COMEMORAÇÃO DO 50° ANIVERSÁRIO DA EMIGRAÇÃO AÇORIANA
PARA O CANADÁ


O Chefe de Protocolo, Dr. Pedro Lima, Prof. Dr. José Carlos Teixeira, Pioneiro Afonso Tavares,
Presidente Carlos César, Dra. Alzira Silva e Dra. Gilberta Rocha.

Ilhas moldadas por uma contínua mobilidade, os Açores têm na Emigração uma das componentes fundamentais da sua História. A História dos Açores é, pois, e em grande parte, a história da sua Emigração. Emigração que moldou comportamento individuais, familiares e sociais ao longo dos tempos, principalmente nos últimos cinquenta anos, quando as alterações técnicas registadas nas comunicações propiciaram um intercâmbio mais efectivo entre os açorianos das duas margens do Atlântico. É assim que se tornam visíveis, não só o modo de estar e viver das ilhas nas comunidades de além mar, como também hábitos e comportamentos daquelas paragens interiorizados em manifestações várias do quotidiano vivido nestas ilhas.

Emigração de características diversas e fundamentos vários - que ao longo de séculos serviram interesses nacionais e locais, assumidos ou inconfessos - ela é também uma escola da sua população. Escolha livre, tanto quanto condicionada, por dificuldades económicas, sociais e até políticas. Saíram inicialmente com destino ao Brasil, posteriormente para os Estados Unidos da América e mais tarde também para o Canadá.

Se a aventura da partida, o desejo de rasgar o horizonte de um mar imenso foi, e porventura ainda é, uma motivação individual, todos sabemos que a justificação fundamental assenta nas grandes clivagens sociais que durante décadas, e até séculos, caracterizaram a sociedade açoriana. Era assim há cinquenta anos quando o país e a Região viviam ainda os reflexos de uma intensa crise internacional, que dificultou a mobilidade humana, e tentava viver habitualmente num mundo que já era outro.

Numa sociedade, económica, social e culturalmente estagnada, em que as dificuldades eram acrescidas pelas limitações à entrada nos EUA, o destino mais frequente na época, as possibilidades abertas pelo Canadá propiciaram novas condições de vida para muitos açorianos. Estes retomaram assim, um pouco mais a Norte, as estratégias familiares de uma desejada e merecida ascensão económica e social.

É a estes Homens e ao país que os recebeu que queremos hoje prestar homenagem. E fazemo-lo numa pequena reflexão sobre o entendimento da emigração na sociedade açoriana num período relativamente alargado que vai dos finais do século XIX aos finais do século XX. As citações não reflectem a globalidade das reflexões emitidas. Pensamos, todavia, que elas são, de algum modo, representativas do modo como se via e pretendia solucionar os constrangimentos vividos nos Açores e o valor que aí detinha a emigração. Distingue-as não só as diversas épocas e consequentes contextos societais, como os respectivos enquadramentos na estrutura política e social e o carácter individual do pensamento dos seus autores.

Mas começamos por um breve enquadramento do fluxo emigratório. Sabemos que entre 1866 e 2001, o número de emigrantes açorianos ronda os 440 000 - quando só muito excepcionalmente a população do arquipélago ultrapassou os 300 000 habitantes - cerca 100 000 no século XIX e 340 000 no século XX. Entre 1866 e 1880, a média anual é ligeiramente inferior a 2 000 pessoas, quantitativo que passa para cerca de 3 700 entre 1880 e 1890 e de 3 900 desta última data até ao final de oitocentos. Nos primeiros 20 anos do século passado a média anual de saídas cifra-se nos 4 700 emigrantes.

Os quantitativos são bem distintos entre 1924 e 1951, como todos sabemos, da ordem dos 12 700 para o conjunto do período, com uma média anual da sensivelmente 450 pessoas. A situação vai-se alterando ao longo da década de cinquenta e princípio de sessenta, nas quais a emigração ultrapassa no conjunto dos anos as 50 00 pessoas, o que determina uma média de 3 800 por ano.

