«Ilha de Santa Maria: da Aviação
aos Satélites
- Tecnologia ao Serviço do Desenvolvimento Económico
e Social da Ilha»
Intervenção Humberta Maria
Araújo
E com imenso prazer que recebemos este ano
uma representação da ilha de Santa Maria. Uma
ilha que de uma forma ou de outra marcou a vida daqueles que
se encontram imigrados.
Isto porque desde finais da década de
40 ela fica conhecida pelos açorianos como a “América
Pequenina” e como tal muitos procuraram para ela emigrar
‘ se é que tal se pode afirmar.
A partir de 1945 muitos ilhéus, principalmente
da ilha de S. Miguel, foram para esta ilha para trabalhar nas
obras do aeroporto militar. Como alguns aqui presentes se recordam
esta migração só foi possível através
de cartas de chamada e termo de responsabilidade de familiares
e contratos de trabalho.
Mais tarde esta ilha fica também conhecida
porque foi dela que partiram de avião os primeiros emigrantes
para os Estados Unidos e Canada os quais - alguns deles se calhar
nesta sala - deixaram S. Miguel do AEROVACAS nos pequenos aviões
da SATA que os levavam a Santa Maria de onde partiam em algumas
das mais importantes companhias aéreas da época.
1945 é portanto um ano importante para aquela ilha.
E Para a história que vos quero contar
o dia 28 de Novembro deste mesmo ano MARCA UMA DATA DE VIRAGEM
ECONÓMICA, SOCIAL E CULTURAL NA ILHA DE GONÇALO
VELHO.
Neste dia OLIVEIRA SALAZAR e o Sr. HENRY NORWEB,
respectivamente Ministro dos Negócios Estrangeiros português
e o então embaixador americano em Lisboa, assinam um
protocolo que ficou conhecido como o ‘’Acordo
entre o Governo Português e o Governo dos Estados Unidos
estabelecendo a forma de Participação Indirecta
de Portugal em Operações do Pacífico.
Mas afinal a pergunta será talvez: o
que é que Santa Maria tem a ver com uma participação
indirecta de forças militares no Pacífico?
Esta participação acontece porque
Timor era na época parte integrante do império
colonialista português e encontrava - se nas mãos
dos japoneses.
Este facto inquietou de tal maneira Oliveira
Salazar que, preocupado em salvaguardar a soberania nacional
nas colónias, acabou por fazer um acordo com os americanos,
povo que ele não gostava e de quem desconfiava profundamente.
Assim Portugal permitia aos EUA uma locação
especial dos Açores que lhes permitisse, pelo menos em
teoria, alguma autonomia de acção longe dos olhares
dos militares ingleses, que como sabem, usufruíam de
facilidades nas Lajes na base de uma relação histórica
que remonta à primeira Aliança Luso –Britânica.
A vinda dos americanos para a ilha de Santa
Maria e a construção do seu aeródromo não
foi um processo fácil. A II guerra mundial desenrolava-se
em várias frentes: terra, mar e ar, mas talvez em nenhuma
outra esfera ela foi tão mortífera como no ar
e, daí a importância estratégia das ilhas
que eram vistas como porta - aviões naturais para as
potências aéreas da altura.
A este propósito gostaria de vos trazer
aqui uns números: quando os Japoneses atacaram Pearl
Harbor em Dezembro de 1941 forçando os Estados Unidos
a entrar activamente no conflito, a América tinha mil
e cem aeronaves prontas para combate. Quatro anos mais tarde,
a Força Aérea americana comandava os céus
com 16 forças de combate aéreas, o que equivalia
a 80 mil aparelhos dispersos pelas diversas bases aéreas.
Como podem ver, o uso das aeronaves de defesa
anti-submarina e estratégicas foi preponderante nos diversos
episódios da Segunda Guerra Mundial. A ilha de Santa
Maria destaca-se assim pela posição estratégica
e pela sua topografia e condições atmosféricas
privilegiadas.
Por estas ilhas passaram algumas das máquinas
aéreas mais poderosas do tempo pertencentes ao Air Transport
Command das Forcas Armadas Norte Americanas.
Não nos podemos esquecer que, apesar
dos avanços na tecnologia aérea, a verdade é
que os aviões possuíam ainda uma autonomia de
voo limitada. Nas suas rotas transatlânticas eram obrigados
a frequentes escalas técnicas, fazendo de Santa Maria
o chamado «porta aviões do Atlântico».
Mas a importância de Santa Maria não
se ficava por aqui. Com a passagem dos mais avançados
aviões militares a ilha tornava - se também num
importante centro de comunicações aeronáuticas.
Implementado pelas forças armadas americanas
e depois herdado pelos Técnicos Portugueses da Aeronáutica
Civil, este sistema de comunicações trouxe à
ilha as últimas novidades no âmbito da aviação.
