto!

Adiaspora.com: Como já referiu, não teve quaisquer apoios institucionais. Acha, no entanto, que o reconhecimento popular, as manifestações de apreço e as várias homenagens de que foi alvo à sua chegada, o compensaram, de certa forma, pela falta de fé e investimento por parte das entidades oficiais?

Genuíno Madruga: Eu teria feito esta viagem com apoios ou sem apoios, com ou sem as recepções como a que tive ao chegar. Teria sempre feito esta viagem, pois era a minha viagem! Era o meu sonho pessoal. De qualquer modo, foi gratificante, e de que maneira, como se pode compreender, aquilo que se passou no dia da minha chegada. Mas não só. Houve depois homenagens feitas pelo povo, pela população de toda a freguesia onde resido, ou seja, da Praia do Almoxarife na Ilha do Faial, da freguesia onde nasci, São João do Pico, e por diversas outras entidades como a Casa dos Açores do Algarve, Casa dos Açores de Lisboa, Casa do Triângulo de São Miguel, a Assembleia Regional dos Açores, Juntas de Freguesia, as Câmaras Municipais da Madalena, de São Roque e das Lajes, e também aqui, na cidade de Toronto. Só o facto de participar no 17° Ciclo de Cultura Açoriana já é gratificante. Mas há um outro aspecto que gostaria de salientar. Se aquilo que eu fiz não foi devidamente entendido pelo Governo Regional dos Açores, por parte do Senhor Presidente da República, essa situação foi devidamente, devidamente, e repito, devidamente acautelada e tratada. No último 10 de Junho, ou seja no Dia de Portugal e das Comunidades, no Dia de Camões, foi-me atribuído, pelo Senhor Presidente da República, o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Isto, realmente, veio colocar as coisas no seu devido lugar, sem sombra de dúvida. E não foi por ter sido a minha pessoa, mas certamente se outro tivesse realizado este feito, teria recebido igual reconhecimento. Pois não é por acaso que não tenha acontecido uma situação destas antes. Isto não se faz de qualquer maneira. Acho que o Senhor Presidente procedeu muito bem. Foi o Senhor Presidente da Assembleia da República, Dr. Mota Amaral, que propôs que me fosse atribuída esta distinção, proposta a qual recebeu o apoio de diversas entidades como a Mutual dos Pescadores, e de diversas Câmaras Municipais e associações do sector da pesca e de outros. E por fim, no dia 10 de Junho, o Senhor Presidente da República, achou por bem prestar-me este tributo...

Adiaspora.com: Que veio coroar a realização de um sonho. Houve, concerteza, sacrifícios pessoais para que este sonho se realizasse. Quer-nos falar um pouco destes e do papel que a família, como núcleo central primário da sua vida, desempenhou no desenrolar dos acontecimentos à volta desta aventura?

Genuíno Madruga: Isto levou, como já disse, muito tempo a preparar, mais de vinte anos. Os meus filhos quando nasceram já ouviam falar nisto. Já sabiam que isto viria a acontecer. A minha esposa, infelizmente, não pude acompanhar até ao fim, visto ter falecido há dez anos, mas também ela trabalhou para este projecto, pois a vida, naquele tempo, não foi fácil. Eu trabalhava no mar e também cheguei a ter vacas. Era tudo formas de se ganhar algum dinheiro e, assim, todos trabalharam para este fim, os meus dois filhos, a minha esposa e eu. Consegui levar este projecto a bom porto com a ajuda de toda a família. Este feito é também dos meus dois filhos que muito contribuíram para que isto acontecesse.

Adiaspora.com: Concerteza, devem sentir-se orgulhosos do pai que têm.

