PONTO ALTO DA JORNADA: JOSÉ RODRIGUES
DOS SANTOS
E O SEU LIVRO "O CODEX 632"
Dr. Ricardo Valadares e o Prof. Dr.
José Rodrigues dos Santos
“Então, muito boa noite!
Eu queria começar por agradecer o convite
que me foi endereçado para estar aqui presente. É
com muito gosto que venho a Toronto e estar com a comunidade
portuguesa para apresentar este livro. Mas, no fundo, o livro
é mais um pretexto para aqui estar e para poder conversar
com toda a gente.
Eu queria agradecer em particular a iniciativa
do José Ferreira e toda a sua equipa, que têm sido
inexcedíveis neste apoio que me deram. Ainda bem que
aceitei vir cá porque está a ser, realmente uma
experiência muito interessante.
Em relação a este livro, eu vou
falar dele um bocadinho, mas não vou falar muito, e seria
muito mais interessante se vocês, depois, se tivessem
algumas perguntas...eu teria muito gosto em responder a elas!
Eu diria o seguinte: comecei...portanto, eu
sou jornalista, esse é o meu trabalho e isso é
o que eu planeio continuar a ser durante muito tempo. Mas eu
comecei a escrever ficção, no fundo, como uma
evolução da minha tese de doutoramento. Eu fiz
uma tese de doutoramento sobre “Reportagem de Guerra”
em que eu fui entrevistar, em que fui ver as reportagens dos
jornalistas portugueses desde a I Guerra Mundial até
ao conflito da Jugoslávia e aos conflitos do Médio
Oriente, passando pelo Vietname, pela Guerra Civil de Espanha,
pela II Guerra Mundial, enfim, por isso tudo; e tive uma série
de conversas que publiquei em três ensaios, chamados ‘Crónicas
de Guerra’, e que eram um pouco o gérmen de uma
narrativa ficcional, embora apenas referente a coisas factuais.
Depois, tive uma ideia, que foi a de fazer
um conjunto de romances que focassem períodos históricos
em que Portugal desempenhou um qualquer papel no mundo. E, portanto,
o primeiro romance em que eu peguei foi “A Ilha das Trevas”
que é sobre a ocupação em Timor-Leste,
com a história de uma família durante a presença
indonésia, uma história que começa em 1975
e depois nós acompanhamos os esforços que foram
feitos, sobretudo pelos portugueses, pelos timorenses, para
conseguir a independência de Timor-Leste. Portanto, a
história acaba com a independência, um período
em que Portugal teve um papel interventivo na cena internacional.
Obviamente que na cena internacional ninguém tomava posição,
ninguém dizia nada sem saber qual era a posição
portuguesa. E foi interventivo na cena internacional. Falei
com diplomatas portugueses, americanos, indonésios, com
o antigo primeiro-ministro António Guterres, com o antigo
ministro dos Negócios Estrangeiros, Deus Pinheiro; portanto
obtive várias perspectivas sobre o que se passou nos
bastidores e reconstituí o romance.
Depois, escrevi ‘A Filha do Capitão’,
que já foi aqui foi abordado. Essencialmente, o que eu
procurei ali fazer foi pegar num outro período da História
portuguesa em nós interagimos com mundo, que foi, obviamente,
a I Guerra Mundial, um evento de proporções catastróficas
que marcou o século XX, a nível mundial e também
português, sendo essa participação o factor
que criou as condições para a emergência
do Estado Novo e para a descredibilização da República,
e o que eu contei foi a história de um oficial português
e de uma baronesa francesa que se conhecem e através
desse português, dessa francesa e de um grupo de soldados
eu contei, no fundo a história da participação
de Portugal na I Guerra Mundial.
Depois, naturalmente, se eu estava nesta linha
de pensamento, tinha de ir abordar a área dos Descobrimentos.
E aqui era um problema: como é que eu vou abordar a área
dos Descobrimentos? E eu sabia que havia já um mistério
quanto à origem de Cristóvão Colombo. Ora,
como é que eu vou... quase toda a gente reivindica a
paternidade de Cristóvão Colombo e eu achava isso
estranho. Porque é que isso acontece? Os italianos diziam
que era italiano, os espanhóis que ele era espanhol,
os gregos dizem que é grego, os franceses dizem: ‘-
Ah! Se calhar era francês!...’ E eu sabia que havia
também uma tese portuguesa. Comecei em Dezembro de 2004,
levou um ano e um mês, fui passar férias ao Rio
de Janeiro, levei dois ou três livros, e comecei a lê-los
para ver se aquilo tinha alguma sustentabilidade. E descobri
que tinha. Era uma história muito interessante e os indícios
da origem portuguesa de Cristóvão Colombo eram
muito maiores do que nós, à primeira vista, podíamos
ter imaginado. E também me apercebi que este era um debate
que corria em circuito fechado entre os grandes historiadores
e o que eu fiz, foi tornar público, digamos, levar ao
grande público um debate que estava fechado excepto em
circuitos académicos. No fundo, é isso que a obra
nos trás.
