ALFRED LEWIS E A SUA HERANÇA LITERÁRIA


Dra. Fátima Toste discursando

O meu amigo António José Medeiros, acabou de dar-vos uma pequena ideia de quem foi Alfred Lewis e eu vou tentar dar-vos um resumo muito sucinto da herança que ele nos legou.
A vasta obra literária de Alfred Lewis, é caracterizada por duas fases distintas. A primeira é a do jovem idealista que ama profundamente a sua gente e a sua terra nos seus escritos já demonstra um alto nível de maturidade e um excelente conhecimento da lírica e da língua portuguesa.
Com 16 anos apenas escreveu o poema que passo a ler:

PORTUGAL

Sou português! Minha terra
Tão odorante e singela,
Tem o brilho duma estrela,
Foi grande na paz e na, guerra,

Portugal é pequenino
Pequenino,
Qual folha de girassol...
Mas que importa ele ser pequeno,
Tendo um céu azul sereno.
Um terço d’astros e sol?

É o jovem que deixa a sua ilha com o coração partido por um desgosto de amor, grato aos pais que se viram obrigados a vender um pedaço de relva para conseguirem financiar-lhe a passagem e que também se sente verdadeiramente reconhecido ao pároco que o ensinou a amar as letras e com quem muito aprendeu até a sua partida.
Pouco depois de chegar à Califórnia torna-se popular através dos trabalhos que publica nos jornais de então, nunca deixando de chorar a saudade da terra e da sua gente.
Assim canta o poeta:

AH! Que saudade cruenta
De ti ó pátria hei-de ter!
Recordar é mágoa lenta
E a mágoa apressa a morrer.

Escreve e publica avidamente até o fim da década de 1920. Porém o seu entusiasmo desvanece um tanto quanto na década seguinte.
No ano de 1940 publica o poema Jornada à Pátria que marca o final da primeira fase literária da sua carreira de escritor e o início da segunda.
As décadas de 40 e 50, registram anos de trabalho intenso e estudos nesta época. São anos difíceis, anos de guerras que afectaram o autor, mas é nesta época que Alfred Lewis se sente realizado. Em 1951, lança seu primeiro romance ficcionista – “Home is an Island”. É também nesta altura que o autor publica pela primeira vez, uma série de poesias na língua inglesa. Daí por diante continua a escrever e a publicar obras com algum destaque em inglês. Entre elas “Sixty Acres and a Barn”, que descreve minuciosamente a vida penosa de um emigrante, numa leitaria no Vale de S. Joaquim. Seguem-se “Rockville USA”, The Mark of the Trespasser”, “A Change of Air”, A Ship Full of Corn”, a Voice Across the Sea” e “We Are Born”. No entanto, é bem mais tarde, já com 65 anos de idade, que o talento do autor se revela com todo o seu valor literário, impulsionado por um enorme desejo de expor em poesia a sua juventude, as tradições e costumes, a vida difícil do seu tempo, as tempestades que assolavam a sua ilha das Flores, a sua vivência e convivência com gente boa e honesta, os sabores característicos da gastronomia das ilhas e ainda a beleza dos cantinhos que o tempo não apagou da sua memória.
Homem de sensibilidade delicada, Alfred Lewis deixou-se marcar pelas guerras mundiais e especialmente pela guerra do Vietname, o que deveras influenciou a segunda fase de sua vida literária. Sentiu profundamente o drama dos oprimidos e das vítimas da guerra, o que ele revela explicitamente nos seus versos.
É nesta época que o autor confessa a sua aceitação pelo facto de que jamais voltará à ilha, revelando que a vida no Vale de S. Joaquim é, para ele, um “Exílio. O saudosismo e o amor idealizado tornam-se então duas constantes na sua obra, como se pode ver nos poemas “Emigrante Sozinho”e “Onde Estás Agora?” Vou pedir à minha grande amiga e ilustre poetisa, Ana Júlia que vos recite dois poemas do autor e a António José Medeiros que recite “Onde está Agora?”
Desiludido pela dura experiência de emigrante que sofreu as agruras da vida agrícola no Vale de S. Joaquim e, enfraquecido pela doença da tuberculose que o levou a passar algum tempo num sanatório, sente-se revoltado contra o destino cruel e exprime esse sentir profundo na sua poesia. No poema “Meditação”, Alfred Lewis acusa o mundo de ser “falso e mesquinho”e ainda “Lama fétida e vil, maldita terra”.
Uma interessante característica da sua poesia é a constante personificação e o grande respeito que o autor sente pela natureza com que sempre esteve intimamente ligado desde o começo dos seus dias, o que se nota nos seus primeiros poemas em português e continua até o final da sua carreira literária, tanto em português como em inglês. Uma outra particularidade notável nos seus trabalhos é a religiosidade, uma outra constante inerente à sua condição de ilhéu açoriano e que o tempo não apagou.
Como já foi dito, Alfred Lewis jamais regressou aos Açores, mas ao partir deixou parte de si na ilha pequenina onde nasceu.
Faleceu em 1967, por coincidência no dia 10 de Junho, talvez para que ao celebrarmos o dia da Raça – o “Dia de Camões”, também possamos recordar que além, no Vale de S. Joaquim viveu mais uma alma nobre e gentil num coração simples de emigrante que lutou, sofreu e venceu, sem nunca esquecer a sua terra natal, que sempre enalteceu nos seus trabalhos.

Alfred Lewis, grande homem de letras, parte de um passado ainda recente, é mais um português/açoriano que demonstra ao mundo que ser ilhéu é, ao partir, levar no coração a ilha que lhe serviu de berço, guardá-la no peito para toda a vida e ao morrer transladá-la consigo para a eternidade.

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