A LÍNGUA PORTUGUESA NA GALÁXIA DAS LÍNGUAS DO MUNDO
E NO
CIBERESPAÇO
Por Luís Aguilar
Antes de tudo o mais saudemos o “abensonhado” José
Ferreira por liderar uma equipa que dia a dia vai traçando o
sonho nesta magnífica tela da diáspora. Cabe-me a honra de poder
partilhar com a plateia entusiástica que está diante de mim
e que testemunha o milagre do encontro entre pessoas que partilham
a experiência de serem de cá e de lá, várias reflexões sobre
a língua portuguesa.
Ver
ilustração
Quando penso nas questões relativas à língua portuguesa,
tal como o professor Elvino de Sousa, vejo tanta coisa num mundo
tão pequeno. Uma gota de água num oceano com muitas ondas, pequenas
e grandes, calmas e bravias que me transportam por um mar que
me põe no desejo de passar o cabo que tanto pode ser o das tormentas
como o da boa esperança. Dito de outro modo, tão verdadeiro
é, sobre a nossa língua, um discurso de garrafa meio cheia como
o é o da garrafa meio vazia. Fá-lo-emos na óptica da garrafa
meio cheia. Seguimos, por outro lado o raciocínio do senhor
deputado António Cabral que nos alertou ontem para o facto de
o nosso passado ser muito bonito mas que dele não podemos nem
ficar prisioneiro, nem ignorá-lo, perdendo a riqueza de viajar
num hífen às cambalhotas, seguindo a metáfora da Dra. Aida Baptista.
Um hífen que nos proporciona a ligação forte a duas línguas,
duas culturas, duas identidades: luso-canadianos, luso-americanos,
luso-descendentes.
É neste quadro que, resumidamente, apresentaremos
a comunicação intitulada A Língua Portuguesa na Galáxia das Línguas do Mundo
e no Ciberespaço, fazendo, desde
logo, votos para que a síntese que aqui produzirmos possa contribuir para que a
língua portuguesa continue a caminhar soberba
e altiva ... E se téqui tem andado baixa e sem louvor, culpa é dos que a mal
exercitaram, esquecimento nosso e desamor como dizia já no século XVI,
António Ferreira.
A língua portuguesa
pertence a uma das oito grandes famílias de línguas do mundo: a família
indo-europeia, que compreende mais de 200 línguas, que vão das línguas latinas,
às germânicas, das eslavas às do norte da índia. o indo-europeu provém dos
tempos anteriores à escrita e, por isso, os linguistas tiveram de fazer um
trabalho de reconstrução de monta, feito passo a passo, a partir das
semelhanças linguísticas que apresentam as línguas incluídas em cada grupo.
Das cerca de sete mil línguas conhecidas do mundo
e das duzentas e vinte e cinco da Europa, o Português, originário do latim vulgar lusitânico nasceu na velha Gallaecia
romana, foi levado a dois terços do planeta pelos portugueses, com os
descobrimentos, é hoje falada
por mais de 200 milhões de locutores espalhados pelos cinco continentes, sendo a segunda língua românica
do mundo, a terceira
Europeia, a sexta mais falada
como língua materna e a quinta com maior número de países que a têm como língua
oficial. O Português, que já foi língua franca, é hoje uma língua culta de dimensão
internacional e intercontinental, falada nos cinco continentes. É língua materna dos habitantes de
Portugal e do Brasil e de parte significativa das populações de Angola,
Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Lorosae,
países que a têm como língua oficial. O Português é também falado nos antigos
territórios de Goa e Macau. Como língua materna ou segunda é falado pelos
membros das várias comunidades de emigrantes, com um número significativo, na
Europa (França, Alemanha e Luxemburgo), América do Norte (Canadá e Estados
Unidos), América do Sul (Venezuela) e África (África do Sul), num total de
cerca de quatro milhões e meio de locutores. É uma língua de trabalho em
Organizações Internacionais: União Europeia (EU), Mercosul, Unidade Africana
(UA), União Latina (UL) e poderá, ainda, tornar-se um dos idiomas de
trabalho da Organização Mundial do Turismo. O Português é a quarta
língua mais usada na Internet e a segunda na “blogosfera”.