Nos dez anos seguintes - 1966 a 1975 - o volume emigratório atinge o seu valor mais alto, com uma saída anual da ordem das 10 800 pessoas, um total de cerca de 108 000 emigrantes. Entre 1976 e 1990 saíram do arquipélago cerca de 45 000 emigrantes, menos de 3 000 por ano, quantitativo que é bastante influenciado pelos valores correspondentes aos finais dos anos setenta, da ordem dos 5 000, já que na década de oitenta o volume emigratório se cifra normalmente abaixo das 2 000 pessoas, embora em alguns anos o valor ultrapasse as 3 000. A partir de 1991 os valores das saídas anuais são decrescentes situando-se abaixo dos 300 nos últimos anos século XX.

Apesar das diferenças anuais pensamos que é legítimo considerar três grandes períodos que se apresentam distintos, não só no que respeita ao fluxo emigratório, e consideramos unicamente os imigrantes oficiais - sem atender portanto a qualquer estimativa da emigração clandestina -, mas também na sua configuração política, económica e social, que pode de algum modo ser percepcionada pelas referências que passamos a apresentar.

Em 1872, o Conde da Praia da Victoria, analisando a situação do distrito de Ponta Delgada manifesta-se assim:

"Eis um assumpto que hoje é da ordem do dia, que está preocupando seriamente os que se dedicam aos negócios d'este paiz...

primeiramente a emigração é um facto natural, que se tem repetido em todos os tempos e dado entre todos os povos; em segundo logar, ella reveste ás vezes a forma de um facto excepcional, cuja manifestação corresponde a profundações na vida normal dos povos. Quasi sempre o excesso de população determina a primeira, e o transtorno da vida política ou económica origina a Segunda d'estas manifestações do povo para o abandono da sua pátria e do seu lar. Demonstra-o a historia, confirma-o a observação...

Um dos primeiros symptomas que a emigração denota é o excesso de população, não no sentido vulgar de não haver já logar no paiz para mais gente, - mas no sentido altamente significativo em economia social de que um dado paiz já não offerece os recursos necessários para a subsistência de mais do que certa população."1

Em 1877, e tendo um enquadramento um pouco distinto, já que não respeita ao distrito de Ponta Delgada mas ao da Horta, o Visconde de Castilho faz a seguinte apreciação:

" Ha uma questão, para alguns séria entre todas, que preocupa notavelmente os espíritos n'estas ilhas: a emigração....

Mas francamente: que ha de estranhável n'esta nossa emigração? Como não seria assim n'um archipelago cujas forças todas ainda não poderam ser aproveitados em cheio, n'um archipelago afastado sim do trato dos homens, mas intermedio entre dois mundos, e como flutuando entre os dois mais ricos e nobres continentes do globo?...

Era maravilha que os filhos d'estes rochedos não emigrassem, quando contemplamos em volta de nós essa tentação constante que se chama o mar.

N'aquelles horisontes marinhos ha o que quer que seja de convidativo para o espírito, ha attracção do desconhecido; e d'entre as brumas luminosas de um sol poente sobre o mar sorriem a estes bons insulanos, filhos de peninsulares, todos as opulências do possível...

O que entretanto me parece poder affirmar-se é que a emigração augmentou pelo anarchico estado do governo das ilhas.."2

Independentemente da forma, mais crua ou mais poética, a emigração é tida já como uma realidade, realidade que se justifica nas dificuldades de ordem económica e que deve ser combatida pela alteração daquela situação, fundamentalmente através da dinamização da actividade produtiva e até da elevação do nível educacional, propiciador do desenvolvimento e da qualidade de vida da população desta ilhas. Com maior ou menor ênfase subentende-se uma vontade de estancar a própria emigração, revelando-se, todavia, a liberdade individual na busca de uma melhoria da situação económica.

A questão demográfica é tida, fundamentalmente, como consequência dos problemas de ordem económica e política, embora a pressão demográfica por si só seja também entendida como factor propiciador de saídas, designadamente através da emigração. Neste último caso é considerada como fenómeno normal e que encontra justificação na sua permanência que se perde na história dos povos.

Se nas citações anteriores se procura fundamentalmente entender e explicitar as causas da emigração, causas onde predominam os factores de ordem económica, já em Mont'Alverne de Sequeira, em 1891, a tónica é dada não só nas causas mas também nas consequências, consequências económicas por razões de ordem política.