O romance aborda várias questões,
por um lado a origem de Cristóvão Colombo, é
um plano do romance; outro lado, o segundo plano do romance
é a história dos Descobrimentos portugueses; o
terceiro plano do romance é a história de uma
família, um caso de adultério e também
num outro plano a história de uma criança deficiente.
Misturei todos estes elementos para falar sobre um tema filosófico,
que é o tema da verdade. Como é que nós
conseguimos a verdade histórica, como é que conseguimos
a verdade moral, como é que conseguimos a verdade ética,
e tudo isso acaba por coincidir com o final da história
do romance em que nós ficamos com a dúvida onde
é que está a verdade sobre tudo isto.
Falando sobre Cristóvão Colombo,
que é, digamos, a tese de fundo do livro, e não
vale a pena estar a revelar o que se passa no livro, muitos
de vós vão certamente lê-lo, eu apenas diria,
para levantar duas ou três pistas, sobre quais são
os elementos mais fortes que nos podem fazer afirmar que Colombo
talvez fosse português, há alguns elementos que
são bastante interessantes.
O primeiro é que o Colombo genovês,
foi um homem que existiu, sabe-se que existiu em Génova
um homem chamado Cristoforo Colombo e este homem era um tecelão
de seda. Humilde, que não tinha instrução,
e isto está documentado, ninguém levanta dúvidas
quanto à existência desta personagem. E sabe-se
também que existia na Península Ibérica
um homem chamado Cristovan Colón. E era assim que ele
se chamava, era assim que ele assinava e era assim que os seus
contemporâneos lhe chamavam. Não era Colombo, era
Colón.
E a grande dúvida que se cria aqui é
saber se o Cristoforo Colombo, de Génova, e o Cristovan
Colón da Península Ibérica são ou
não são a mesma pessoa. Os italianos dizem que
sim, outros historiadores têm dúvidas sobre isto.
Enfim, o livro aborda pormenorizadamente quais são os
indícios e as provas de que ele seria genovês,
e analisa as fragilidades dessa hipótese. E depois vai
para a hipótese portuguesa. Há um elemento muito
importante nesta tese: é que o Cristovan Colón
ibérico casou com uma mulher da alta nobreza portuguesa,
chamada Dona Felipa de Moniz Perestrelo. E este Moniz porque
ela era descendente de Egas Moniz. Era aparentada da família
real, era da família de D. Nuno Álvares Pereira,
o Condestável de Aljubarrota. Algo que é aqui
muito estranho. Porque no Século XV, não havia
casamentos entre alta nobreza e povo! Porque é isso que
o casamento do Cristoforo Colombo indica: um homem do povo,
plebeu sem instrução, casa com uma mulher da nobreza
portuguesa e isso não faz muito sentido. Ainda hoje,
no século XXI, não é muito comum ver um
banqueiro casar com uma peixeira... Embora haja relações
entre as classes sociais, não é uma coisa que
aconteça com muita frequência! Agora imaginem no
Século XV, em que as classes sociais eram castas verdadeiras,
em que a nobreza casava com a nobreza... e o povo entre si.
Podia acontecer que a baronesa tivesse um relacionamento
com o jardineiro. Isso era uma coisa admissível. Agora,
casar? Ir à igreja casar, no Século XV? Bom, é
altamente improvável.
Eu falei com um historiador que me disse que
no período da história dos Descobrimentos, foi
um professor dessa especialidade na Universidade Nova, que me
disse sabia de dois casamentos no Século XVI, de pessoas
de alta nobreza, falida, e burgueses ricos, não é?
Portanto, havia dois casos no Século XVI. E não
havia nenhum caso no Século XV. Colombo seria o primeiro.
O casamento de Cristóvão Colombo sugere que Cristovan
Colón, o almirante ibérico, seria um homem nobre,
também. Para ele casar com uma mulher da alta nobreza
teria de ser nobre. Se era nobre não poderia ser o Cristoforo
Colón genovês.
Aliás, o filho espanhol dele, Hernando,
deixou um livro em que, falando sobre o pai, reitera que ele
era de origem nobre, e tinha brasão, e tudo isso. Ora
se tinha brasão e era nobre, não podia ser o tecelão
de seda. Portanto isto é um problema da tese genovesa.
E indicia que era um nobre. E se era um nobre seria português
porque casou com uma mulher da alta nobreza portuguesa.