Genuíno Madruga: Isto tudo é deles também. Desejava aqui acrescentar que tudo isto se realizou com muito sacrifício. Quando casei não tinha nada. Só depois de estar casado é que fui comprar uma cama para me deitar com a minha esposa. É verdade, não havia nada. Tinha um barquinho pequenino com um pequeno motor a gasolina de 4,5 cavalos, pois não havia dinheiro para mais. Ia trabalhar para a estiva no porto da Horta quando lá aportavam navios, e para o mar, enquanto a minha esposa cuidava das vacas que tínhamos. Entretanto nasceram dois rapazes. O mais velho é hoje oficial da Marinha, mas teve de deslocar-se para Lisboa para estudar. A vida não foi fácil. Foi-nos difícil conseguir poupar alguns dinheirinhos. Nós não podíamos ir a festas, nem de férias, nem a cafés, nada disso. Ninguém, em nossa casa, passou fome, pois tínhamos carne, peixe com toda a fartura, batatas, milho, cebolas, salsa, enfim, tudo o que a terra nos dá. Na altura, vinham roupas da América, porque a minha esposa tinha lá dois irmãos que, de quando em vez, nos mandavam roupas. E lá fomos andando. Ao fim ao cabo, foi assim que tudo isto principiou. Mas, o que interessa, ao contrário do que um amigo (referindo-se ao 17° Ciclo de Cultura Açoriana) aqui disse que o importante é principiar, julgo que o que é, na verdade, importante, é acabar. Pois existem muitos que principiam, mas nem todos chegam ao fim, ficando muitos pelo caminho. Às vezes, bastaria uma pequena ajuda, uma simples palavra de incentivo, para continuarem. Mas, por vezes, isso não acontece, e as pessoas não têm a força suficiente para ultrapassar as dificuldades, que sempre aparecem. Temos de nos lembrar que o que nos vem facilmente, também facilmente desaparece.

Adiaspora.com: No decurso da viagem, quais foram os apoios de ordem logística que teve, por outras, que entidades, ou indivíduos, o acompanharam enquanto andava no alto mar? Aqui, soubemos que o Núcleo das Ilhas de Bruma da Universidade de Aveiro ia acompanhando, no seu Web site, o seu percurso passo a passo.

Genuíno Madruga: Foram eles que realizaram toda essa parte informática. Organizaram o Web site. Tudo isto é da responsabilidade do Núcleo das Ilhas de Bruma. Só no verão deste ano, é que vim a conhecer o indivíduo que fez o desdobrável que agora distribuo. É bom que se saliente que tudo isto foi feito por amor à camisola. Toda gente trabalhou aqui sem o menor interesse. Havia, para além disto, um programa semanal na rádio Antena 9 no Faial, que depois era retransmitido pelas rádios do Pico e de São Jorge, e que se chamava "Por Todo O Mundo". O responsável pelo programa era o Luís Prieto. O José António Mourinho, no Faial, era a pessoa que assumiu a responsabilidade das comunicações, que falava comigo via rádio. Houve outros também, mas fundamentalmente esse. Através do programa, que ia para o ar todos os sábados, os ouvintes ia sempre acompanhando a viagem, onde estava e por onde passava. Por minha vez, ia colhendo dos sítios por onde passava as informações mais importantes, o que as pessoas comiam, como viviam, que peixe os pescadores pescavam, como pescavam etc. Também ia arranjando música tradicional desses sítios, que depois mandava para o Faial para o programa. Sempre que possível, as pessoas, ora via rádio, ora via telefone, também entravam e colocavam-me perguntas. É de salientar o papel que a comunicação social aqui desempenhou, e que foi fundamental, na divulgação da viagem do Hemingway. Mas repito. Tudo isto foi feito por amor à camisola. Hoje, continua-se a fazer conferências e outros trabalhos. Agora vamos lançar, muito em breve, um novo Web site. Também vamos levar a cabo um trabalho muito importante junto das escolas durante este ano lectivo. Mas tudo isto sem um mais pequeno interesse. São as pessoas que se disponibilizam, conforme as suas possibilidades, para dar a conhecer muito daquilo que foi esta viagem, mas também despertar, em certa medida, as pessoas para o nosso mar. Hoje, é fundamental que isso aconteça. Até porque, nesta altura, estão a decorrer negociações com a União Europeia, onde estão a ser discutidas as nossas duzentas milhas. Portanto, tudo que possamos fazer neste sentido nas escolas, e na comunicação social, é fundamental. Temos de despertar as pessoas. Este mar é nosso! Nós é que temos de tomar conta dele, e não permitir que venham outros fazer no nosso mar aquilo que querem!

Adiaspora.com: Reparamos que ao longo de toda esta nossa conversa que o Senhor Comendador acabou por fazer várias referências às crianças... às crianças de Cabo Verde, aos seus filhos que um dia foram crianças, e ao projecto no qual se encontra actualmente empenhado, que visa despertar o interesse pelo mar nas escolas. Quer-nos parecer que o Senhor Comendador nutre um afecto muito especial pelas crianças.

