O território mais a sul do Canadá

Se a história tivesse peso real
Pelee Island afundar-se-ia nas águas do Erié

José Ilídio Ferreira
Adiáspora.com

A ilha de Pelee é o ponto habitado mais ao sul do Canadá e fica localizada na bacia occidental do Lago Erie. O que lhe confere algumas vantagens únicas. Algumas espécies são nativas à massa de terra assim como condições climáticas de excepção – a sua latitude é a mesma do norte da Califórnia – o que permite o cultivo e produção de vinhos premiados no Canadá e no mundo dos apreciadores. As praias são de areia e convidativas para a prática da natação. Os trilhos de natureza são bem concebidos e o terreno plano convida à prática do ciclismo. E depois, claro, há toda uma imensidão de lago para grandes pescarias.

Acompanhado de minha irmã Fátima – e desta vez também na companhia de meu irmão Abílio e cunhada Vicki - tenho vindo a aproveitar estes fins-de-semana de despedida de Verão para fazer o que se chama de turismo interno no Ontário. É que as tendências são de se sair para o estrangeiro e deixar para trás as belezas naturais que nos rodeiam. Esta é uma verdade universal, que tanto vale para o Canadá como para qualquer outro país do Mundo.

Desta feita, satisfiz a curiosidade indo até ao ponto mais meridional do Ontário – e do resto do Canadá, diga-se – para visitar a Ilha de Pelee, quase em frente a Leamington e Kingsville, parte de um arquipélago de ilhotas, cuja maioria se queda já dentro das águas territoriais dos Estados Unidos e que se avistam do lado sul e oeste. A viagem é assegurada, durante todo o ano, por um serviço de ferry, navio que tem o nome de Jiimaan, operado pelo governo provincial, transportando carga, passageiros e automóveis.
Pelee é famosa pela exuberância da sua natureza arborizada que, como acima se indicou, apresenta espécies botânicas nativas, apenas lá encontradas ou em muito poucos mais locais do país.


Albergado desde a sua “colonização” é o farol essencial às ilhas, edificado num local a que, muito propriamente se dá o nome de Lighthouse Point. A reconhecer o interesse histórico e ecológico, criou-se em 1984 uma reserva natural com o mesmo nome, existindo um trilho natural que nos conduz até lá através de uma área pantanosa a terminar na praia. Olhando para norte, avistamos de imediato o famoso farol da Ilha de Pelee. Construído em 1833, manteve-se em serviço até 1909. Foi restaurado recentemente e agora encontra-se exactamente como no tempo do seu primeiro faroleiro William McCormick, permitindo que os navios pudessem navegar as águas traiçoeiras da passagem de Pelee, em pleno Lago Erié. Este é o segundo farol mais antigo de todo o lago.
Ao caminhar-se pelo trilho, tal como nos aconteceu e registamos na fotografia, é possível avistar um dos nossos répteis mais raros, como é o caso da cobra Blue Racer, cujo nome bem identifica pela cor e pela velocidade com que se esconde. Outro réptil frequente no local é a tartaruga Eastern Box, grande amante de banhos de sol.

Mas, voltando ao farol, é importante relatar um pouco do seu rico historial. É certo que lendas se encontram por todo o lado. Mas a de Pelee – que logicamente também tinha de ter algumas... – tem traços interessantes de romantismo por se tratar de uma história de amor.
É uma história trágica mas vale a pena contá-la, da mesma forma que me foi contada durante a visita. Começa com uma jovem aborígene chamada Hulda. Diz-se que, há muitos anos, ela se apaixonou por um inglês de visita, que prometeu voltar e nunca cumpriu. A nossa pobre Hulda, desgostosa e despeitada, precipitou-se de um rochedo e encontrou a morte. O penhasco pode avistar-se perto de Vin Villa, é conhecido por Hulda’s Rock, em memória da infeliz moça. Como já se disse, é uma memorial que se pode avistar em dias de boa visibilidade.

E já que falamos em rochedos, existe em Pelee outro muito importante, chamado de Indian Grinding Stone - que em Português daria “Mó Índia” – localizado o memorial Park, mesmo em frente do escritório municipal, ali colocado recentemente do sítio onde se encontrava inicialmente, junto à estrada Leste-Oeste. Nela se podem observar as muitas depressões causadas pelo moer do milho ou outros grãos de cereais. Existe um outro similar na ilha mas este é o maior e o mais fácil de visitar. O que é importante é que este data de 7.500 antes de Cristo o que, com outros achados arqueológicos da ilha, indicam estar habitada há muitos milénios.
Também protegida provincialmente encontra-se a Reserva Natural de Point Nature. O caminho que lá nos conduziu foi recentemente reparado e passa por diferentes tipos de áreas ecológicas. Na primavera, florescem o trillium (flor que serve de emblema ao Ontário), a maçã-de-Maio (May Apple) e o calção-de-holandês (Dutchman’s breeches) enchendo o ambiente de maravilhosos aromas florestais e a madeira. No final, encontra-se um pequeno observatório em terraço, proporcionando um belo panorama sobre Fox Point, um dos pântanos que sobreviveu ao tempo. Pode-se ainda encontrar na área os figos-de-piteira (prickly pear), assim como espécies animais – tartaruga pintada, rato-almiscarado, garças e o que mais os nossos olhos forem capazes de enxergar no meio da vegetação. Na zona sul da reserva, encontra-se a Stone Road Alvar, propriedade da Federação de Naturalistas do Ontário e da Autoridade Conservacionista Regional de Essex. Trata-se de um novo trilho que explica as características específicas de um alvar e o seu significado real.

