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EDUCAÇÃO COMO VEÍCULO DE SOBREVIVÊNCIA
CULTURAL
Ana Fernandes
Falar de Sobrevivência Cultural implica
obrigatoriamente falar de educação como meio de
manter e afirmar a nossa identidade como grupo étnico
residente num determinado país. Aqui poderíamos
abordar duas questões: educação, no sentido
mais amplo da palavra e debater o ainda grave problema do insucesso
escolar dos jovens luso-descendentes. No entanto, seria matéria
complexa demais para se apresentar numa conferência. Por
outro lado, é minha intenção abordar o
tema da educação no que diz respeito ao ensino
e aprendizagem de português na nossa comunidade.
De há já muito a esta parte,
quando falamos do ensino de português, mais propriamente
em Toronto, ouvimos um rosário de lamentações
sobre a falta de apoio da parte do governo português,
o custo das propinas e dos materiais escolares, a falta disto
e daquilo. No entanto, o aspecto mais simples e, porventura,
o mais importante reside no seio da comunidade: atitude e motivação
para o ensino e aprendizagem de português como língua
segunda. Quer queiramos ou não, o português é
para a grande maioria dos nossos jovens uma língua segunda.
O objectivo desta apresentação
é, pois, poder partilhar algumas observações,
pesquisas e estudos que indicam o quão dinâmico
e potente é o papel que os pais desempenham, junto dos
filhos, na aprendizagem de uma língua, nesta caso o português
e como esta é a garantia para a nossa sobrevivência
como comunidade. Para além disso, a aprendizagem dessa
língua é o que muitos pesquisadores chamam de
“passaporte para a cultivação de uma identidade
cultural em qualquer meio geográfico”.
Em primeiro lugar, é importante distinguir
dois papéis que os pais desempenham e que são
relevantes no êxito atingido pelos filhos na aprendizagem
de uma língua. Para melhor compreendermos estes papéis,
vamos chamá-los de activos e passivos. Por papel activo,
entenda-se a situação em que o pai encoraja activa
e conscientemente o filho a aprender português. Neste
papel activo, o pai acompanha o aproveitamento escolar do filho
nesta área específica, verificam os trabalhos
de casa, participam com ele em actividades que envolvem o uso
da língua... Aliás, este tipo de comportamento
não é somente importante na aprendizagem do português,
mas em qualquer situação do meio escolar.
O outro tipo, género passivo, é
mais subtil, mas mais importante devido ao facto de, na maioria
das vezes, os pais não se aperceberem da sua existência,
ou seja, as atitudes dos pais para com a comunidade em que estão
inseridos e cuja língua os filhos estão a aprender.
Este tipo de atitude é importante para convencer os filhos
a aprenderem português.
Permitam-me que vos dê um pequeno exemplo.
Um pai português, residente na comunidade, frequentador
dos estabelecimentos portugueses, encoraja o filho a aprender
português, para além de o falar em casa. Este pai
poderá colocar ênfase na importância de saber
falar com os pais e restante família e, como tal, encoraja
o filho a dedicar-se na aula de português. Esse pai, e
qualquer observador, acredita que está a proceder correctamente
em relação ao filho. Até aqui tudo bem
– trata-se de um papel activo. No entanto, este pai poderá
ter determinadas atitudes – positivas e/ou negativas –
em relação aos jovens luso-descendentes em geral.
Neste caso, digamos que este pai, não obstante enviar
o filho para a escola portuguesa, pensa que não vale
a pena falar muito sobre Portugal, ou ser português, porque
acredita que os jovens não prestam atenção,
nunca vão a Portugal, a não ser que acompanhem
os pais e que o português não lhes diz nada. Assim,
embora tenha um papel activo, este pai está a ser contraditório,
uma vez que vai transmitir ao filho, directa ou indirectamente,
uma atitude pré-concebida, reduzindo deste modo a motivação
do filho em aprender português. Neste caso, estamos perante
um papel mais passivo. Ou seja, através das suas atitudes,
o pai pode estar a contribuir para que o filho tenha dúvidas
quanto à verdadeira necessidade em aprender português.
Por outro lado, a motivação do
próprio aluno também desempenha um papel importante
na sua dedicação à “matéria
que estuda”. Permitam-me mais um exemplo: como parte de
um trabalho final para uma cadeira de mestrado, investiguei
a emergência de orientações (atitudes) e
respectiva relação com a motivação
num contexto predominantemente monolingue. Neste contexto, baseei-me
num estudo feito pelos investigadores (Kruidenier & Clément,
1996) que revelou que as orientações dos alunos
em relação à aprendizagem de uma Segunda
Língua (L2) eram: amizade, viajar, prestígio,
conhecimento e respeito, com influência directa ou indirecta
dos pais e professores. A motivação reflecte a
força de vontade em se atingir o objectivo considerado
na orientação. Esta força de vontade, surge
da determinação em concretizar um objectivo, em
atitudes positivas em relação à aprendizagem
de uma L2 e um comportamento definido pelo esforço. A
motivação consiste, portanto, da intensidade ligada
a essa orientação, vontade de aprender uma língua
e a atitude que se tem para com essa língua.
Baseada nestas considerações,
a minha investigação teve como objectivo tentar
descobrir que tipo de motivações, eram as mais
importantes na aprendizagem de português entre estudantes
luso-canadianos, do 10º ano, nascidos no Canadá.
Partindo da afirmação de Gardner
de que “um estudo, por muito bem conduzido, nunca pode
ser considerado conclusivo, o que obriga a repetidas investigações
para definir e compreender as complexidades de uma determinada
área”, a minha investigação baseou-se
num contexto canadiano, com uma população estudantil
com idades compreendidas entre os 15 e os 16 anos.
