DAS ONDAS DA TERRA E DO MAR ÀS ONDAS DO AR: PERSPECTIVAS DA IDENTIDADE, EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E A PESQUISA
E O DESENVOLVIMENTO NUM MUNDO EM MUDANÇA

Por Prof. Elvino Sousa

Em primeiro lugar gostaria de agradecer ao senhor José Ferreira pelo convite a participar no programa deste evento. Sempre gostei de assistir a eventos deste tipo na Comunidade Portuguesa de Toronto, especialmente porque normalmente é uma oportunidade para relaxar - sair um pouco da luta do dia-a-dia, entrar num ambiente amigável e agradável, desfrutar da boa conversa, das interessantes palestras, e a apreciação dos grupos musicais e culturais. Hoje é um pouco diferente porque também tenho que trabalhar - desta vez não escapei!

É um grande prazer estar aqui a celebrar o aniversário da Adiáspora.com - Um sítio na Internet dedicado ao serviço das comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Graças à maravilha da Internet hoje em dia temos a possibilidade de, com razoável facilidade, estabelecer um fórum global para o intercâmbio de informação, troca de ponto de vista, e compartilhamento das nossas experiências, e dos nossos interesses culturais. A Internet começou como uma Rede de Computadores (chamada ARPANET) de 24 nós situados em varias Universidades Americanas e Laboratórios do governo dos Estados Unidos. A Universidade do Sul da Califórnia foi um destes nós iniciais naquela época dos meus tempos de estudante lá no programa de doutoramento. Ainda hoje me lembro muito bem da minha experiência e excitamento de fazer o chamado "login" num dos computadores e depois de "entrar" no computador fazer um acesso remoto a outro computador que podia estar bem longe - e num sentido viajar de computador para computador. Lembro-me também vividamente na ocasião de assistir a uma conferência em Chicago em 1984 de me encontrar com um estudante da Universidade de Toronto que mostrou muito interesse na Internet perguntando como é que podemos levar isso para a Universidade de Toronto, e em geral para o Canadá. Pouco imaginava que hoje (ainda não muito velho e ainda só com uns poucos cabelos brancos) estaria aqui num clube da comunidade Portuguesa de Toronto celebrando o segundo aniversário de uma coisa abstracta chamada um "sítio da Internet" que faz parte de um paradigma da comunicação chamado "world wide web", e dedicado aos interesses das comunidades Portuguesas - da diáspora Portuguesa.

Quando pensei no tema para esta palestra pensei que deveria falar sobre um dos assuntos mais importantes da comunidade Portuguesa de Toronto, e sem dúvida de muitas outras comunidades Portuguesas - o assunto da educação. Muitos pensamentos percorreram pela minha cabeça. É um assunto muito importante. Um assunto no qual muita gente e muitos grupos tenham trabalhado e contribuído para a melhoria da situação da nossa juventude com respeito aos estudos. Podemos mencionar alguns deles como os grupos de estudantes universitários das universidades da York e de Toronto, a Federation of Canadian Business and Professionals, o Portuguese-Canadian National Congress, associações de pais e professores, e vários outros grupos. Sem duvida o trabalho feito por estes grupos tem tido um grande e positivo impacto. E a continuação dos esforços destes grupos vai assistir a comunidade no rumo da paridade com a sociedade Canadiana em geral. Decidi não entrar em analises académicas da educação na nossa comunidade, mas em vez falar um pouco da minha experiência, e possivelmente oferecer um pouco de encorajamento aos nossos jovens - que com algum esforço muito é possível.

O mundo mudou muito depois da minha vinda dos Açores para o Canadá. Mas num certo sentido, esta mudança, carros, televisões, computadores, câmaras digitais, e outros aparelhos electrónicos, muitas opções de interesse pessoal, não é fundamental. Por outro lado, as grandes questões da nossa vida, os problemas do dia-a-dia que tem que ser resolvidos continuamente, a interacção humana, decisões de carácter de negócio, possivelmente não tem mudado tanto. Hoje podemos decidir muito melhor certas questões … porque temos melhores métodos analíticos, temos mais ciência, mais engenharia (muito mais), podemos construir novas máquinas, mas apesar disso o mundo é tão complexo que temos que continuar a resolver os nossos problemas do dia contando com o nosso, "gut feeling", instinto, guiado pela nossa maior capacidade analítica. Neste sentido é importante sentirmo-nos confortáveis com a nossa identidade - conhecermo-nos.

