LANÇAMENTO EM TORONTO DO LIVRO INFANTIL BILINGUE DE HUMBERTA ARAÚJO

 

“A Avó que não sabia ler e outras histórias dos Açores”

“Tale of Grandmother who couldn’t read and other Azorean stories”

 

Apresentação pelo Prof. Vamberto Freitas (Universidade dos Açores)


É com grande carinho que venho apresentar um tipo de livro que não é exactamente da minha especialidade, mas que é de uma boa amiga e minha vizinha em S. Roque, e companheira de viagem na emigração. Não sendo um livro da minha especialidade, senti-me muito honrado com o convite dela para apresentar um livro de literatura infantil, coisa que nunca fiz, e pelo seguinte.

 

Aqui há tempos, numa conversa com ela e outros amigos em Ponta Delgada, disse-lhe que, para além de tudo mais, nós, aqueles que têm e tiveram uma experiência na emigração, somos uma espécie de tribo especial dentro do nosso país. Temos um referencial muito mais alargado do que aqueles que nunca saíram do lugar onde nasceram. Não é melhor, não é pior, é diferente. É mais alargado.

 

Dou muita importância à literatura infantil e a esforços como este por uma razão muito simples. Fui criado e educado num tempo, nos anos 50, numa freguesia rural da Ilha Terceira, nas Fontinhas, em que havia mais deseducação do que educação infantil. Nós não tínhamos os recursos que as nossas crianças têm, e passaram a ter, poucos anos depois.

 

O nosso ensino não nos proporcionava o prazer de um crescimento criativo e natural como as crianças têm. E vim-me aperceber da importância da literatura infantil quando ajudei criar a minha própria filha na Califórnia, tão preocupado com coisas que não tinham nada a ver com ela, numa vida muito acelerada, como podem imaginar. Pela primeira vez fui obrigado a passar tempo com ela. Por exemplo, via programas infantis, programas do Walt Disney na televisão porque tinha de tomar conta dela e tinha de partilhar momentos com ela e assim apercebi-me daquilo que tinha perdido na minha infância, da beleza da literatura infantil, que pode vir através de um livro ou do cinema, ou de um programa televisivo. Creio que aprendi tanto, ou mais, do que a minha filha sobre mundos que não me tinha sido possível viver, como não foi possível à maioria dos da minha geração.

 

A Humberta pediu-me para apresentar o livro. Naturalmente, entregou-me o livro, ofereceu-me o livro e li as estórias. Toda a literatura é auto-biográfica. Os escritores só escrevem sobre aquilo que sabem e o que sabem, melhor do que ninguém, é sobre si próprios e sobre aquilo no seu mundo imediato. Na primeira estória, vi uma tentativa da sua narradora de explicar a um menino (que desconfio muito que seja chamado Lucas e está sentado àquela mesa que é o filho dela) a realidade riquíssima do seu próprio passado, do passado dos seus, que é numa freguesia numa ilha, e li deliciadamente porque, uma vez mais, são os livros que muitos de nós nunca tivemos.

 

Aliás uma outra amiga minha, agora de Toronto, a Manuela Marujo, acabou-me de oferecer mais um livro infantil que agora vou ler com muito prazer porque a importância da formação, de uma formação pedagógica das crianças sobre um mundo tão rico e tão complexo como o nosso, não pode ser deixada por mãos alheias.

 

Acredito cada vez mais não vou contar as estórias que estão aqui porque é por isso que o livro existe e a autora falará do próprio conteúdo dessas estórias)  e nos Açores mantenho que não faz sentido falar dos Açores, não faz sentido ensinar nada a ninguém sobre os Açores que não inclua a nossa diáspora, isto é, para mim não existem os Açores sem os açorianos fora do território pátrio. A educação, felizmente para nós, é presentemente um debate nos círculos educacionais na nossa terra. Até hoje, os nossos currículos, desde o ensino primário até ao universitário, não incluem a diáspora. Há pouco falei na nova realidade sem fronteiras e o mundo cada vez mais é um mundo sem fronteiras. Ao contrário de muita gente, vejo isto com muito optimismo. Isto não quer dizer que não amemos a nossa terra, o nosso território pátrio, mas também quer dizer que pertencemos a uma realidade muito mais rica, muito mais interessante, muito mais diversificada, muito maior, para além de nós próprios.

