OS AÇORES NOS MARES DO MUNDO
- Aventuras e Vivências de Genuíno
Madruga -
(Toronto, 18 de Setembro de 2003)
Por Adelina Pereira - Adiaspora.com
Genuíno Madruga, o primeiro
açoriano a ter realizado a proeza de circum-navegar o globo,
esteve entre nós, tendo amavelmente acatado ao nosso convite
para partilhar connosco algumas recordações da grande
aventura que viveu nos mares entre 28 de Outubro de 2000 e 18
de Maio de 2002.
Impressionou-nos, de sobremaneira, a postura humilde deste Picoense,
de homem simples do mar, que a glória e o reconhecimento
que advieram desse seu feito não alteraram. Ao longo da
nossa conversa, tocou-nos a generosidade com que se despoja ao
compartilhar com todos os seus compatriotas os conhecimentos e
experiências angariadas na sua travessia pelos vastos oceanos,
continentes e contacto com diversos povos.
Adiaspora.com: Já teve ocasião de nos informar
que estabeleceu uma forte ligação com o mar desde
tenra idade, mas quando e como é que lhe surgiu a ideia
de embarcar nesta aventura à volta do mundo?
Genuíno Madruga: Já foi há muitos anos.
Como sabe, o porto da Horta foi sempre um ponto de escala, primeiro
para os navios baleeiros americanos, depois para a Pan America
e, por último, para os iates. Isto é para assinalar
efectivamente as épocas mais importantes do Porto da Horta.
Nesses primeiros tempos, o pessoal chamavam os tripulantes dos
iates que por ali apareciam "Os Aventureiros", pois
eram poucos que ali aportavam. Estou a reportar-me aos finais
dos anos 50 e à década de 60. Entretanto, fui para
a escola. Quando findou a erupção do Vulcão
dos Capelinhos, em 1958, vim com os meus pais para o Faial. Fiz
a escola primária e depois entrei para o Liceu, onde aprendi
inglês e francês. Quando chegavam os iates ao porto,
ou seja os ditos "Aventureiros" - na altura não
havia marina na Horta - as pessoas iam para a doca para procurar
saber donde tinha vindo o barco, e detalhes da sua viagem. Sempre
que podia, também lá ia, por vezes, com alguma dificuldade.
Não me era fácil ir para a doca naqueles tempos,
pois encontrava-me a estudar, e por diversas outras razões
que não enumerarei aqui. Mas sempre que possível,
lá estava na doca, onde travava conversa com os tripulantes
dos iates. E foi ficando a ideia, pois estes contavam-me que tinham
vindo das Caraíbas, ou de outras paragens. Depois lá
regressava a casa e ia procurar esses lugares no mapa. Foi ficando
na ideia, até que cheguei à conclusão se
outros podiam viajar daquela forma, pois também eu conseguiria.
Mas quando me surgiu a ideia de viajar pelos mares, é evidente
que não tinha quaisquer meios. Nada, rigorosamente nada!
Em 1970 entrei para o serviço militar e depois de regressar,
a ideia já se encontrava mais consolidada. Na tropa, tive
tempo suficiente para pensar muito a sério em alguns dos
aspectos desta aventura. Depois tive a oportunidade de conhecer
um grande homem do mar, o francês Marcel Bardiaux, que circum-navegou
o globo quatro vezes, sempre sozinho, com barcos construídos
por ele próprio. Encontrei-o na Horta pela primeira vez
em 1975, num barco por ele construído em aço inoxidável,
o que, nesse tempo, era algo insólito. Sempre que podia,
ia ao porto conversar com ele (Nessa altura pois eu já
pescava e tinha um pequeno barco de pesca), e as suas estórias
impressionaram-me muito, de como tinha construído o seu
barco e outros pormenores. Eu, por minha vez, ia procurando saber
o mais possível e assim ficou a ideia. Pensava eu para
mim então: "Não há dúvida que
eu também tenho de fazer um barco, porque sem um barco
não poderei fazer nenhuma viagem. Mas vou conseguir!".
Depois, fui trabalhando ao longo dos anos. Não esqueçamos
que quer a compra do barco, quer as despesas desta viagem, foi
tudo à minha custa.
Adiaspora.com: Além da sua vida no mar, qual era a actividade
profissional que exercia?
Genuíno Madruga: Fui e sou pescador.