Quando eu penso da Graciosa, nos Açores, penso não só dos sons e ondas do mar, mas também das ondas da terra. O ciclo das estacões, as ondas do vento de Fevereiro soprando nos campos, a erva amarela. O lavrar das terras na primavera, o semear do milho, do feijão, dos regos, da criança atrás do arado, andamento constante - 10 anos era o suficiente. O correr na travessa dos regos da recente lavrada terra (as ondas), a periodicidade dos regos de milho em Agosto. E o dia do vapor? Aquilo é que era! Tanto tráfico naqueles caminhos. As camionetas do senhor Adolfo. Tanta vida na freguesia. E a lancha no cais, ainda mesmo com altas ondas, o salta a lancha em sintonia com a onda (tantas ondas). E tem mais! … E as festas … o compasso do senhor regente … aquela filarmónica da Madalena do Pico … na festa de São Mateus. O galope dos cavalos no caminho da Calcada … A moagem do senhor Frutuoso … A debulhadora da Canadá Longa. O sábio do senhor Santos. Tanta coisa num mundo tão pequeno.

A calma do dia.
A noite escura.
O vento soberbo e a malha de chuva à porta da cafua.
A noite fria. Aquecida a cama é tua.

A minha vida no Canadá levou-me por um percurso que não tinha imaginado. Tem sido uma jornada por varias escolas, trabalhos de verão de todo o tipo, uma estadia nos estados unidos, e acabando a voltar a Toronto não muito longe donde comecei. Como digo a meu pai, "ainda ando na escola". É assim!

Mas vejam o meu trabalho diário. Estou rodeado de ondas.

Não as vejo com os meus olhos, mas vejo-as com a minha mente. Neste momento, aqui à vossa frente vejo muitas ondas, milhares e milhares delas. Portadoras de informação - comunicações entre pessoas - comunicações entre computadores. Não consigo ver a informação tal como não consigo ler as cartas nas mãos do carteiro. Mas vejo os envelopes e os pacotes de vários tamanhos que certamente levam conteúdo importante. São portadoras de todo o tipo de informação essencial na nossa sociedade moderna.

O que seria a nossa cidade sem estas ondas? Sem energia eléctrica, sem televisão, sem rádio, telefone, telemóvel, sem qualquer aparelho electrónico nos nossos hospitais. Estas ondas são muito diferentes daquelas ondas da Graciosa que eu conhecia. Mas com mais e mais experiência como pesquisador, tento imaginá-las com mais e mais claridade e elas ficam mais concretas na minha mente. São governadas pelos mesmos princípios da matemática e da física.

Pensando nessas ondas não vemos expressões em papel que chamamos matemática, mas sim imagens que são tão vivas como aquelas ondas da Graciosa. E deduzimos com estas ondas, não através de equações da matemática como aprendemos na nossa formação, mas através da visualização e raciocínio baseado no senso comum. O mesmo senso comum da Graciosa que eu conhecia. O mesmo senso comum praticado pelo jovem Luso-Canadiano ao brincar com o Lego. O Lego recebido do Santa Claus pelo Natal, no dia das castanhas - no dia dos figos passados. Afinal, estas complexas teorias científicas - bases da engenharia, que descrevem o funcionamento da parte tecnológica da nossa sociedade, das complexas maquinas, a magia das telecomunicações, são baseadas em simples princípios da ciência e matemática. A dificuldade é atravessar a barreira que nos permite visualizar estas coisas - adquirir a formação. Isto é o que requer tempo e esforço. Requer treino sistemático. É difícil. Leva vários anos! Mas no fim a conquista é agradável.