 

Claro, quando se fala dos Açores, seja em literatura infantil seja noutra, quando se começa a ensinar às nossas crianças o que elas são, já é impossível ignorar, já é impossível não incluir a experiência emigrante. A única epopeia que a nossa geração viveu foi a emigração, e quando digo “epopeia” carrego na semântica positiva disso que é que a emigração foi boa para nós, boa para nós por várias razões, e é boa para nós hoje porque foi a emigração que permitiu a Portugal e aos Açores hoje dizer assim: somos um pouco maiores do que a nossa pequenez territorial aponta, tanto em termos de números como em termos de cultura, como de, uma vez mais, de tradições que estão constantemente a ser inventadas e reinventadas e que fazem do nosso mundo um mundo infinitamente muito mais rico do que foi para os nossos pais e avós.

 

Para terminar e não prolongar muito a conversa, da minha parte, queria congratular a Humberta por este belíssimo esforço. O livro vem em versão bilingue, em português e inglês. A leitura tanto diz respeito aos meninos dos Açores que devem aprender sobre os Açores cá fora, como diz respeito aos meninos açorianos cá fora, ou portugueses de qualquer parte, mas como uma narrativa de referencial açoriano, estou a bater na tecla,   diz  respeito a esses meninos que devem aprender sobre a terra ancestral de seus pais.

 

Uma vez mais, Humberta, parabéns. Espero que o teu livro tenha a aceitação que merece e se, e tenho alguma experiência em publicar livros, mais ninguém ler este livro, só pelo facto de teres feito um trabalho de amor para o teu filho, já valeu a pena!

 

Obrigado.


 

Intervenção da autora.

 

 

...Este livro foi feito por amor ao meu filho mas também feito por amor por todas as crianças filhas de emigrantes porque sou filha de emigrante. O meu filho é também canadiano. Acaba também por pertencer a essa geração de emigrantes. Este livro foi um pouco para lhe contar a estória dos avós, mas também a estória da actualidade.

 

Há estórias que fazem parte do universo infantil, tanto nos Açores como aqui. Quis fazer referência nas estórias à realidade da emigração; como brincavam as meninas e meninos nos Açores; como é que as senhoras aqui, já com os seus 50 ou 60, se lembram como se brincava nos Açores; os problemas que os filhos dos emigrantes têm para aprender a língua portuguesa; para lidar com a questão da separação das famílias; das famílias monoparentais, e também a questão das novas tecnologias.

 

Lembro-me em criança da biblioteca itinerante. Quem não se lembra das bibliotecas itinerantes que iam de freguesia em freguesia levar os livros! Aquilo era uma adoração quando chegava o dia da biblioteca!

 

Hoje em dia, já não há a biblioteca itinerante. Há os computadores e então temos uma estória de um livro que fica extremamente infeliz porque chegaram os computadores à biblioteca e já ninguém quer saber do livro.

 

Depois temos a estória da avó, muitas avós temos assim que nunca aprenderam a ler mas se calhar tinham um sonho e toda a vida agarraram aquele livro, se calhar, numa arca velhinha, até um dia em que houve um milagre. E nessa estória no meu livro houve o milagre e ela acaba por ler.

 

Este livro foi para o Lucas, o meu filho, que é também descendente de emigrantes, é para mim, é para toda a gente que está aqui, que vai recordar, de certeza, muitas das suas estórias infantis. Concordo muito com o Vamberto que dizia há pouco que não sabia se a língua portuguesa vai sobreviver nas comunidades no Canadá e nos Estados Unidos. Mas tenho a certeza que a nossa memória vai sobreviver mesmo a outra língua. Daí, o facto de eu ter escrito o livro em inglês e português para as avós da diáspora lerem aos seus netos e caso elas não saibam ler, os netos podem ler aos avós.

 

Espero que gostem! Muito obrigado.