Depois há um segundo elemento, há
muitos elementos, mas eu vou apenas citar um ou dois, que é
o da língua de Cristóvão Colombo. Há
muito pouca coisa que se sabe ter sido escrita por Cristóvão
Colombo. Porquê? Porque ele estava em Castela e havia
um escriba a quem ele ditava: ‘- Estoy muy contente por
estar aqui’. E se ele dizia algum disparate, o escriba
corrigia automaticamente. O castelhano que aparecia escrito
era um castelhano correcto. Mas há alguns documentos
que se sabe que foram escritos pela mão de Cristóvão
Colombo. Quais são esses documentos? São essencialmente
de duas ordens: primeiro os livros dele que estão guardados
na Biblioteca Colombina de Sevilha em que ele, na margem do
livro. Ele lia o livro e depois anotava ali, nas margens, as
suas observações pela sua própria mão,
não ditando isso a ninguém. E havia outros documentos
que eram as cartas que ele escrevia para o seu filho português.
Ele teve dois filhos, teve o Diogo, o filho português
e o Hernando que era o filho castelhano. O Diogo era filho de
Dona Felipa de Moniz Perestrelo, e ele escrevia-lhe cartas também.
Portanto essas cartas eram do punho dele. E também há
outro tipo de cartas, quase comerciais, onde ele também
escrevia pelo seu punho. E aí nós vemos como é
que ele estruturava as suas frases, as palavras que ele escolhia,
e tudo isso.
E então o que é que emerge? Cristóvão
Colombo era italiano, segundo a tese italiana. Não havia
ainda Itália mas ele era de Génova, escreveria,
portanto em italiano. Mas há uma nota num rodapé
de um livro, escrita por ele, que está cheia de palavras
espanholas e portuguesas. Portanto, no meio de uma frase que
tem 40 ou 50 palavras, 19 são castelhanas ou portuguesas.
Não é muito normal para uma pessoa que nasceu
em Itália e viveu em Génova até aos 24
anos de idade. É estranho!
Depois, ele tem cartas para genoveses. E nessas
cartas, ele escreve, imaginem, em castelhano. O que também
não é muito normal. Então ele é
genovês, e está a escrever aos genoveses em castelhano?
É a mesma coisa se vocês estiverem a escrever para
Portugal e o façam em inglês... Quer dizer: não
é normal, se são portugueses escrevem em português!
Mas há historiadores que defendem a
tese que, naquela altura, não sendo a Itália que
nós conhecemos hoje, o que é verdade, não
havia uma língua italiana, o que também é
verdade. Mas nós sabemos que os italianos que vivam no
estrangeiro, e por italianos entende-se por pessoas que vieram
da península itálica, falavam toscano como língua
franca entre eles. O toscano era a língua de Florença.
Mas admitindo que Colombo não aprendeu toscano em Génova,
falaria genovês. Mas ele não escreve em genovês
aos seus contemporâneos. Bom, eu ouvi um defensor da tese
genovesa dizer: ‘- Ele não escrevia em genovês
porque, no seu tempo, o genovês não era escrito.
‘ Portanto, ele não sabia escrever... nem podia
saber. Um caso interessante!
E o que é que eu fiz? Fui falar com
um professor italiano, de Génova, professor de língua
italiana, que dá aulas na Universidade de Coimbra, e
sem lhe dizer o que é que eu queria provar com isto,
perguntei-lhe se no tempo do Colombo se havia ou não
genovês escrito. E ele mostrou-me uma série de
poemas e textos que estavam escritos em genovês. Textos
do Século XV e do Século XIV. Portanto, esta ideia
de que não havia genovês escrito era mentira. O
facto é que o Cristóvão Colombo quando
escrevia para genoveses fazia-o em castelhano. Isto é
muito estranho!
Mas mais estranho ainda é ver o tipo
de castelhano que ele escrevia. Há um livro de um filólogo
espanhol que escreveu um livro chamado “La língua
de Cristóbal Colón”. E ele analisa todos
os escritos de Colombo. E descobriu que quando ele escrevia
em castelhano, sempre que tinha uma dúvida sobre uma
palavra, o que ele ia buscar era uma palavra portuguesa. Nunca,
em momento algum, quando ele não se lembrava de uma palavra
ia buscar outra palavra italiana. Nunca! Não aconteceu
jamais, sendo sempre palavras portuguesas. Por exemplo, ele
escrevia ‘quero’, em vez de ‘quiero’,
entendo em vez de ‘entiendo’. Ora este filólogo,
estudando a estrutura da escrita dele descobriu que Cristóvão
Colombo escrevia como uma pessoa que pensa em português
e não como uma pessoa que pensa em espanhol ou noutra
língua, não é? O que é interessante.