Participaram 93 alunos (49 raparigas e 44 rapazes) luso-canadianos,
no 10º ano, que estavam a aprender português e que
apresentavam os seguintes critérios:
1. Luso-canadianos, nascidos
e educados em Toronto;
2. Frequentar a escola de português;
3. Sem nunca terem vivido em Portugal, ou país de expressão
portuguesa
Querendo avaliar a intensidade motivacional,
ou seja, até que ponto a motivação do aluno,
do professor e, por último do pai, contribuía
para o interesse, ou falta dele, em português. As perguntas
incluíam uma vasta selecção de razões
ligadas ao estudo de português, em forma de escolha-múltipla.
Os resultados foram reveladores, mas não
totalmente surpreendentes. A esmagadora maioria disse estar
a frequentar a escola de português porque os pais os obrigavam
a tal. Em seguida, embora em pequeníssimas percentagens,
os alunos afirmaram que gostavam de aprender português
para: viajar, como uma forma de compreender o seu passado, para
obter uma carreira de sucesso e assim ter mais oportunidades,
para ter mais facilidade em continuar com português na
universidade, para terem mais prestígios na comunidade
e fora dela e, por último, como forma de facilitar uma
carreira política.* Aqui, embora apenas dois alunos tenham
expressado esse interesse, podemos analisar a questão
de uma forma positiva. Ter como modelo alguém do nosso
grupo étnico na política, é também
uma forma de motivação para os que o observam.
O facto de termos tido vereadores e agora um deputado provincial
e um federal de origem portuguesa, tem contribuído para
que os nossos jovens, pensem, pelo menos nessa possibilidade.
No entanto, permitam-me que cite os professores
Carlos Teixeira e Armando Oliveira, num livro que acabaram de
publicar “Jovens portugueses e Luso-Descendentes no Canadá”,
quando questionam toda esta insistência na aprendizagem
do português. Dizem eles: “porquê, afinal,
a pressão que de vários lados se faz sentir sobre
aqueles jovens no sentido de os tornar sensíveis à
retenção cultural, e acima de tudo linguística?
Por outras palavras, que vantagens – e na opinião
de quem – advêm, para aqueles jovens, daquela retenção?
Qual é, nas circunstâncias referidas, a atitude
dos jovens portugueses e luso-descendentes de Toronto e Montreal,
sobre a problemática em questão? Que significado
e importância têm, para eles, Portugal e a cultura
portuguesa, que identificação sentem com aquelas
duas realidades, que influência – se é que
alguma – as mesmas exercem nas suas vidas? (p. 184).
Em vez de forçarmos as nossas crianças
a frequentar a escola portuguesa – posso garantir-vos
que muitos dos meus alunos não gostam de sair da escola
de inglês e de se dirigir à escola de português
para mais duas horas de aula. O importante é desempenharmos
um papel activo junto delas: em primeiro lugar, tentarmos compreender,
nós próprios, a nossa realidade, as nossas limitações,
as nossas grandezas, para depois melhor prepararmos os nossos
filhos. Em segundo lugar, o professor também tem responsabilidade
nesse processo. Ao contrário do que muito pais julgam,
ao professor não compete o papel educativo do pai. Ao
professor compete ser esse modelo que as crianças precisam
para se poderem identificar, ter a atitude correcta e positiva
que possa influenciar, de igual modo positivo, a atitude do
aluno para com a língua portuguesa. Por exemplo, quando
surgiu no mundo canadiano uma menina chama Nellie Furtado e
um menino chamado Shawn Desman, subitamente, viu-se um maior
número de jovens a identificarem-se com Portugal e com
a cultura portuguesa. Quando, o verão passado, Portugal
organizou o Euro e Portugal foi à final, as ruas de Toronto
eram um mar de jovens com bandeiras, a gritar bem alto o nome
de Portugal. Cabe-nos, a nós pais, professores e comunidade
em geral, sabermos pegar nesses momentos de fama e glória
e cultivá-los de maneira a que nunca se apaguem, mesmo
que, por vezes, surjam algumas desilusões – Portugal
perder na final.* Ou seja, o papel do professor é também
o de saber recolher e utilizar as influências de um contexto
exterior à escola e integrá-las no contexto escolar.
Tal como disse ao início, poderia debruçar-me
sobre o insucesso escolar dos jovens luso-descendentes no meio
académico canadiano, mas tal análise é
matéria de vários livros. Porém, é
necessário referenciar que esse aspecto também
é essencial à sobrevivência de uma comunidade
a nível cultural. Até aqui, quase todos cometemos
o erro de observar o fenómeno através do olhar
do aluno. Devemos, doravante, fazê-lo também através
do olhar do pai, encarregado de educação e professor.
As nossas atitudes, para retomar o raciocínio inicial,
é que vão influenciar a forma de pensar dos nossos
jovens. Ainda de acordo com os professores Carlos Teixeira e
Armando Oliveira, “Quando perguntámos a (uma imigrante
açoriana) o porquê dos filhos – ambos formados
em universidades canadianas – não falarem, e entenderem
mal, a língua portuguesa, respondeu: Sabe que mais? Eu
ainda gostava que alguém me explicasse como é
que, sabendo recitar os Lusíadas do princípio
ao fim, ou dançar a chamarrita, iria ajudar um jovem
português a ter uma vida melhor no Canadá, a integrar-se
melhor na sociedade deste país, onde ele vai, afinal,
viver a sua vida”... (p. 223) Este pequeno comentário
contém pano para mangas.
A aprendizagem de uma língua, seja qual
for, é um processo complexo. Porém, se o alicerce
for bem construído, a comunidade poderá vir a
ser ainda mais dinâmica – e por que não portuguesa
– do que tem sido nestes últimos cinquenta anos.
Que futuro nos aguarda?
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