No mundo de hoje a ciência e engenharia têm um papel importante no melhoramento das nossas vidas para com que não se passe a vida completa à busca das necessidades básicas. Hoje os adultos também precisam de brincar! A nossa economia está a tornar-se mais e mais global especialmente nas áreas da informática. Competimos não só com outros produtores locais mas também com produtores no mundo inteiro. Temos que nos distinguir nas nossas áreas de especialização não como Portugueses, ou Luso-Canadianos, ou ainda mesmo como Canadianos. Temos que faze-lo num nível mundial, como membros de uma comunidade global na nossa área de especialização. Educação no contexto Canadiano é mais importante hoje do que em qualquer época do passado. Educação não é só um assunto para a comunidade Luso-Canadiana mas um assunto de grande interesse para toda a sociedade Canadiana. Educação é a chave principal necessária para manter uma posição de liderança económica, e o nosso nível de vida. Neste sentido, como Canadianos temos que nos destacar em campos de especialização que vão ocupar papéis principais na economia do futuro. Esta conclusão esta bem evidente ao examinar o apoio a pesquisa pelo governo federal e provincial nos anos recentes através de programas de centros de excelência ao nível federal e provincial, fundação Canadiana para a inovação, expansão de programas na área de informática, aumento no orçamento do conselho nacional de pesquisa das ciências naturais e engenharia (NSERC), e também o apoio financeiro das indústrias às universidades que ocorre com o encorajamento do governo - que tem tido um crescimento impressionável nos anos recentes.

Luso Canadianos formam um componente importante deste recurso humano Canadiano que requer ser desenvolvido. Para competir neste mundo o Canadá necessita desenvolver todo o seu recurso humano. Educação para a comunidade Luso-Canadiana não e uma questão de igualdade para um grupo étnico do país. Mas sim uma questão da contribuição essencial dos Luso-Canadianos ao esforço Canadiano em geral. Luso-Canadianos têm que se distinguir na educação porque o Canadá precisa deles pra enfrentar os desafios da economia global. O Canadá não pode arriscar a não realizar o potencial de um componente da sua população no campo da educação.

Actualmente estamos a percorrer uma revolução na ciência e tecnologia, principalmente na área de informática e telecomunicações. Temos observado grande progresso desde o tempo quando tínhamos que falar rápido ao fazer uma chamada de longa distância. O tempo em que ao receber uma dessas chamadas trazia-nos uma ansiedade no estômago porque significava má noticia - quem foi? Era a nossa reacção. O tempo em que ao ouvir a palavra "Portugal" na televisão aqui no Canadá, chamava a minha mãe na cozinha - e quando ela chegava a TV - a cena já tinha passado. Mesmo assim ainda há muito para acontecer nesta revolução - especialmente na área de transmissão sem fio. Estas ondas ainda vão fazer muito mais. Serviços de transmissão de dados ainda estão na sua infância. Com o desenvolvimento de mais tecnologia e principalmente novos modelos de comercialização de serviços, novos tipos de regulamento governamental, novos serviços vão-se realizar. Os modelos de comercialização das empresas operadoras estão em estado de fluxo. Ao analisar o desenvolvimento das indústrias de computadores podemos contar com um desenvolvimento das indústrias de infra-estrutura de telecomunicações de um carácter mais orgânico. Um carácter mais responsivo às necessidades dos utilizadores ou consumidores destes serviços - com a implicação de um tipo de inovação semelhante a da industria da computação.

Noutras áreas estamos no começo de desenvolvimentos que irão ter um grande impacto no nosso futuro. Por exemplo engenharia biomédica, avanços na construção de novos materiais, materiais sintéticos com propriedades predeterminadas que irão revolucionar a fabricação de produtos. Luso-Canadianos farão parte destes desenvolvimentos. Precisamos de trabalhar com o fim de conseguir uma participação deles completa em todos os níveis dessas novas economias. Trabalhar a fim de cada um realizar o seu potencial.

Com tantas pressões e distracções não e fácil um jovem Canadiano seguir estudos e manter-se no caminho da ciência e matemática. O mesmo é ainda mais difícil para o jovem de uma classe trabalhadora devido à falta de conhecimento total do sistema escolar dos pais em casa - ainda mesmo quando eles tem boas intenções e compreendem bem a importância da educação no futuro do jovem, à falta do conhecimento dos percursos possíveis do jovem na caminhada pelos vários anos de escolaridade, a falta de conhecimento de percursos que dão para diferentes futuros, diferentes áreas de especialização nas Universidades. Conhecimento da importância das matérias fundamentais como a matemática, a ciência, o inglês, e a historia, como matérias chave para o sucesso a nível universitário. Conhecimento dos recursos públicos de assistência financeira, de bolsas de estudos, das diferentes universidades no Ontário, e das suas áreas de estudo.