Estes eficientes sistemas de comunicação
e controlo de aeronaves foram notáveis fontes de conhecimentos
para os técnicos nacionais que foram depois destacados
a ilha quando o aeroporto foi entregue pelas autoridades americanas
ao Estado Português no dia 2 de Junho de 1946.
Santa Maria passou assim a albergar o Centro
de Controlo Navegação Aérea dos Açores,
que conjuntamente com o de Lisboa e Cabo Verde marcou o triângulo
português do controlo aéreo.
O controlo de tráfego aéreo foi, podemos assim
dizer uma das mais importantes heranças da Guerra sendo
ainda hoje um serviço que continua a levar a ilha mais
longe.
Com esta introdução fica dado
o mote para o tema desta minha intervenção: Ilha
de Santa Maria: da Aviação aos Satélites
– Tecnologia ao Serviço do Desenvolvimento económico
e social da Ilha.
A chegada dos militares americanos com toda
a sua maquinaria de construção revolucionou não
só a paisagem física da ilha como os seus usos.
Vou aqui recordar um episódio, hoje quase caricato mas
que tem um significado histórico notável sendo
demonstrativo de como a ilha mudou com a chegada do aeroporto.
No dia 8 de Novembro de 1944 o mariense José
Inácio de Resende conduz a sua égua para o trabalho
da lavoura e o animal é atropelado por um veículo
conduzido por um americano. Como o Senhor José Inácio
não sabia escrever, pede a um conhecido, o senhor José
Coelho que redija a seguinte carta dirigida ao Comando Militar
de Santa Maria na altura sob a tutela do Tenente Coronel Hermínio
Serrano, Comandante Militar e enviado ao Chefe da Delegação
da Pan Américan Airways.
«Venho respeitosamente levar
ao conhecimento de V., que ontem dia 8 do corrente, quando me
dirigia ao meu serviço de lavoura conduzia uma égua
que transportava um arado para o local onde ia lavrar e no sítio
das Pedras de S. Pedro fui atropelado por uma camioneta Americana
que fracturou uma perna ao animal que possivelmente fica completamente
inutilizado e a ter melhoras não mais serve para o meu
serviço, e nesta conformidade, venho muito respeitosamente
solicitar de V. para ordenar que sejam tomadas as devidas providências
no sentido de eu ser devidamente indemnizado do seu valor que
atribuo ser presentemente de. 4.000$00 Esc, valor este por o
animal se encontrar para dar uma cria. Respeitosamente subscrevo-me
de V. humilde criado – A rogo de José Inácio
de Resende por não saber escrever - José Coelho
de Freitas».
Apesar de alguns desentendimentos a chegada
dos americanos trouxe importantes desenvolvimentos à
ilha.
Segundo palavras de Brito e Cunha então
trabalhador da Pan American Airways e tradutor «chegamos
com os Americanos a Vila do Porto no dia 6 de Agosto de 1944.
«Desembarcamos na baia onde existia um pequeno molhe com
um guindaste manual. Via-se uma estrada que subia pela falésia
culminando num miradouro. Reparamos então que do molhe
até ao miradouro estava ocupado por uma multidão
que assistia à chegada. Enquanto se iniciava o desembarque
do material carregado na Terceira a noite começou a cair.
Foi instalado então um grupo eléctrico e algumas
lâmpadas para iluminar o molhe. No momento em que se ligou
a electricidade ouviu-se um clamor de alegria de todo o povo
pois na ilha não havia electricidade».
Com os americanos chegava definitivamente a
electricidade, Todavia, naquele mesmo ano de 44 já tinha
sido instalado um pequeno grupo gerador de corrente contínua
dos CTT destinado a alimentar uma estação telegráfica
situada na Faneca.
Os americanos, tal como afirma Brito e Cunha,
montam então no cais e nos acampamentos onde se instalam,
geradores móveis com os valores utilizados nos EUA: à
tensão de 110 Volts. Na mesma altura o Comando Militar
dos Açores instaurar um gerador próprio num pequeno
edifício junto à Câmara Municipal. Um ano
mais tarde o Comando cede energia a entidades oficiais, sedeadas
na Câmara, residências oficiais, Hospital, e sede
da Guarda Nacional Republicana.
Com a saída dos militares portugueses
em 46 - 47 e americanos os seus geradores são por eles
oferecidos à Câmara Municipal. Assim surge o primeiro
centro produtor de energia.
Depois da electricidade surgem as estradas
sendo uma das principais a Birmânia do porto à
entrada da zona do aeroporto por onde passa material pesado.
A Birmânia assim baptizada para comemorar a tomada da
Birmânia aos japoneses pelos americanos e ingleses, foi
uma das muitas vias construídas de ligação
para o aeroporto.
De um a dois automóveis existentes,
a ilha vê chegar em número crescente as viaturas
para transporte dos militares e civis americanos e portugueses.