Sempre andei no mar. A primeira embarcação, com
a qual fiz as minhas primeiras pescarias, foi construída
por mim aos doze anos quando frequentava o liceu. Construí-la
nas férias grandes do verão, (nesses tempos, o liceu
encerrava sempre no dia 10 de Junho, Dia de Camões, e reabria
no dia 1 de Outubro). Era uma chata, um barco de fundo chato.
A sua construção demorou-me exactamente um mês.
Mas ficou pronta e era o meu barco. Assim, já podia
ir para o mar sempre que quisesse sem quaisquer problemas. Já
não estava dependente dos outros para ir para o mar. Era
meu.
Adiaspora.com: Durante a viagem de circum-navegação
ao mundo, como é que encarava as noites na vastidão
imensa do oceano? Normalmente, o Homem, em tal situação,
é obrigado, além de estar à mercê da
natureza, a estar consigo próprio?
Genuíno Madruga: Sem dúvida nenhuma! Há
tempo suficiente para apercebermos de determinadas verdades, de
determinadas realidades, que, no dia a dia, não nos apercebemos
que elas existem. Dá tempo bastante para vermos o mar,
o céu e as estrelas, dá tempo para ver coisas pelas
quais, por vezes, passamos no dia a dia. sem apercebermos delas.
Para muita coisa. Dá tempo para pensarmos em coisas que,
se calhar, no nosso quotidiano, não debruçamos muito
sobre elas. Dá tempo, enfim, para nós, verdadeiramente,
sabermos afinal quem somos. É importante pararmos para
fazer essa auto-análise e verificar de que, na realidade,
somos capazes, e o que há na vida que ainda podemos realizar.
Adiaspora.com: Concerteza, que, sozinho no mar, uma pessoa acaba
por se aperceber da sua fragilidade, da sua temporalidade como
ser humano?
Genuíno Madruga: É isso mesmo! Temos tempo suficiente
para nos aperceber do que representa a pequenez do Homem no meio
deste universo imenso, e que fazemos parte integrante desse mesmo
universo. Por vezes, passamos a vida a correr do um lado para
outro, pensando que temos de pagar isto, tratar daquilo, deixando
passar outras coisas que são, e de que maneira, importantes.
Ali, no mar, o tempo, as horas, não contam muito. O que
interessa é o nascer e o por do sol, e se o vento vai estar
de feição ou não, se o mar vai estar bom
ou não. Isto é que conta efectivamente. Os outros
aspectos são todos secundários, e quase sempre,
esquecidos.
Adiaspora.com: Como sabe, os antigos navegadores percorriam os
mares guiados pelas estrelas, e, mais tarde, surgiram instrumentos
de navegação como astrolábio náutico
etc. Como é que navegava à noite?
Genuíno Madruga: À noite e de dia. A navegação
era sempre feita com o auxílio dos sistemas mais modernos
de navegação, ou seja, com o GPS. Em termos de segurança,
realmente, foi um equipamento que veio introduzir na navegação
marítima e aérea uma segurança extraordinária!
Com o GPS, sabe-se sempre, em qualquer parte do mundo, onde é
que nos encontramos, o que é fundamental, muito embora
que o sextante funcione sempre. O sextante não necessita
de corrente eléctrica, ou seja, é sempre um instrumento
de recurso. Contudo, nunca utilizei o sextante em toda a minha
vida no mar. Hoje, o GPS veio tornar completamente obsoletos todos
esses equipamentos. O GPS é hoje o instrumento de navegação.
Adiaspora.com: Numa sua intervenção, focou que
esta viagem à volta do mundo, o transformou, sensibilizando-o
para o alastramento da miséria e da pobreza na Humanidade.
Nas suas aventuras por esse mundo fora, conseguiu apurar quais
são algumas das causas deste fenómeno, o que está
na raiz da crescente pobreza entre os povos?
Genuíno Madruga: É certo que, por vezes, ouvimos
falar que morre gente à fome aqui ou ali, mas, se calhar,
não entendemos bem o que realmente se passa. Enfim, é
uma notícia no meio de muitas outras. Mas quando vemos,
quando nós, efectivamente, encaramos situações
dessas, é bem diferente. Nunca mais nos esquecemos quando
vimos pessoas, que ainda não morreram, mas que estão
às portas da morte. Muitas das que vi, seguramente, hoje
já faleceram. Nunca mais se esquece. Pessoas a virarem
os caixotes do lixo para comer os restos dos outros. Não
dá para esquecer! Cada vez há mais riqueza, mas,
cada vez, são menos os que desfrutam dessa riqueza. Talvez,
por isso, aumente, cada vez mais, a fome no mundo.