O alvar é um espaço aberto apropriado para a observação de aves migratórias assim como as sedentárias que aqui nidificam todos os anos. Com alguma sorte se avistarão pássaros como o Red-winged Blackbird, Warblers, White-eyed Vireo ou até um Carolina Wren.
Mas é bom relembrar o conforto proporcionado pelas águas do lago Erié e uma boa banhoca em tempo de verão. O pôr-do-sol é sempre maravilhoso mas avisa-se desde já que, não havendo nadadores-salvadores nas praias, se recomenda cautela duplicada. Sobretudo não nadar em Fish Point ou Lighthouse Point onde as corrente fortes transformam constantemente os bancos de areia
.Para quem, como o meu irmão Abílio, gosta de pescar, as espécies são abundantes. Yellow Perch, White e Large-mouth Bass, Catfish e Pickerel (Walleye) são aqui fáceis de pescar (para quem o sabe fazer, já se vê!). Os caçadores também podem, na época, e com as respectivas licenças, caçar faisões que abundam na ilha.

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E porque o melhor se deve sempre deixar para o fim, falemos agora da grande riqueza econômica de Pelee Island: os seus renomados vinhos. Foi aqui que se estabeleceu, em 1868, a primeira adega comercial do Canadá. As suas ruínas, encontram-se em “Vin Villa”, numa propriedade particular no canto noroeste da ilha, também denominado como Sheridan Point. Esta foi apenas uma das muitas explorações vinícolas que se estabeleceram na ilha, nos anos finais do século XIX. As empresas Wardroper, J.S. Hamilton & Company e as adegas John Finlay também foram muito bem sucedidas devido à longevidade da estação da frutificação oferecida pelo microclima de Pelee. Mas para tudo há um tempo certo e a feitura do vinho em Pelee chegou ao fim logo a seguir ao cessar das hostilidades da I Guerra Mundial (1918), estabelecendo-se no seu solo novas culturas. Mas uma vez mais, em finais da década de 70 do século passado, a vitivinicultura em Pelee começou a atrair novos empresários, em busca de terrenos apropriados para as vinhas. Assim foram estabelecidas as Adegas da Ilha de Pelee e os vinhos produzidos aqui começaram a ganhar prêmios em todos os concursos em que foram apresentados. E, aspecto positivíssimo, que algo deve contribuir para este sucesso enológico: as rolhas das garrafas do vinho produzido em Pelee são de boa e genuína cortiça portuguesa. Foi com alegria que vimos – registamos fotograficamente - um dos nossos produtos nacionais expostos no museu do vinho e saber que continuam a rolhar o néctar do deus Baco.

Nota triste foi o terrível incêndio que na década de 60 destruiu por completo a mansão vitoriana de Vin Villa. Uma magnífica casa da era da Rainha Victoria completa com mobiliários e decorações da época, rodeada de belos jardins, com um panorama espectacular sobre o lago e as outras ilhas que formam o arquipélago.

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Vale o facto dos vinhos de Pelee serem dos melhores do Canadá. O Pavilhão do Vinho encontra-se localizado na costa oeste da ilha, a pequena distancia do cais de atracação. Todos os dias há visitas organizadas e provas, assim como uma pequena charcutaria onde se pode almoçar bem. Para os mais pequenitos, há parque infantil e campos de basquetebol e voleibol. Um novo trilho de natureza está a ser aberto para conduzir os visitantes a uma área arborizada única no seu género, providenciando sombra e a ilusão de haver sido descoberta pela primeira vez! Mais, o Pavilhão está preparado para organizar banquetes, festas e até casamentos.

Ao fim de um dia bem passado em família. O “Jiimaan” levou-nos de volta ao continente ontariense mas as memórias e as fotos ficarão gravadas para sempre na nossa mente. Por isso as queremos partilhar com os leitores locais e aqueles que, espalhados pela nossa Diáspora, queiram incluir uma visita a Pelee Island quando vierem de visita ao Canadá.

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