Para além destes dados há
ainda a considerar a
existência de crioulos de base lexical portuguesa, resultantes do contacto do
Português com outras línguas da Índia, da Ásia Oriental, da América Central e
do Sul de África e, fora dos países que adoptaram o Português como língua
oficial: o Fa d’Ambu, na Guiné Equatorial, o Bioco
das Ilhas do Ano Bom e Fernando Pó, os crioulos da Alta Guiné (Casamansa),
os da Índia (de Diu, Damão, Bombaim,
Korlai, Quilom, Cananor, Tellicherry, Cochim e Vaipim e da Costa de Coromandel
e de Bengala), os do Sri-Lanka, antigo Ceilão (Trincomalee e Batticaloa, Mannar
e zona de Puttallam), os da Malásia
(Malaca, Kuala Lumpur e Singapura) e os de algumas ilhas da Indonésia (Java,
Flores, Ternate, Ambom, Macassar), conhecidos sob a designação de
Malaio-portugueses e, finalmente os crioulos Sino-portugueses (Macau e
Hong-Kong), sem esquecer os crioulos Papiamento de Curaçau, Aruba e Bonaire,
nas Antilhas e o Saramacano do Suriname.
Quando
enunciamos estes dados sobre a língua portuguesa, quase todos os nossos
interlocutores, estudantes, colegas, amigos mostram-se surpresos, quando não
cépticos, o que nos leva a pensar que
as escolas e universidades onde se ensinam a língua e cultura portuguesas não
abordam a história da língua que falaram Pessoa, Camões, Machado de Assis,
Jorge Amado, Padre António Vieira, José Craveirinha, Pepetela, Mariano Gago,
etc.
Para a compreensão da importância da língua
portuguesa no mundo, servimo-nos do modelo gravitacional do linguista
Louis-Jean Calvet que permite a representação das relações entre as várias
línguas do mundo como uma espécie de galáxia constituída por diferentes
estádios de gravitação: à volta de uma língua hipercentral, o Inglês, pivô
do sistema, gravitam uma dezena de línguas supercentrais (Espanhol, Francês,
Árabe, Russo, Hindu, Malaio, Português, etc) cujos locutores quando desenvolvem
o bilinguismo, têm tendência a falar quer a língua hipercentral, o Inglês, quer
uma língua do mesmo nível, uma língua supercentral. É neste quadro,
seguindo ainda Calvet, que podemos considerar que, por exemplo, um português
aprenda, para além do Inglês, o Francês, o Alemão ou o Espanhol, que são
línguas supercentrais, mas é pouco provável que se disponha a dominar o
italiano, o holandês que são, por seu turno, pivôs de uma centena de línguas centrais que, por
sua vez, constituem o centro de gravitação de seis a sete mil línguas
periféricas.
A projecção deste modelo para uma parcela de
um território, um estado ou um grande conjunto linguístico, determina o seu
nicho ecolinguístico, espaço de coexistência e, por vezes, de conflitos entre
línguas, no qual podem, eventualmente, intervir políticas linguísticas, ficando
por saber que lugar nele ocupam as identidades (Louis-Jean Calvet).
Tomemos como exemplo o que se tem passado em
Angola, onde o Português é língua materna apenas para metade da população
concentrada nos centros urbanos. O resto da população distribui-se por mais de
quarenta línguas, sendo o Umbundu (36 %), o Quimbundo (27 %), o Quicongo (10 %)
e o Quinoco (5 %), as mais importantes. Não havendo uma língua central, a única
forma de entendimento entre as várias tribos é feita por meio do Português. A
impossibilidade de impor uma língua como língua nacional, unificadora, tem,
consequentemente, favorecido a expansão do Português que cada vez mais
extractos da população utiliza. Uma situação ímpar no contexto de África que só
tem paralelo com a situação que se vive no Gabão, com o Francês. É assim que os
angolanos se sentem lusófonos através do Português e ovimbundus, quimbundus e
quicongos através das suas respectivas línguas, sem que alguma assegure a sua
identidade angolana.