Adiaspora.com: Também mencionou que, na próxima
vez que voltasse a Cabo Verde, iria encher o barco de roupas para
aquelas gentes, sobretudo para as crianças. Além
dessa ideia, tem mais alguns planos para fazer algo neste sentido?
Genuíno Madruga: Já estou a fazer nesta altura.
É precisamente, em todas as minhas palestras e conferências,
falar nessa realidade, alertando as pessoas para toda a problemática
que se vive em Cabo Verde. Na verdade, o povo cabo-verdiano toca-nos
muito porque fala a nossa língua. Grande parte das gentes
cabo-verdianas são também, como nós, emigrantes.
Faço aquilo que me é possível. Um dos destinos
da minha próxima viagem, após a saída da
Horta, será, novamente, as ilhas de Cabo Verde. Nesta altura,
já estou a estabelecer alguns contactos com pessoas para
irem juntando roupas, sobretudo roupas de criança., porque
são estas que mais precisam. São muitas as crianças
abandonadas nestas ilhas. Muitos não conhecem os pais.
Tive oportunidade de verificar que há muitas crianças
nesta situação. Algumas só conhecem as mães,
outras não conhecem nem pai nem mãe. Andam a vaguear
abandonadas pelas ruas. São os chamados meninos da rua
e que sobrevivem em péssimas condições.
Adiaspora.com: Foi o primeiro açoriano a levar a cabo
a proeza de circum-navegar o mundo e, por onde passou, promoveu
a açorianidade. Como vê as possibilidades de dar
continuidade a este trabalho promocional na actual conjuntura
sócio-política dos Açores? Por outras palavras,
na actual conjuntura que se vive nos Açores, em termos
de apoios, de interesse por este tipo de empreendimentos, com
vê a possibilidade de continuar a promover os Açores
talvez de uma forma mais visível?
Genuíno Madruga: Fiz aquilo que estava ao meu alcance
com os meios ao meu dispor, isto é meus. Repito, os meios
foram única e exclusivamente meus. Uma coisa é certa.
Nesta altura, encontra-se um determinado partido político
no poder, mas esse governo vai passar e os Açores vão
ficar, vão continuar. E há-de vir outro governo,
e há-de vir outra gente, e suponho que, um dia, vão
chegar à conclusão que terá de ser nós,
os Açorianos, a fazer pelas nossas ilhas. Não podemos
estar à espera que venha quem quer que seja de fora zelar
pelos nossos interesses. Suponho que um dia há-de vir alguém
que veja as coisas de forma diferente. Eu, pessoalmente, não
tive quaisquer apoios para o pouco que consegui fazer. Também
não possuía quaisquer meios. Quase tive de pedir
por favor à Secretaria Nacional de Turismo para me dar
alguns desdobráveis, alguns materiais e ainda acabei por
ter de tirar fotocópias. Houve um certo desleixo. Até
custa a acreditar, mas foi isto que se passou.
Adiaspora.com: É, de facto, notório que Portugal,
como país, tem alguma dificuldade em promover a sua imagem
no mundo.
Genuíno Madruga: Estou-me a referir-me, sobretudo, ao
Governo Regional dos Açores. Como sabe, os Açores
goza de uma autonomia financeira, administrativa e política
que, não tem rigorosamente a ver com aquilo que se passa
a nível nacional. A este nível, Portugal teve alguma
promoção internacional com a Expo 98, e agora, com
o Europeu 2004, que são alguns marcos importantes, mas,
a par disso, há outras situações que deviam
ser apoiadas e tratadas de uma outra forma. Por exemplo, em vez
de ter levado oito ou dez bandeiras dos Açores, que eu
próprio tive de comprar, podia ter levado cem e as deixado
em diversos países. Mais que não fosse só
isto. Uma das coisas mais simples, uma bandeira, que é
o símbolo do nosso povo, mas nem isto!
Adiaspora.com: Como já referiu, não teve quaisquer
apoios institucionais. Acha, no entanto, que o reconhecimento
popular, as manifestações de apreço e as
várias homenagens de que foi alvo à sua chegada,
o compensaram, de certa forma, pela falta de fé e investimento
por parte das entidades oficiais?