Com a chegada de cada novo navio, as máquinas
começam a transformar a face da ilha. «Bulldozers,
betuminosas, cavadoras, trucks, niveladores, compressores, …
Para dar apoio a todo este equipamentos é instalada uma
estação de serviço com bombas de gasolina
e organização técnica para revisões
constantes tanto do material de construção como
rolantes.»
Entretanto homens e material rumam para o primeiro
acampamento no campo das Areias e mais tarde o Ginjal, junto
aos terrenos onde se construía o aeroporto impondo uma
nova vida naquela então sossegada e inóspita zona
da ilha que em finais de Outubro tem já instalações
para escritórios e centro de saúde.
Estas construções eram feitas
em material pré-fabricado e com instalações
sanitárias vindas dos Estados Unidos. A maioria dos móveis
foram construídos em Ponta Delgada. Ao mesmo tempo se
construíram instalações semelhantes para
o pessoal feminino da secretaria que começava a chegar.
A pouco e pouco novas habitações
vão aparecendo, jardins, piscina, ginásio, cinema…
A Santa Maria vão chegando trabalhadores
de outras ilhas para fazer face às carências locais.
Das freguesias os homens vão deixando a terra em troca
de melhores salários no aeroporto. Uma situação
que as autoridades terão de lidar dado o abandono dos
campos. A população aumenta significativamente.
A face de Vila do Porto muda. O cosmopolitismo floresce. O comércio
e a publicidade bilingue instala - se. Restaurantes, bares,
cafés e até uma casa de prostitutas é criada
com supervisão oficial.
A vida social e cultural anima-se: Uma estação
de rádio própria..o Clube Asas do Atlântico,
os bailes, teatro, cinema e grandiosos espectáculos com
nomes sonantes nacionais e americanos vão revolucionando
a vida cultural e social da ilha ainda hoje visível nas
suas populações.
Escola, colégio e Igreja um mundo à parte que
tornou a zona do aeroporto uma das mais desenvolvidas da ilha.
Para não me alongar mais este foi um
retrato muito sucinto da completa reviravolta na ilha causada
pela construção do aeroporto militar. Mas com
a sua passagem a aeroporto civil nasce a idade de oiro da ilha.
Americanos ingleses e europeus disputam esta
estrutura porque era um dos mais importantes centros de apoio
à aviação civil e, Salazar tudo fez para
que tal ficasse nas mãos portuguesas. Assim Santa Maria
passa a receber as mais importantes companhias aéreas
americanas e europeias.
(…) A meteorologia era outro dos serviços
prestados pelo Centro. Milhares de mensagem eram anualmente
transmitidas e recebidas do centro para os serviços fixos.
Depois a ilha testemunha a época dos
aviões a jacto: Boeing, Lokheed e Airbus. Com o desenvolvimento
aeronáutico os aviões tornam-se mais potentes
e com maior autonomia de voo: anuncia-se um fim precoce para
a importância daquela estrutura aeroportuária para
a aviação civil então com a chegada dos
aviões supersónicos, entre eles o Concorde. Os
bio–reactores anunciam o fim próximo do aeroporto
Internacional De Santa Maria.
Mas o grande golpe surgiu na década
de 80 quando o governo açoriano decidiu que o aeroporto
internacional dos Açores seria na ilha Terceira enquanto
o de Santa Maria ficaria apenas com as funções
de aeroporto alternativo e para escalas técnicas. Um
duro golpe responsável pela saída de muitos marienses
para os Estados Unidos e Canada. Dos mais de 13 e 200 habitantes
a viver na ilha nos anos 60 actualmente a população
não atinge as 6 mil pessoas.
Com a diminuição da importância
do aeroporto para apoio aos aviões, Santa Maria vira-se
então para os seus serviços de controlo de tráfego
aéreo e a separação dos serviços
aeroportuários e navegação aérea
materializam-se, estes também ameaçados pelo governo
central que planeava centralizar estas funções
em Lisboa. A situação ficaria no entanto definida
durante o primeiro governo de António Guterres em 1996
que decide pela permanência do controlo oceânico
na ilha.
Com esta decisão os serviços
modernizam-se e novas instalações são construídas
para dar resposta actualizada ao movimento de aviões
na rota Europa e América do Norte. O moderno Centro de
Controlo Oceânico é hoje uma mais valia empregando
centenas de pessoas e mantendo a vitalidade económica
da ilha que agora mais do que nunca se volta para o Turismo.
Mas Santa Maria pode escrever mais uma página
na sua história intimamente ligada com os transportes
aéreos. O espaço é agora a última
fronteira. A ilha foi escolhida para uma estação
móvel de rastreio e telemetria da Agência Espacial
Europeia (ESA) a ser instalada até ao mês de Agosto
deste ano.
Come vêm do passado o futuro o desenvolvimento
económico, social e cultural de Santa Maria esteve e
estará sempre ligado a sua longa tradição
aeronáutica.
Muito Obrigado