E depois faz uma observação:
há aqui alguns erros, erros de uma pessoa que aprendeu
italiano e depois confunde. Mas há uma coisa que ele
diz também. É que os espanhóis dizem que
há um erro que só os portugueses fazem: como sabem,
o português e o castelhano são línguas muito
parecidas, em que muitas vezes nos basta acrescentar um ‘i’
e de repente se transforma em castelhano. Dizemos: quero, metemos
um ‘i’ e fica ‘quiero’. Entendo vira
entiendo. Nós fazemos isso. E há uma palavra que
em português se diz ‘depende’. Como se diz
em castelhano, pergunto-vos? ‘Depiende’? Pois, mas
não é! Em castelhano é mesmo ‘depende’.
E os espanhóis dizem que quando ouvem alguém dizer
‘depiende’ já sabem que se trata de um português.
É um erro único aos portugueses. E Cristóvão
Colombo escreveu ‘depiende’. Mais ninguém
senão os portugueses cometem esse erro. É o ‘portunhol’,
não é verdade?
Este é outro dos elementos que nos faz
sugerir que Cristóvão Colombo, se calhar, não
é bem aquela pessoa que nós pensávamos
que era. E isso levanta, obviamente, muitas questões
sobre os Descobrimentos: Se ele era português, esperem
aí, mas porque é que ele estava ali a trabalhar
para os espanhóis? O que é que ele estava a fazer?
E depois começamos a interrogar-nos sobre alguns mistérios
dos Descobrimentos. Designadamente o mistério que o Ricardo
já levantou, e que faz parte do livro, e que é
o mistério do Tratado de Tordesilhas. Este tratado, como
sabem, foi assinado em 1494 entre Portugal e Castela-Aragão,
em Tordesilhas, dividia o mundo em duas partes, e tinha algumas
peculiaridades esse tratado.
Mas a maior peculiaridade desse tratado é
o facto dele ter sido assinado. Porque é um tratado que
dá a Índia a Castela. Isto é, os portugueses
andavam desde o início do Século XV a tentar chegar
à Índia. Andaram por ali todos os anos a tentar
descobrir a passagem, até o Bartolomeu Dias, em 1488,
descobrir a passagem dobrando o Cabo da Boa Esperança.
Ora em 1480, Portugal assinou com Castela um tratado chamado
de Alcáçovas-Toledo, em que se determina que as
ilhas Canárias ficam castelhanas, os Açores ficam
portugueses, a Madeira fica portuguesa, a Costa Africana fica
portuguesa e ‘fica tudo português até aos
índios’.
Segundo o tratado a Índia é portuguesa.
Ora em 1492, o Colombo vai para Oeste e chega à Índia.
Que ele achou que tinha chegado à Índia. Nós
até dizemos os índios, não é? A
gente até lhes chama os peles-vermelhas, não é?
Ora o Colombo quando regressou à Europa não disse
que tinha descoberto o Novo Mundo, descobri a América...
Ele diz: ‘- Eu descobri a Índia e vi os índios.”
E curiosamente, quando ele inicia a viagem de regresso daquilo
a que chamava a Índia, o primeiro porto a que arriba
é Lisboa. Vai primeiro a Lisboa e só depois é
que vai falar com os castelhanos. Isto é um bocado estranho.
Porquê? Isto porque D. João II, que tinha este
projecto, que alimentava este sonho de chegar à Índia,
de repente aceita um tratado, que assina com os castelhanos,
em que lhes dá a Índia! Porque o Cristóvão
Colombo descobriu a Índia, não é? É
o que ele diz e toda a gente acredita. Descobriu a Índia,
até trouxe de lá uns índios e tudo. E quais
são as consequências práticas desse tratado?
Ele assinou esse tratado, os castelhanos ficaram com aquilo
que julgavam ser a Índia e ‘enganaram os portugueses’.
A consequência óbvia deste processo é que
ele (D. João II) se calhar já sabia que aquilo
não era a Índia. Então porque é
que ele assina um tratado que lhe tira aquilo que o tratado
anterior já lhe dava? Alcáçovas-Toledo
dava-lhe a Índia! Se ele queria a Índia porque
razão acedeu em Tordesilhas ficar sem ela? Só
há uma explicação: é que ele já
sabia que não era a Índia! E a consequência
prática do Tratado é que os castelhanos ficaram
com a Índia Americana e os portugueses ficaram com o
caminho livre para fazer a viagem até à verdadeira
Índia!
Essa é portanto a tese de fundo e que
constituiu uma alteração à análise
dos Descobrimentos. E, no fundo, são todos estes mistérios,
e muitos outros ainda, que perpassam por este romance e aqueles
que lerem espero que tenham o prazer da leitura...
Se desejar entrar em contacto com o autor para
comentar o romance "O Codex 632" escreva
para o email: jrs@rtp.pt
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