Genuíno Madruga: Eu teria feito esta viagem com apoios
ou sem apoios, com ou sem as recepções como a que
tive ao chegar. Teria sempre feito esta viagem, pois era a minha
viagem! Era o meu sonho pessoal. De qualquer modo, foi gratificante,
e de que maneira, como se pode compreender, aquilo que se passou
no dia da minha chegada. Mas não só. Houve depois
homenagens feitas pelo povo, pela população de toda
a freguesia onde resido, ou seja, da Praia do Almoxarife na Ilha
do Faial, da freguesia onde nasci, São João do Pico,
e por diversas outras entidades como a Casa dos Açores
do Algarve, Casa dos Açores de Lisboa, Casa do Triângulo
de São Miguel, a Assembleia Regional dos Açores,
Juntas de Freguesia, as Câmaras Municipais da Madalena,
de São Roque e das Lajes, e também aqui, na cidade
de Toronto. Só o facto de participar no 17° Ciclo de
Cultura Açoriana já é gratificante. Mas há
um outro aspecto que gostaria de salientar. Se aquilo que eu fiz
não foi devidamente entendido pelo Governo Regional dos
Açores, por parte do Senhor Presidente da República,
essa situação foi devidamente, devidamente, e repito,
devidamente acautelada e tratada. No último 10 de Junho,
ou seja no Dia de Portugal e das Comunidades, no Dia de Camões,
foi-me atribuído, pelo Senhor Presidente da República,
o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Isto, realmente,
veio colocar as coisas no seu devido lugar, sem sombra de dúvida.
E não foi por ter sido a minha pessoa, mas certamente se
outro tivesse realizado este feito, teria recebido igual reconhecimento.
Pois não é por acaso que não tenha acontecido
uma situação destas antes. Isto não se faz
de qualquer maneira. Acho que o Senhor Presidente procedeu muito
bem. Foi o Senhor Presidente da Assembleia da República,
Dr. Mota Amaral, que propôs que me fosse atribuída
esta distinção, proposta a qual recebeu o apoio
de diversas entidades como a Mutual dos Pescadores, e de diversas
Câmaras Municipais e associações do sector
da pesca e de outros. E por fim, no dia 10 de Junho, o Senhor
Presidente da República, achou por bem prestar-me este
tributo...
Adiaspora.com: Que veio coroar a realização de
um sonho. Houve, concerteza, sacrifícios pessoais para
que este sonho se realizasse. Quer-nos falar um pouco destes e
do papel que a família, como núcleo central primário
da sua vida, desempenhou no desenrolar dos acontecimentos à
volta desta aventura?
Genuíno Madruga: Isto levou, como já disse, muito
tempo a preparar, mais de vinte anos. Os meus filhos quando nasceram
já ouviam falar nisto. Já sabiam que isto viria
a acontecer. A minha esposa, infelizmente, não pude acompanhar
até ao fim, visto ter falecido há dez anos, mas
também ela trabalhou para este projecto, pois a vida, naquele
tempo, não foi fácil. Eu trabalhava no mar e também
cheguei a ter vacas. Era tudo formas de se ganhar algum dinheiro
e, assim, todos trabalharam para este fim, os meus dois filhos,
a minha esposa e eu. Consegui levar este projecto a bom porto
com a ajuda de toda a família. Este feito é também
dos meus dois filhos que muito contribuíram para que isto
acontecesse.
Adiaspora.com: Concerteza, devem sentir-se orgulhosos do pai
que têm.
Genuíno Madruga: Isto tudo é deles
também. Desejava aqui acrescentar que tudo isto se realizou
com muito sacrifício. Quando casei não tinha nada.
Só depois de estar casado é que fui comprar uma
cama para me deitar com a minha esposa. É verdade, não
havia nada. Tinha um barquinho pequenino com um pequeno motor
a gasolina de 4,5 cavalos, pois não havia dinheiro para
mais. Ia trabalhar para a estiva no porto da Horta quando lá
aportavam navios, e para o mar, enquanto a minha esposa cuidava
das vacas que tínhamos. Entretanto nasceram dois rapazes.
O mais velho é hoje oficial da Marinha, mas teve de deslocar-se
para Lisboa para estudar. A vida não foi fácil.