Face aos dados que acabámos de enunciar podemos
facilmente constatar que a língua portuguesa e os laços culturais que uma
história comum construiu com os povos que a adoptaram como língua oficial, é
hoje a nossa maior riqueza e deve
constituir a nosso ver, aPor isso, Portugal deve lançar as
bases para cimentar o inestimável património político e humano constituído por
uma comunidade de mais de duzentos milhões de pessoas que têm, para lá da
pátria de origem, uma pátria comum que é a da Língua Portuguesa, o que passa
por um duplo desafio: a expansão
da língua portuguesa e a mobilização do potencial das comunidades portuguesas
no estrangeiro, a quem cabe, igualmente, cuidar da permanência e continuidade
da sua língua. É hora de vencer a
timidez, a incerteza e a confusão em que se deixaram apanhar os nossos
conterrâneos que abandonados à sua sorte nos vários cantos do mundo, ficando à
mercê das políticas ou da ausência delas, definidas pelos países de
acolhimento, se esqueceram que lhes
cabe integrar o movimento nacional e internacional para a exaltação e defesa da
Língua Portuguesa. Para além do dever cívico de defender a língua do nosso país
é, igualmente, um prazer proteger um dos mais belos idiomas do mundo.
Experimentar o sabor desta língua
que sai pálida húmida e única entre os lábios que dizem a morte é como os rios,
como menciona Diogo Pires Aurélio, ou como sugere Manuel Alegre, fazer de cada
verso uma outra geografia, transformando a língua em algo mais que o falar
por falar, como o desejava Jorge de
Sena que se debatia há três décadas com os problemas com que, hoje, aqui nos
debatemos: Ouço os meus filhos a falar inglês entre eles. Não os mais
pequenos só mas os maiores também e conversando com os mais pequenos. Não
nasceram cá, e todos cresceram tendo nos ouvidos o português. Mas em inglês
conversam, não apenas serão americanos: dissolveram-se, dissolvem-se num mar
que não é deles. Venham falar-me dos mistérios da poesia, das tradições de uma
linguagem, de uma raça, daquilo que se não diz com menos que a experiência de
um povo e de uma língua. Bestas. As línguas, que duram séculos e mesmo
sobrevivem esquecidas noutras, morrem todos os dias na gaguez daqueles que as
herdaram (Exorcismos, 1972).
Tem-se verificado que, ao fim de três gerações de emigrantes, o Português
quase é deixado de falar pelos luso-descendentes em países como a França e
Estados Unidos, talvez porque estes países promovam o monolinguismo. Deixada de
falar, no interior das famílias, a nossa língua tende a ser esquecida e, com
isso, a emergência de novos conflitos
identitários já que uma língua é a base de construção de uma identidade. Esta situação não se aplica ao Canadá, sobretudo
ao Quebeque, onde se fomenta o plurilinguismo e o multiculturalismo. De resto
esta realidade linguística aparece com toda a transparência sempre que
luso-descendentes se reúnem oriundos dos estados Unidos, Canadá inglês e
Quebeque, sendo estes últimos os que, naturalmente falam melhor português,
vindo a seguir os do Canadá inglês e, finalmente, os dos Estados Unidos, onde
o português é o 12º idioma estrangeiro
mais falado, com pouco mais de meio
milhão de falantes entre os cerca de 280 milhões de habitantes
norte-americanos. Tendo em conta que residem nos Estados Unidos 1.177.112
pessoas de origem portuguesa, o número de falantes não é famoso. É neste
contexto que sabe bem recordar as palavras de Mari Alkatiri,
primeiro-ministro do mais recente país do mundo, Timor Lorosae, o oitavo país
de língua oficial portuguesa, apesar das investidas fortes do inglês:
Neste mundo
global deve haver um esforço em definir novas fronteiras globais, fronteiras da
língua e da cultura. Como meia ilha que é, Timor-Leste ganha com a língua
portuguesa essa fronteira global e ampla, que atravessa oceanos e une
continentes. Com a língua portuguesa deixamos de nos sentir apenas como esta
ilha para nos sentirmos parte deste mundo global.
A língua é, para além de veículo da expressão de ideias, sentimentos
nobres, desejos, uma questão de
estratégia geopolítica, pelo que, fazemos
votos para que todas as Pátrias da Língua Portuguesa possam neste milénio
avançar por caminhos de progresso e de humanismo, a partir do uso da 2ª língua
românica do mundo, na velha Gallaecia romana nascida (Fontenla, linguista e
grande estudioso da nossa língua).