“A Senhora da Rosa”

Maria Amélia Campos
lança biografia de Natália Correia

Vasco Oswaldo Santos
Adiáspora.com

Atravessei mais luas que a Sibila
Até ganhar a pedra alta e tranquila
Da minha estátua de saber morrer.

(Natália Correia, in Sonetos Românticos, Antologia Poética)

Não abrandam – e ainda bem – os ventos de cultura que “assolam” a Galeria Almada Negreiros do Consulado-geral de Portugal em Toronto. À semelhança dos seus antecessores, e agora com um ‘toque’ ainda mais refinado, a Dra. Maria Amélia Paiva evidencia toda uma vontade em apostar na diversidade, ora cedendo o espaço para artes plásticas, ora para a expressão da criança Luso-canadiana, ora, enfim, promovendo a difusão das obras de grandes vultos contemporâneos da literatura portuguesa, como foi agora a vez de Natália Correia, uma das mulheres mais influentes do século XX português.

Neste caso específico foi a apresentação-lançamento, em terras do Canadá, do livro “A Senhora da Rosa – Biografia de Natália Correia”, uma verdadeira tese académica, documento de pesquisa apuradíssima, história da poetisa micaelense, fonte de informação que ultrapassa, em muito, a mera biografia que consta no título.

A autora, Dra. Maria Amélia Campos, natural de Ílhavo, é licenciada em Línguas e Literaturas Modernas pela Universidade Nova de Lisboa, onde fez a parte curricular do mestrado em Literaturas Comparadas, Portuguesa e Francesa.

É Mestre em Estudos Sobre as Mulheres pela Universidade Aberta de Lisboa e Investigadora no Centro de estudos das Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI). Colaborou no Projecto Genre et Gestion Locale du Changement dans Sept Pays de l’Union Européenne.

E tal como se pode ler na contracapa do volume – editado pela Parceria A. M. Pereira, conceituadíssima editora lisboeta que também foi centro livreiro de gabarito, e com o apoio da Presidência do Governo Regional dos Açores, Direcção Regional da Cultura – “Este livro, um estudo pioneiro que descreve e aprofunda a vida de Natália Correia (do nascimento à morte), entrosando-a na sua própria obra, permite ao leitor ficar a conhecer, por inteiro, uma das figuras femininas mais marcantes e complexas” do Portugal contemporâneo.

Perante uma casa cheia, onde se encontravam muitos jovens, deu-se uma breve apresentação do evento pela Cônsul-geral de Portugal; que presidiu à mesa onde tomaram assento, para além da autora, a Dra. Antónia Maria Pereira, editora; Dra. Avelina Silveira, professora de Português e assistente na Universidade de York e a Dra. Laudalina Rodrigues a quem foi atribuída a função de apresentar a autora do livro. O que fez de maneira personalizada e longa, que acabou por nos confundir se estava a empreender numa crítica à obra, à autora ou à própria Natália Correia. Ao mesmo tempo, assumindo-se numa posição de destaque que não assenta bem numa sessão deste cariz, Laudalina Rodrigues agiu como se estivesse em palco, enveredando por um solilóquio debitado de pé, em frente à mesa, eliminando qualquer hipótese de gravação por se encontrar longe do microfone de mesa, e tapando frequentemente o próprio rosto tal os papeis em que escreveu a sua dissertação se elevavam para permitir a leitura...

No momento atribuído à autora, que todos esperávamos ser a principal oradora, depois de uma apresentação que se requeria curta, a Dra. Maria Amélia Campos, imperturbável, teceu breves considerações ao trabalho a que se propôs, uma vez que – e estas palavras são inteiramente nossas – o vento que enfunaria as velas da sua dissertação, e que todos nós ansiávamos por ouvir em primeira-mão, havia sido injustamente desviado pela já conhecida sede de protagonismo da apresentadora. Mas, ainda assim, houve tempo para ficarmos a saber, da boca da autora, a importância que um outro livro, sobre as mulheres portuguesas deputadas à Assembleia da República, veio a exercer na decisão para a publicação desta obra.

Mais outros dois momentos refrescantes e inéditos salvaram, por assim dizer, a sessão: primeiro porque houve um convite para que duas jovens estudantes procedessem à entrega de uma rosa vermelha a cada um dos homens presentes, numa alusão bem viva à personalidade igualitária e libertadora dos direitos e da emancipação da mulher portuguesa que Natália Correia tão bem encarnou na sua obra e na sua postura perante a vida. Segundo: porque na arte de dizer, ainda tão arredada dos momentos culturais desta comunidade, é raro aparecer uma voz e uma sensibilidade como a da Dra. Avelina Silveira, a partilhar connosco versos da insigne poetisa açoriana.

A encerrar o momento cultural, e a anteceder o período de convívio que se seguiu, o convite para que todos os presentes acompanhassem, em uníssono, a leitura de uma das mais belas e panfletárias obras de Natália Correia, o seu ‘Ode à Liberdade’. A melhor maneira de se concluírem estas linhas em que o cronista, deleitado, acabou por passar a participante de viva voz:

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Ode à Paz

Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza, pela alegria, pelo vinho, pela
música, pela dança, pela branda melodia do rumor dos regatos,
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos,
Pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves Outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz,
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
Deixa passar a Vida!