Foi-nos difícil conseguir poupar alguns dinheirinhos. Nós
não podíamos ir a festas, nem de férias,
nem a cafés, nada disso. Ninguém, em nossa casa,
passou fome, pois tínhamos carne, peixe com toda a fartura,
batatas, milho, cebolas, salsa, enfim, tudo o que a terra nos
dá. Na altura, vinham roupas da América, porque
a minha esposa tinha lá dois irmãos que, de quando
em vez, nos mandavam roupas. E lá fomos andando. Ao fim
ao cabo, foi assim que tudo isto principiou. Mas, o que interessa,
ao contrário do que um amigo (referindo-se ao 17°
Ciclo de Cultura Açoriana) aqui disse que o importante
é principiar, julgo que o que é, na verdade, importante,
é acabar. Pois existem muitos que principiam, mas nem todos
chegam ao fim, ficando muitos pelo caminho. Às vezes, bastaria
uma pequena ajuda, uma simples palavra de incentivo, para continuarem.
Mas, por vezes, isso não acontece, e as pessoas não
têm a força suficiente para ultrapassar as dificuldades,
que sempre aparecem. Temos de nos lembrar que o que nos vem facilmente,
também facilmente desaparece.
Adiaspora.com: No decurso da viagem, quais foram os apoios de
ordem logística que teve, por outras, que entidades, ou
indivíduos, o acompanharam enquanto andava no alto mar?
Aqui, soubemos que o Núcleo das Ilhas de Bruma da Universidade
de Aveiro ia acompanhando, no seu Web site, o seu percurso passo
a passo.
Genuíno Madruga: Foram eles que realizaram
toda essa parte informática. Organizaram o Web site. Tudo
isto é da responsabilidade do Núcleo das Ilhas de
Bruma. Só no verão deste ano, é que vim a
conhecer o indivíduo que fez o desdobrável que agora
distribuo. É bom que se saliente que tudo isto foi feito
por amor à camisola. Toda gente trabalhou aqui sem o menor
interesse. Havia, para além disto, um programa semanal
na rádio Antena 9 no Faial, que depois era retransmitido
pelas rádios do Pico e de São Jorge, e que se chamava
"Por Todo O Mundo". O responsável pelo
programa era o Luís Prieto. O José António
Mourinho, no Faial, era a pessoa que assumiu a responsabilidade
das comunicações, que falava comigo via rádio.
Houve outros também, mas fundamentalmente esse. Através
do programa, que ia para o ar todos os sábados, os ouvintes
ia sempre acompanhando a viagem, onde estava e por onde passava.
Por minha vez, ia colhendo dos sítios por onde passava
as informações mais importantes, o que as pessoas
comiam, como viviam, que peixe os pescadores pescavam, como pescavam
etc. Também ia arranjando música tradicional desses
sítios, que depois mandava para o Faial para o programa.
Sempre que possível, as pessoas, ora via rádio,
ora via telefone, também entravam e colocavam-me perguntas.
É de salientar o papel que a comunicação
social aqui desempenhou, e que foi fundamental, na divulgação
da viagem do Hemingway. Mas repito. Tudo isto foi feito por amor
à camisola. Hoje, continua-se a fazer conferências
e outros trabalhos. Agora vamos lançar, muito em breve,
um novo Web site. Também vamos levar a cabo um trabalho
muito importante junto das escolas durante este ano lectivo. Mas
tudo isto sem um mais pequeno interesse. São as pessoas
que se disponibilizam, conforme as suas possibilidades, para dar
a conhecer muito daquilo que foi esta viagem, mas também
despertar, em certa medida, as pessoas para o nosso mar. Hoje,
é fundamental que isso aconteça. Até porque,
nesta altura, estão a decorrer negociações
com a União Europeia, onde estão a ser discutidas
as nossas duzentas milhas. Portanto, tudo que possamos fazer neste
sentido nas escolas, e na comunicação social, é
fundamental. Temos de despertar as pessoas. Este mar é
nosso! Nós é que temos de tomar conta dele, e não
permitir que venham outros fazer no nosso mar aquilo que querem!
Adiaspora.com: Reparamos que ao longo de toda esta nossa conversa
que o Senhor Comendador acabou por fazer várias referências
às crianças... às crianças de Cabo
Verde, aos seus filhos que um dia foram crianças, e ao
projecto no qual se encontra actualmente empenhado, que visa despertar
o interesse pelo mar nas escolas. Quer-nos parecer que o Senhor
Comendador nutre um afecto muito especial pelas crianças.