Genuíno Madruga: Não foi há muito tempo que tinha a idade deles, não foram há tantos anos como isso! Construí o meu primeiro barco com 12 anos. Gostei sempre do mar e lá vivi tantas coisas boas. Também gostaria que os outros gostassem um pouco do mar e usufruíssem das mesmas. Mas não só por isso. É porque o mar pode ser - para nós que vivemos nas ilhas e que não temos muita terra - uma importante fonte de rendimento para muita gente.

Adiaspora.com: Nas crianças vê a continuidade do seu próprio sonho, o sonho que acalentou desde muito jovem?

Genuíno Madruga: É por aí que as coisas têm de passar, isto é, pelas escolas.

Adiaspora.com: Quer deixar alguma mensagem à comunidade luso-canadiana?

Genuíno Madruga: Ontem fiquei muito satisfeito quando visitei o Centro Cultural Português de Mississauga. Não esperava ver, muito sinceramente, aquilo que vi. Os meus parabéns àqueles que conseguem levar avante uma obra daquelas, e àqueles que lá vão trabalhando no dia a dia, pois o centro daquela natureza não caminha de qualquer maneira. Já é um navio muito grande. Mas se, efectivamente, as pessoas continuarem, julgo que os seus netos hão-de saber que um dia existiram os Açores. Hoje, já não há emigração dos Açores para o Canadá. Mas se aqueles que agora nascem e crescem não tiverem algum ponto de referência, alguma ligação, esquecer-se-ão completamente. A língua é o elo mais forte de união entre as pessoas. Todavia, se a língua cair em desuso, ou deixar-se de falar dos Açores, as coisas acabam por parar no tempo, isto é, acabam por desaparecer.

Adiaspora.com: Para terminar, fale-nos um pouco sobre essa viagem que já está a delinear-se no horizonte dos seus planos? Para onde desta feita, e como?

Genuíno Madruga: Será com partida dos Açores com destino, novamente, às Ilhas de Cabo Verde. De seguida, o Brasil, o sul do Brasil, possivelmente até Santa Catarina.

Adiaspora.com: Em busca dos Açorianos?

Genuíno Madruga: Tenho já em vista um projecto com um amigo da Ilha Terceira que está muito interessado em financiar uma viagem destas. A sua esposa é do Brasil. Depois, subirei a costa do Brasil. Talvez passar novamente por Fernando de Noronha, ou Fortaleza e, de seguida, ir até Cuba e República Dominicana. Mas desta feita sem pressas - uma viagem de dois ou três anos para dar tempo de observar melhor aquelas paragens. Depois, se a vida estiver equilibrada de modo que me possa segurar, seguirei novamente para o Pacífico. Quem vai ao Pacífico já não volta para trás! Quem passar o Canal do Panamá, segue sempre! E depois logo veremos!

Adiaspora.com: Desta vez, quer recolher mais informações e vivenciar as culturas daqueles povos mais de perto?

Genuíno Madruga: Ora nem mais! Tenho um projecto com um amigo, José Carreiro, da RTP, para fazermos algo que me parece muito interessante - um estudo dos pescadores artesanais do Atlântico. Já conhecemos, obviamente, como é a pescaria artesanal nos Açores, mas seria interessante vermos como é que esta se processa em Cabo Verde, quais as embarcações que se utiliza, quais as espécies que se pesca, a sua comercialização, como vivem os pescadores, qual a assistência social que estes têm, a sua religião, as suas habitações, etc. Depois continuar a pesquisa no Brasil. Uma outra vertente deste projecto será divulgar, simultaneamente, aos pescadores daquelas paragens, como se pratica a pesca artesanal nos Açores. Penso ser interessante, sabermos o que se passa, a este nível, entre os outros povos lusófonos. Este trabalho vem no seguimento das minhas observações ao longo da minha viagem, só que desta feita, iremos aprofundar e, efectivamente, efectuar um levantamento sério, e com tempo. Todavia, esta nova viagem ainda não está com data marcada. Pensamos que será no próximo ano. Vamos lá ver o que se consegue fazer. Presentemente, estamos a trabalhar no sentido de assegurar financiamento para estes projectos.

Adiaspora.com: Os nossos agradecimentos pelo tempo e atenção que nos dispensou. Adiaspora.com, e sua equipa, desejam-lhe as melhores venturas para este seu novo empreendimento. Esperamos receber notícias destes novos projectos e das suas novas aventuras por esses mares fora.

Entrevista exclusiva de Adiaspora.com

Ver
www.geocities.com/hortasail

www.genuinomadruga.com