"Os governos, conscios de que era providencial essa válvula de segurança (emigração) da proliferação açórica, dormiam tranquilos e apáticos, não percebendo que as nossas ilhas se esvaíam enquanto os ministros se espreguiçavam..."3

"Aos governos compete atacar de frente este mal, promovendo melhoramentos materiais, que sirvam de empregos braços desocupados e que seja de futuro uma fonte de receita para o estado".4

Reconhecendo em alguns casos as limitações de ordem física, geográfica, ainda assim considera que a situação tem de ser resolvida e a solução é de ordem política. Ou seja, as soluções económicas e sociais pela intervenção política.

Para o período que vai sensivelmente de meados dos anos vinte até meados dos anos cinquenta, décadas em que a emigração é quase inexistente e em que, consequentemente o volume populacional do arquipélago tinha tido um acréscimo considerável, temos a opinião de Luís da Silva Ribeiro:

"Ninguém hoje, por certo, reeditará nas ilhas velhos e obsoletos argumentos contra a emigração, nem soltará de novo ridículos e lamuriantes elegias sobre o depauperamento da nossa economia pela saída de braços. Os factos com todo o seu poder de convicção, a triste experiência de duas dezenas de anos durante os quais praticamente a emigração se não deu, devem ter sido bastantes para demonstrar que ela é um fenómeno demográfico normal e absolutamente indispensável à nossa vida, por ser útil sob todos os aspectos desde o equilíbrio populacional à sua benéfica repercussão na balança económica".5

Por seu lado, Armando Cândido, deputado à Assembleia Nacional em 1952, refere:
"...direi que não considero o emigrante como elemento perdido ou desperdiçado, desde que se lhe não falte com o carinho e a lembrança constante da Mãe-Pátria...

O emigrante que se instala no estrangeiro constitui a melhor das propagandas, gratuita, viva, permanente...

De momento, sem o recurso da emigração, não podemos arrumar satisfatoriamente os nossos saldos populacionais, em especial os do Minho, Açores e Madeira.

Mais tarde, e por redução gradual, seria possível dispensar a emigração como processo de escoamento, mas, quando assim pudesse vir a acontecer, além das razões históricas e políticas já enumeradas, acima da maior facilidade na regularização dos salários... restariam as conveniências económicas, traduzidas no somatório, em dinheiro, que o emigrante amealha e remete ou traz para a Mãe-Pátria, e no volume, em comércio, que ele desperta e anima, continuando a pedir os produtos nacionais e dando conhecimento desses produtos no meio em que passou a viver...."6

Parece-nos que é de sublinhar aqui a relevância dada à emigração como solução, quase que podíamos dizer a solução, sublinhando-se os seus efeitos positivos em termos económicos, sociais, e até políticos. Mais, ela é apontada como a principal causa (normal) dos problemas de uma sociedade que não se quer questionada e muito menos alterada. A população emigrante, deve servir os interesses da organização que se quer do país (do estado, de um grupo social) e não é o país (o estado) que se deve organizar para dar condições à sua população.

Além de solução para o desemprego, e consequentes distúrbios sociais, a emigração é lucro, não tem despesas, só receitas. É propaganda gratuita com conveniências económicas, conveniências nas remessas em dinheiro que envia e no comércio que anima. A demografia (o chamado excesso demográfico) é considerada a principal causa dos problemas, a emigração a mais benéfica solução, com efeitos recomendáveis nas diversas vertentes da vida nacional.

Para o último período, que vai de 1976 até aos nossos dias, encontramos opiniões relativamente distintas das anteriores.

Em 1983 João A. Alpalhão e Vítor Pereira da Rosa afirmam:

"A mudança Política operada em Portugal, com a instauração da Segunda República, não contribuiu ainda até ao presente para estancar a hemorragia da emigração. Se esta vem diminuindo ultimamente, deve-se aos limites impostos pelos países importadores de mão de obra. Por outro lado, a nova situação está longe de convencer as massas de emigrantes a retornar a Portugal"7