É importante a herança de uma cultura onde a educação significa um investimento a muito longo prazo que se deve seguir por fins do desenvolvimento da pessoa e não por motivos económicos. Conhecer que esses benefícios económicos devem aparecer por si mesmo, e se por acaso não aparecerem, ainda mesmo assim valeu a pena! Conhecer que estes estudos irão permitir a participação completa do jovem na sociedade Canadiana. Conhecer a existência de vários programas de pós-graduação onde a pesquisa faz a parte principal - e que esta pesquisa tem o fim de contribuir para o crescimento do saber humano. Saber que se pode conseguir boas bolsas de estudo nestes programas. Que eles nos pagam para "andar na escola". E mais fácil vir de uma família que considere o estudo universitário não como uma opção na vida mas como uma necessidade básica tal como um dos sacramentos da família católica.

Ainda mesmo com essas dificuldades, vivemos num país com condições para a educação que são superadas por poucos outros países no mundo. Boas escolas, bibliotecas, livrarias, assistência financeira, bolsas de estudo, e um nível de vida razoável que permite qualquer pessoa com uma suficiente aspiração e determinação conseguir qualquer nível no sistema de educação. Como comunidade e contribuintes de imposto (tax payers) temos que continuar a lutar pela nossa justa porção de recursos públicos. Mas ao mesmo tempo, internamente, temos que procurar a nossa solução.

No Canadá é possível o jovem vir de uma família de classe trabalhadora, que não teve oportunidade de continuar depois da quarta classe e seguir um percurso de estudos académicos terminando no doutoramento (Ph.D.) em qualquer área de estudos - e também vir a ser um pesquisador e contribuir para o saber humano em qualquer área. Tudo isto é possível dentro de uma geração. O principal é adquirir aquele "learning-bug", da sede de aprender, da realização do potencial do saber, que cativa o jovem. E, como em tudo, um pouco de sorte ajuda muito. Aquela sorte de cruzar caminhos com um professor/professora que um dia disse uma coisa muito simples que capturou a imaginação do jovem. Uma pequena coisa que parecia ter pouca importância em relação à matéria da aula, aos exames, às notas, etc. Mas devido às circunstâncias daquele jovem … do seu "background" … da sua situação corrente … fez uma impressão que nunca foi esquecida. Uma impressão que abriu uma porta para o futuro … uma impressão que lhe mudou a vida. Lembro me do Mr. Saliani (sp?) do grau 9 da ciência da Central Tech High School que ao me dar o teste com uma nota do tipo da media da classe, e quando voltava ao assento, com uma expressão de surpresa disse que eu tinha o potencial para fazer muito melhor. Como é que ele sabia isto, eu pensei? Se eu era muito envergonhado, e estava sempre caladinho na aula? Parece que ele observou alguma coisa.

Com tudo isto é importante que o jovem se sinta bem com respeito a si próprio e a sua situação. Que ele tem tanto direito a este saber como qualquer outro jovem de qualquer outra classe económica, social, ou étnica. Cada jovem é especial e pode adquirir algum interesse, capacidade, ou vocação que é independente destes factores, e por essa razão tem que ter os meios para desenvolver essa vocação se é que o país se irá distinguir na educação.

Como imigrantes uma das coisas que nos preocupam é a questão da identidade. Se somos Portugueses, ou Canadianos, ou Luso-Canadianos. Devido a globalização que agora é bem conhecida este assunto é menos importante do que em algum tempo. Claro que todos aqueles com papéis são Canadianos porque vivem aqui, trabalham aqui, realizam seus sonhos aqui, e na maioria morrem aqui. Por outro lado como imigrantes temos experiências diferentes porque viemos de diferentes partes do mundo. Estas diferenças, esta diversidade, é uma coisa positiva. Faremos melhores cidadãos Canadianos quando usamos as nossas experiências para contribuir para o Canadá. Ao mesmo tempo, é importante manter o orgulho da nossa história, dos nossos antepassados, da nossa cultura, porque é assim que conseguimos confiança em nos próprios - e esta confiança é essencial para o sucesso.

Agradeço a vossa atenção.

Aos jovens Luso-Canadianos, espero de os ver na Universidade de Toronto em maiores números.

Para a frente é que é caminho!


Elvino Silveira Sousa
Professor & Bell University Labs Chair
Universidade de Toronto, Canadá

Palestra na Conferencia II aniversário da Adiaspora.com: "Traçando o Sonho na Tela da Diáspora", Sport Clube Lusitânia, Toronto, Canada, 17 de Janeiro, 2004.