Genuíno Madruga: Não foi há
muito tempo que tinha a idade deles, não foram há
tantos anos como isso! Construí o meu primeiro barco com
12 anos. Gostei sempre do mar e lá vivi tantas coisas
boas. Também gostaria que os outros gostassem um pouco
do mar e usufruíssem das mesmas. Mas não só
por isso. É porque o mar pode ser - para nós que
vivemos nas ilhas e que não temos muita terra - uma importante
fonte de rendimento para muita gente.
Adiaspora.com: Nas crianças vê a continuidade do
seu próprio sonho, o sonho que acalentou desde muito jovem?
Genuíno Madruga: É por aí que as coisas
têm de passar, isto é, pelas escolas.
Adiaspora.com: Quer deixar alguma mensagem à comunidade
luso-canadiana?
Genuíno Madruga: Ontem fiquei muito satisfeito quando
visitei o Centro Cultural Português de Mississauga. Não
esperava ver, muito sinceramente, aquilo que vi. Os meus parabéns
àqueles que conseguem levar avante uma obra daquelas, e
àqueles que lá vão trabalhando no dia a dia,
pois o centro daquela natureza não caminha de qualquer
maneira. Já é um navio muito grande. Mas se, efectivamente,
as pessoas continuarem, julgo que os seus netos hão-de
saber que um dia existiram os Açores. Hoje, já não
há emigração dos Açores para o Canadá.
Mas se aqueles que agora nascem e crescem não tiverem algum
ponto de referência, alguma ligação, esquecer-se-ão
completamente. A língua é o elo mais forte de união
entre as pessoas. Todavia, se a língua cair em desuso,
ou deixar-se de falar dos Açores, as coisas acabam por
parar no tempo, isto é, acabam por desaparecer.
Adiaspora.com: Para terminar, fale-nos um pouco sobre essa viagem
que já está a delinear-se no horizonte dos seus
planos? Para onde desta feita, e como?
Genuíno Madruga: Será com partida dos Açores
com destino, novamente, às Ilhas de Cabo Verde. De seguida,
o Brasil, o sul do Brasil, possivelmente até Santa Catarina.
Adiaspora.com: Em busca dos Açorianos?
Genuíno Madruga: Tenho já em vista um projecto
com um amigo da Ilha Terceira que está muito interessado
em financiar uma viagem destas. A sua esposa é do Brasil.
Depois, subirei a costa do Brasil. Talvez passar novamente por
Fernando de Noronha, ou Fortaleza e, de seguida, ir até
Cuba e República Dominicana. Mas desta feita sem pressas
- uma viagem de dois ou três anos para dar tempo de observar
melhor aquelas paragens. Depois, se a vida estiver equilibrada
de modo que me possa segurar, seguirei novamente para o Pacífico.
Quem vai ao Pacífico já não volta para trás!
Quem passar o Canal do Panamá, segue sempre! E depois logo
veremos!
Adiaspora.com: Desta vez, quer recolher mais informações
e vivenciar as culturas daqueles povos mais de perto?
Genuíno Madruga: Ora nem mais! Tenho um projecto com
um amigo, José Carreiro, da RTP, para fazermos algo que
me parece muito interessante - um estudo dos pescadores artesanais
do Atlântico. Já conhecemos, obviamente, como é
a pescaria artesanal nos Açores, mas seria interessante
vermos como é que esta se processa em Cabo Verde, quais
as embarcações que se utiliza, quais as espécies
que se pesca, a sua comercialização, como vivem
os pescadores, qual a assistência social que estes têm,
a sua religião, as suas habitações, etc.
Depois continuar a pesquisa no Brasil. Uma outra vertente deste
projecto será divulgar, simultaneamente, aos pescadores
daquelas paragens, como se pratica a pesca artesanal nos Açores.
Penso ser interessante, sabermos o que se passa, a este nível,
entre os outros povos lusófonos. Este trabalho vem no seguimento
das minhas observações ao longo da minha viagem,
só que desta feita, iremos aprofundar e, efectivamente,
efectuar um levantamento sério, e com tempo. Todavia, esta
nova viagem ainda não está com data marcada. Pensamos
que será no próximo ano. Vamos lá ver o que
se consegue fazer. Presentemente, estamos a trabalhar no sentido
de assegurar financiamento para estes projectos.
Adiaspora.com: Os nossos agradecimentos
pelo tempo e atenção que nos dispensou. Adiaspora.com,
e sua equipa, desejam-lhe as melhores venturas para este seu novo
empreendimento. Esperamos receber notícias destes novos
projectos e das suas novas aventuras por esses mares fora.
Entrevista exclusiva de
Adiaspora.com
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