"Relativamente a Portugal, uma das consequências imediatas recai no domínio da demografia. Há que atender não só à diminuição da população em certas regiões, mas também ao desequilíbrio na pirâmide geográfica e às implicações sociais inerentes. Este desequilíbrio reflecte-se particularmente na taxa de matrimónios e, por consequência, na natalidade. O envelhecimento verificado na referida pirâmide etária é outra resultante. O grupo etário dos vinte aos trinta e quatro anos constitui o grosso dos emigrantes portugueses. Daí se podendo concluir a redução da população activa em Portugal e o envelhecimento notório da população portuguesa. Este fenómeno representa uma alteração na estrutura da população, não só no aspecto quantitativo mas também qualitativo".8

Mais tarde, em 1986, Mário José Amaral Fortuna:

" Quaisquer que sejam as razões de fundo que levaram à situação actual, o facto é que foi a emigração que funcionou como autêntica válvula de escape evitando os problemas sociais que surgiram no meio de uma economia incapaz de dar resposta às necessidades de emprego daqueles que iam sendo libertos de um sector primário em mudança.... Mas à parte este benefício que nos vem pela negativa, podemos apontar os seguintes:

1. O escoamento de produtos açorianos para o agora chamado "mercado da saudade";

2. As remessas dos emigrantes quer para auxílio dos familiares que ficaram quer para aplicação em contas bancárias e em imóveis;

3. O retorno de emigrantes com a consequente infusão nos Açores de novas ideias e em alguns casos de novas iniciativas económicas."9

" Em conclusão, não nos restam dúvidas de que o emigrante açoriano, quer no seu local de destino quer nas suas visitas, quer quando volta, assume significante na economia destas pequenas parcelas".10

Nas duas opiniões citadas para este último período, de teor relativamente distinto, pode sublinhar-se como consequências da emigração, por um lado, a "falta" de população e o envelhecimento demográfico, com repercussões negativas no desenvolvimento económico e social. Por outro, as vantagens que a emigração, ou emigrante, pode propiciar, referenciadas numa óptica financeira, mas também económica, neste caso como elemento dinamizador da actividade produtiva. Neste último período é de sublinhar o esforço de compreensão, não só das causas mas também das consequências, designadamente a nível demográfico.

Finalizando citamos Mendes Leal que em 1872 dizia - "a emigração...nem é absolutamente um mal nem absolutamente um bem. Pode ser um bem ou um mal, conforme as condições em que se efectua, as causas de que provem e os efeitos que produz".

Devemos todos conhecer tanto umas como outras, quer em termos sociais quer individuais, mas acima de tudo devemos aproximar cada vez mais de todos açorianos e partilhar experiências distintas que enriquecerão o nosso futuro colectivo.


Ponta Delgada, 14 de Novembro de 2003


Gilberta Pavão Nunes Rocha


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1 Conde da Praia da Victoria, Governador Civil, "Assumptos diversos - emigração" in Relatorio da Junta Geral do Districto de Ponta Delgada em 1872, Ponta delgada, Typ. da Chronica dos Açores, 1873, pp 52,53
2 Visconde de Castilho, Governador Civil do Districto da Horta, Relatório apresentado á Junta Geral do mesmo Districto na Sessão Ordinária de 1877, Horta, Typographia Hortense, 1877, pp 8,9
3 Gil Mont' Alverne de Sequeira, "A emigração dos Açores" in Questões Açorianas, 2ª edição, Ponta Delgada, Jornal de Cultura, 1994, pp. 89,90
4 Id. Ibid. P. 116
5 Luís Silva Ribeiro, Jornal Correio dos Açores - Obras III - Vária, Angra do Heroísmo, Instituto Histórico da Ilha Terceira/Secretaria Regional da Educação e Cultura, 1983, p. 186
6 id. Ibid. Pp. 133-135
7 João Alpalhão e Vítor Pereira da Rosa, Da Emigração à Aculturação - Portugal Insular e Continental no Quebeque, Angra do Heroísmo, Secretaria Regional da Educação e Cultura/Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, 1983, p. 296
8 Id. Ibid. p. 312
9 Mário José Amaral Fortuna, "O impacto da emigração na economia açoriana" in II Congresso das Comunidades Açorianas em 1986, Angra do Heroísmo, Direcção de Serviços de Emigração da Secretaria regional de Assuntos Sociais, 1986, pp. 424, 426
10 Id. Ibid. P. 429